O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO DOS INSEMINADOS POST MORTEM EM DECORRÊNCIA DO TESTAMENTO BIOLÓGICO: LIMITES E RESTRIÇÕES[1]

Juliana Araújo Abreu

Rafaela Coelho Rodrigues Lima[2]

Anna Valéria Cabral Marques[3]

 

INTRODUÇÃO; 1 Espécies de Filiação no ordenamento Jurídico Brasileiro; 2 Testamento Biológico: titularidade dos genes e suas implicações; 3 Possibilidade de dispor do Material genético pautada nos Princípios Constitucionais, 3.1 Efeitos Sucessórios de um filho gerado Post Mortem ;Considerações Finais.

RESUMO

A presente pesquisa desenvolve alguns argumentos a cerca da possibilidade de um testamento biológico, prega a utilização de óvulos e sêmens post mortem. O assunto é polêmico e atual, merece, portanto, ser analisado por diversas áreas do conhecimento, é imprescindível tecer conceitos e relacioná-los as mais diversas áreas e vertentes do direito. No tema em questão, Direito e Medicina, mais especificamente a Genética, estão entrelaçados, o Direito mais uma vez estabelece balizas aos avanços da Reprodução Humana Assistida, o que interfere diretamente no âmbito da Família, na questão da Filiação e por fim, no Direito sucessório.

Palavras-chave: Testamento Biológico; Utilização de Óvulos e Sêmens Post Mortem; Filiação; Direito Sucessório.

INTRODUÇÃO

No Primeiro Capítulo tratar-se-á da filiação, as evoluções que se deram a respeito do tema e suas espécies. Segundo Stolze e Pamplona (2014) o antigo Código Civil tratava os filhos de uma forma discriminatória, visto que, somente eram considerados legítimos os decorrentes do casamento, ou seja, o casamento era o único instituto oficial que poderia irradiar validade aos filhos gerados, é essa a interpretação que se dá ao Art. 337 do Código Civil de 1916. Os filhos para serem legítimos, possuir direitos e deveres decorrentes da instituição familiar só eram considerados se fossem oriundos da constância do casamento.

 Com a entrada em vigor da Constituição de 1988, essa concepção caiu por terra, já que impera o regime da igualdade entre os seres. Contudo, a vigência do artigo 1798 do Código Civil feriria ao Princípio da Igualdade, já estabelecido pela Lei maior, já que este defende que os legitimados a suceder são apenas as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão? O tema da inseminação post mortem gera várias discussões, interfere na Dignidade da Pessoa Humana, em questões sucessórias, dentre outras.

Cabe ainda, ressaltar aqui, que nos moldes atuais adotou-se um conceito plural de família, seja ela mono parental, simultânea, poli afetiva, união estável, relação homo afetiva, houve inclusive a junção dos “meus, seus e nossos” conhecida como família mosaico ou pluriparental, a noção de família está bem flexível acompanhando a sociedade moderna.

No capítulo seguinte, tem-se por base o Princípio do Livre Planejamento Familiar, sendo este considerado um Direito Fundamental, foi consagrado em sede legal tanto no Código Civil de 2002, quanto na Constituição Federal Brasileira de 1988. Este fundamento encontra-se ainda regulamentado na Lei nº 9.263/1996, que assegura a todo cidadão, não só ao casal, o planejamento familiar de maneira livre, não podendo nem o Estado, nem a sociedade ou quem quer que seja estabelecer limites ou condições para o seu exercício dentro do âmbito da autonomia privada do indivíduo. (Roberta Quaranta, 20??)

Por conseguinte e na vigência da Resolução expedida pelo Conselho Federal de Medicina nº1957/2010, que defende “Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do (a) falecido (a) para o uso do material biológico crio preservado, de acordo com a legislação vigente.” Cabe-se aqui fazer uma correlação à hipótese de testamento biológico, e se o material genético congelado pode ser utilizado post mortem do doador.

Dando continuidade a análise do tema, buscar-se-á fazer uma análise mais profunda acerca da reprodução assistida post mortem, aqui se pretende abordar a possibilidade ou não de questões sucessórias de um filho gerado post mortem, para isso é válido tratar-se da titularidade dos genes que foram deixados por aquela parte que já faleceu, a quem de fato o material genético pertence. É interessante também abordar o tema do ponto de vista da criança, trabalhar sob a perspectiva do Princípio do Melhor Interesse do Menor e expor quais as implicações que essa reprodução causa em sua vida.

 

1 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Pregava o já em desuso, Código Civil de 1916 que os filhos podiam ser: legítimos (havidos sob o casamento civil e dentro dos prazos estabelecidos), legitimados (resultantes do casamento dos pais, após concebidos ou nascidos), ilegítimos (havidos fora do casamento), simplesmente naturais (havidos de pais solteiros ou equiparados), adulterinos ( resultantes de adultério de um dos pais ou de ambos) e adotivos (filiação civil, não consanguínea ou socio afetiva).

Com a evolução da ciência e da medicina abriu-se duas vertentes novas no ramo da filiação, esta inovação trouxe reflexos no mundo jurídico de duas formas, sob uma primeira perspectiva, ampliou as fontes da filiação e da própria vida humana, através da fecundação artificial homóloga e heteróloga inclusive com o advento da criação de embriões humanos in vitro nos laboratórios. A segunda implicação surge com o advento da descoberta do DNA, a possibilidade de análise do código genético dos filhos, abriu espaço para o acesso quanto à comprovação da identidade científica de seus pais.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, aquela concepção de que filho legítimo é apenas o gerado na constância do casamento, foi desmistificada. Nos moldes da legislação atual, impera o regime da igualdade entre os seres e consequentemente a igualdade entre os filhos. “Filiação é a relação de Parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado” (RODRIGUES, v.6, p. 297, apud GONÇALVES, 2013, p. 319)

O ordenamento jurídico brasileiro conceitua a instituição familiar, não somente pela união de laços genéticos e sua descendência, ou seja, no que diz respeito apenas às relações exclusivamente sanguíneas, mas também e da mesma forma, estende o seu conceito, no intuito de assegurar a proteção daquela “família formada pelo afeto, traduzido pela comunhão espiritual e de vida de seus integrantes comprovadas pela colaboração, solidariedade e respeito recíproco”. (SALDANHA, 2008)

Com o advento da Constituição Federal de 1988, toda e qualquer discriminação entre filhos passou a ser vedada, a filiação sendo biológica ou não biológica não aduz diferença entre estes. (art. 227, §6º). Atualmente, impera a premissa defendida pelo Princípio da Igualdade entre os filhos, proibindo qualquer discriminação contra estes, contribuindo e reafirmando aquilo que prega o Princípio da Proteção Integral da Criança e do Direito à Convivência Familiar.

Tal preceito torna-se clarividente, também no art. 1.596 do Código Civil, este determina que: “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Apesar do artigo não mencionar a reprodução assistida heteróloga, por analogia, aplica-se a mesma, uma vez que a mesma é mencionada no art. 1.597, V do CC.

A atual família brasileira, segundo Ana Claudia Brandão:

Passa a priorizar os laços afetivos. A troca de afeto, de cuidado e a solidariedade entre os membros como meio de se realizarem como pessoa humana adquire mais relevância do que o tipo de entidade familiar no qual tal realização se concretizará. Portanto, seja qual fora espécie de entidade familiar, o indivíduo é o centro em torno doqual gravitam todos os direitos, a fim de que a pessoa se realize sentimentalmente no grupo familiar em que está inserida. (BRANDÃO, 2011, p.96, apud SILVA, 20??, p.13)

É relevante afirmar, que a paternidade/maternidade ganhou um significado mais relevante, e que ultrapassa aquele pregado pelo fator genético ou biológico, está sendo construída com base no amor, no afeto, no carinho, pouco importando a origem da filiação, mas apenas o livre desejo de ser pai ou mãe, o que implica dizer que, o caráter socio afetivo prevalece sob a filiação biológica.

O reconhecimento da filiação sócio afetiva não alude no desprezo da filiação biológica. É importante ressaltar, que não há qualquer hierarquia entre elas, haja vista que, apenas partindo para a análise do caso concreto é que será possível determinar o critério a ser utilizado, a fim de se estabelecer qual a filiação que melhor concretiza os interesses da criança, pautado sempre, em satisfazer a dignidade da pessoa humana. Portanto, o afeto é a base de uma entidade familiar e não restringindo-se apenas aos laços biológicos, apesar de ser, na maioria das vezes, o fator mias incidente. (SILVA, 20??)

2 TESTAMENTO GENÉTICO: TITULARIDADE DOS GENES E SUAS IMPLICAÇÕES

Inicialmente é de suma importância ressaltar-se aqui, a inexistência de previsão na legislação atual brasileira vigendo sob o tema, contudo, no intuito de estabelecer-se balizas ao instituto vigora a Resolução nº 1.957/2011, do Conselho Federal de Medicina, que “não constitui ilícito ético a reprodução assistida ‘post mortem’, desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”. Este normativo ético é premissa de base suficiente a sugerir e permitir a prática do testamento em análise.

A não existência de impedimento ou proibição, em nada obsta que o sujeito capaz possua uma vontade expressa em testamento quanto ao destino de sêmens e óvulos congelados. Defende-se aqui ser possível e viável que alguém faça constar em testamento, material genético como objeto de uma doação, no intuito de fazer valer uma futura inseminação artificial pelo donatário. Isto é definido como o novo instrumento jurídico para o surgimento dos “filhos de herança”, programados “post mortem” para pessoas determinadas. (ALVES, 2014)

O material genético passa a constituir um bem passível de ser utilizado pelo inventário, destinando-se servir à procriação do(a) falecido(a). É o denominado “testamento genético”, quando os futuros pai ou mãe, doadores de sêmens ou óvulos, deixam expressas suas vontades, preceituando que o material genético congelado, venha a ser utilizado para a concepção e nascimento de seus futuros filhos, após suas mortes, com escolha pessoal de quem seria apto para utilizá-los. (ALVES, 2014)

Casos que se passaram no exterior, são utilizados nessa pesquisa, como preceitos que viabilizam a existência desse instituto. A advogada israelense, Irit Rosenblum, foi quem teve a ideia de legalizar o instituto em um instrumento, elaborando documentos que externassem a vontade em se permitir aos herdeiros que este disponham do material genético, uso este determinado pelo testador, segundo sua vontade e superando suas expectativas

Em Israel, a advogada Irit conseguiu a determinação no sentido de fazer com que o Banco de sêmen do TelHashomer Hospital, procedesse com a entrega de material genético ali depositado por Baruch Pozniansky, após sua morte. Acatando ao desejo dos pais do jovem falecido, que queriam um neto, viram a possibilidade de concretizarem seu sonho com o material genético então disponível.

Os bancos de sêmen ou de óvulos congelados conservam aquele material genético, dispostos pelos titulares, contudo, não requerem as devidas instruções sobre o destino a lhe ser dado, caso venha a óbito o seu depositante. A autora defende ser uma descontinuidade, o que acaba por impedir sua destinação certa.

O congelamento de esperma ou a chamada criopreservação seminal (com armazenagem a uma temperatura de 196º C negativos) constitui um dos procedimentos biomédicos que fomentam o projeto parental; seja no interesse próprio (ou de casal), em bancos de sêmen homólogos; seja em doação, em bancos heterólogos, para as clínicas de reprodução assistida. (ALVES, 2014)

O material genético em que pese à possibilidade de ocupar lugar junto a um inventário, como um “bem”, pode ser destinado a qualquer pessoa, receberá este “bem” da mesma forma que receberia uma herança ou um legado. Com isso, é válido aqui ressaltar a finalidade das técnicas de reprodução assistida, estas têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras técnicas terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade.

O caso aqui em análise pode ser considerado um caso excepcional onde doador e receptor se conhecem, contudo, essa peculiaridade não torna ilegal esta atividade. O que pretende-se defender é que, a doação de gametas a um terceiro, equipara-se a atividade da barriga solidária, diferenciando-se apenas nos meios utilizados. No testamento biológico a doação do gameta possibilita a concepção do filho, já no instituto da barriga solidária quem faz às vezes de possibilitar esse fim é a barriga, ou seja, a mulher que doa seu útero para que o bebê do terceiro seja gerado. Destarte, é válido inferir aos novos “testamentos genéticos”, a noção de um projeto parental que celebra acima de tudo, a dignidade da vida.

 

3 POSSIBILIDADE DE DISPOR DO MATERIAL GENÉTICO PAUTADA NOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de família ao reconhecer como entidade familiar à União Estável, a família constituída de um dos pais com seus filhos (Família Monoparental), além da já tradicional família oriunda do matrimônio. O direito ao Planejamento Familiar está consolidado no § 7º do art. 226, respaldado no princípio da Dignidade da Pessoa Humana, acompanhado da Paternidade Responsável, sem esquecer-se dos recursos educacionais e científicos (CARDIN E CAMILO, 2009)

O planejamento familiar de origem governamental é dotado de natureza promocional, não coercitiva, orientado por ações preventivas e educativas e por garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade (Constituição Federal, Art. 226, §7º).

No mesmo sentido, a Lei n.º 9.263, estabeleceu regulamentações quanto a hipótese de planejamento familiar no Brasil e estabeleceu em seu art. 2º que: entende-se por planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direito igual de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Portanto, conclui-se que o Planejamento Familiar é um ato consciente na escolha de ter ou não filhos, respeitando em primeiro plano as necessidades e expectativas do casal. (CARDIN E CAMILO, 2009)

O art. 3º, da referida lei citada anteriormente também autorizou, em seu art. 9º, que, para o exercício do planejamento familiar, serão oferecidos métodos de reprodução assistida. O instituto foi tratado, ainda, pelo § 2º do art. 1.565 do Código Civil, tratando de modo insuficiente a respeito do tema.

É interessante também, para assegurar a constitucionalidade do tema em questão, abordar os aspectos decorrentes do Princípio da Autonomia da Vontade, que nada mais é do que a faculdade que o indivíduo possui em decidir de acordo com seus próprios interesses e preferências. Isso posto pode-se afirmar que há na Constituição Federal o reconhecimento de um direito individual de fazer tudo aquilo que se tem vontade, com apenas uma ressalva, desde que no caso concreto essa vontade não venha a prejudicar o interesse de terceiros.

A proteção ensejada pela autonomia da vontade tem por objetivo fornecer ao indivíduo o direito de auto-determinação, escolher de acordo com sua vontade o desenrolar do seu destino, fazendo escolhas pessoais que digam respeito a sua vida e ao seu desenvolvimento como ser humano, decisões relativas a casamento, ter ou não filhos, religiosidade, escolha sexual, são estritamente pessoais. Contudo esse direito livre disposição dos atos da vida implicam diretamente no quesito da responsabilidade, cada um é responsável por aqueles atos que praticam.

 Portanto há que se afirmar a estrita permissão, da utilização de Material Genético post, além do mais é reconhecida a possibilidade deste figurar como objeto em um testamento, a partir da vontade expressa em a destinação sêmens e óvulos congelados. Defende-se aqui ser possível e viável que alguém faça constar em testamento, material genético como objeto de uma doação, no intuito de fazer valer uma futura inseminação artificial pelo donatário. Isto é definido como o novo instrumento jurídico para o surgimento dos “filhos de herança”, programados “post mortem” para pessoas determinadas.

 Faz-se importante tratar o testamento genético a luz do princípio da paternidade responsável, que está positivado no §7º do art. 227 da Constituição Federal, nos arts. 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, e ainda no inciso IV do art. 1566 do Código Civil. Decorrente da análise desses artigos extrai-se um conceito do que seria paternidade responsável, de maneira bem resumida, trata-se do ônus que os pais possuem de prover a assistência moral, afetiva, intelectual e material dos seus filhos.

Muito se questiona a respeito do critério psicológico de um filho gerado por inseminação artificial pos mortem, haja vista que este, já nasce sabedor de que é órfão. Em contraponto como toda e qualquer afirmação, existe uma outra interpretação que pode ser aplicada ao caso,  o fato do sujeito congelar seu sêmen impera na ideia de que ele deseja de fato ter um filho, e que pretende proteger essa possibilidade, se valendo de um método que possa efetivamente “a qualquer tempo” corresponder a esse anseio.

A preocupação com o potencial filho é tanta, que o genitor congela seus sêmens para assegurar essa filiação em potencial. Destarte impera de forma plena o Principio da Paternidade Responsável, a vontade paternal do sujeito esgota todos os meios possíveis para a sua execução, portanto, para o filho que nasce sabendo ser órfão cabe também a imposição de ser a realização do sonho de seu genitor responsável, a afirmação de que o critério psicológico da criança está afetado, é uma hipótese bastante subjetiva e que deve ser levada em consideração o quesito na análise do caso concreto.

Por último, mas não menos importante, é válido tratar-se aqui de forma sucinta, à respeito do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tema basilar para todos os outros princípios que regem o instituto aqui analisado. A incidência da Dignidade da pessoa Humana, reflete na premissa de paternidade responsável, interfere diretamente no direito de livre planejamento familiar e por conseguinte, ampara todas as questões referentes ao direito de livre disposição do corpo, ou seja, fomenta de maneira específica a autonomia da vontade.

 

O legislador constituinte brasileiro conferiu ao Princípio Fundamental da Dignidade Da Pessoa Humana (art. 1º, III) a qualidade de norma base de todo o sistema constitucional, informando as prerrogativas e as garantias fundamentais da cida­dania. Com efeito, os direitos fundamentais da Carta Magna de 1988, negativos ou positivos, encontram seu fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana (TEIXEIRA e CAIXETA, 2007 apud , MONTALBANO, 2012, p.17).

Com a incidência dos Princípios acima expostos, o direito de constituir família gera para o Estado, obrigações Positivas e Negativas, haja vista que, em algumas situações o Estado não pode intervir, deve se abster de certos atos, assim como em outras ele tem o dever de assegurar e fomentar a proteção desta. Pode-se afirma aqui, que o instituto versa sobre Direito Fundamentais de primeira dimensão há uma barreira, bloqueio e proibição com intuito de proteger a Pessoa Humana dos ataques provenientes do Estado.

3.1 EFEITOS SUCESSÓRIOS DE UM FILHO GERADO POST MORTEM.

Para efeitos sucessórios a doutrina não é uníssona quanto aos direitos do concepturo, do embrião criopreservado e daquele já implantado no útero materno á época da morte do genitor. A divergência se da com base na análise do art. 1798 do Código Civil, que só teria legitimidade para suceder aqueles que já estão nascidos ou concebidos no momento da abertura da sucessão.

Parte da doutrina assevera que se o embrião, decorrente de uma fertilização consentido pelo de cujus já estiver implantado no útero no momento da abertura da sucessão, os direitos deste estão assegurados. Segundo Hirunaka (2007 apud, MONTALBANO, 2012) é assegurado direito sucessório ao embrião criopreservado o conceito de nascituro sofreu uma ampliação para além da concepção in vivo, alcançando também a fecundação in vitro.

Luiz Gavião de Almeida (2003 apud, MONTALBANO, 2012) afirma que a interpretação dada ao art. 1798 deve abranger até mesmo aqueles seres que ainda não foram concebidos, justifica essa possibilidade no fato de que assim como a filiação pode ser questionada e por direito reconhecida, já que a medicina possibilitou que mesmo depois da morte, o genitor consiga ter uma prole, não é razoável que direito sucessório seja excluído dessa seara.

Em consonância ao pensamento exposto anteriormente, colaciona-se a seguir um entendimento que compartilha da mesma ideia:

Independente de ter havido ou não testamento, sendo detectada no inventário a possibilidade de ser utilizado material genético do autor da herança (já que sua vontade ficara registrada no banco de sêmen), no intuito de evitar futuro litígio ou prejuízo ao direito constitucional de herança, há de ser reservados os bens desta prole eventual sob pena de ao ser realizado o procedimento, vier o herdeiro nascido depois, pleitear, por petição de herança, seu quinhão hereditário, como se fosse um filho reconhecido por posterior investigação de paternidade. (2008 apud, MONTALBANO, 2012, p.26)

Em contrapartida, Almeida Junior (2003 apud, MONTALBANO, 2012, p.26 ) não concorda com a primeira posição, ele entende que o embrião, cuja fecundação se efetivou post mortem (utilizando-se do sêmen congelado) de fato não teria direito sucessório nenhum, através de uma interpretação literal do art. 1799, haja vista que, não é pessoa concebida e nem nascida à época da morte do genitor.

 A corrente defendida pelo doutrinador em questão afirma que a única possibilidade do fruto da inseminação post mortem herdar, seria mediante disposição testamentária, em observância ao art. 1799, I, do CC, que dita: “Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão” (BRASIL, 2010).

Almeida Junior (2003 apud, MONTALBANO, 2012, p.26) acrescenta em seu entendimento que “se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador caberão aos herdeiros legítimos,” por analogia ao art. 1800, §4º do Código Civil. Portando, após esse prazo é vedado que o fruto da inseminação post mortem figure como herdeiro.  

No entendimento de Leite (2002 apud, MONTALBANO, 2012, p.27) afirma que “a inseminação post mortem feita á revelia de seu titular ou nas hipóteses de recolhimento fraudulento ou eivado de vícios de vontade, não podem galgar efeitos jurídicos, até por se tratar de ato anulável”, portanto os simples ato de depósito do sêmen no laboratório não é suficiente para produzir efeitos jurídicos, principalmente no âmbito sucessório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de bom grado dar início as considerações finais do presente trabalho, partindo do pressuposto de que a o Direito se amolda a vida cotidiana, e não o inverso. Esse entendimento pode ser extraído do fato de que as relações entre pessoas são datadas de uma complexidade, e tal complexidade muitas vezes não consegue conciliar as previsões taxadas no ordenamento jurídico, com o desenrolar das relações intersubjetivas.

Esse atraso do ordenamento jurídico Brasileiro em estabelecer balizas para todas as implicações do mundo jurídico é completamente aceitável ou pelo menos justificável, as relações se modificam com tanta rapidez, isso é justamente o que impede que o ordenamento jurídico a acompanhe. Além do que, se todas as espécies, peculiaridades e diferenças fossem abordadas pelo Código Civil, este seria consideravelmente maior do que já é.

No entanto não é por que não há uma previsão expressa da possibilidade de se realizar determinado ato, muitas vezes reiterado e já aceito por grande parte da sociedade, que este tende a ser taxado por ilegal, ou a margem de uma possível legalização e implicações reais no mundo jurídico. O caso do testamento genético se enquadra aqui, com o desenvolver da medicina, da genética, os métodos de fertilização assistida muitas vezes geram consequências não amparadas pela legislação, ou por previsão insuficiente, acabam por gerar conclusões conflitantes sobre o tema.

 A possibilidade de o material genético figurar como um bem dentro de um testamento é algo bastante inovador, contudo, não é proibido. Essa disposição, como foi exposta ao longo do trabalho, é justificada e pauta-se no Princípio da Autonomia da Vontade, pelo qual o Estado deve se abster de certos atos, para que o indivíduo faça livremente suas escolhas, é claro, desde que aja com a devida responsabilidade e sem prejudicar direito de terceiros.  

Quanto à questão sucessória, a posição mais acertada extrai-se do Código Civil, só tem direito a suceder os que estiverem concebidos ou nascidos a época da abertura da sucessão.  O testamento genético possibilita que alguém, ou um casal, consiga efetivamente ter um filho, o que prevalecerá de fato, é a relação socio afetiva daquela criança gerada com o sêmen do doador pós morto, a relação parental neste caso resume aqueles que “gestaram” tão somente, excluindo da responsabilidade aquele que doou o material genético. Contudo, é importante ressaltar que cabem decisões diferentes a depender da análise do caso concreto.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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CARDIN, Valéria Silva Galdin. CAMILO, Andryelle Vanessa. Dos aspectos controvertidos da reprodução assistida post morte. Revista de Ciências Jurídicas - UEM, v.7 n.1, jan./jun. 2009.

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COSTA, Dilvanir José da. FILIAÇÃO JURÍDICA, BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA. 20??

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: direito de família: as famílias em perspectiva constitucional. 4 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: direito de família. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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MONTALBANO, Ana Caroline Oliveira. Inseminação Post Mortem e seus reflexos no Direito de Família E Sucessões. 2012.

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SILVA, Priscila Alves. Inseminação Artificial Heteróloga: o reconhecimento da origem genética à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

QUARANTA, Roberta Madeira. O Direito ao Planejamento Familiar. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7429> Acesso em: 22 ago. 2014.



[1] Paper apresentado à disciplina Direito de Família e Sucessões, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2]Alunas do 6° Período Vespertino do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professora Mestre.