TESTAMENTO BIOLÓGICO PARA UTILIZAÇÃO DE ÓVULOS E SÊMEM POST MORTEM : DOAÇÃO POST MORTEM DE ÓVULOS E SÊMEN COMO OBJETO DE TESTAMENTO BIOLÓGICO PARA TERCEIROS[1]

 

Frederico Nepomuceno Léda[2]

 Mariana Costa Guerra[3]

Anna Valéria de Miranda Araújo Cabral Marques [4]

Sumário: Introdução; 1 Sucessão Testamentária; 1.1 Da capacidade de testar; 2 Aspectos gerais acerca de testamento biológico; 3 Da possibilidade de doação post mortem de óvulos e sêmen como objeto de testamento para terceiros; 3.1 O direito sucessório dos inseminados post mortem; Considerações Finais; Referências

RESUMO

O presente trabalho visa conceituar e analisar o tema sobre testamento biológico para utilização de óvulos e sêmen post mortem. Tem como objetivo mostrar inicialmente o conceito de sucessão testamentária e suas características, em seguida demonstrar quem tem a capacidade de testar. Irá ser mostrado os aspectos gerais do testamento biológico, e por fim, como objetivo principal, mostrar a doação post mortem desse material genético, como objeto de testamento biológico para terceiros.

PALAVRAS-CHAVE: Sucessão Testamentária; Capacidade de testar; Testamento Biológico; Doação post mortem; Óvulos e Sêmen; Direito Sucessório; Inseminação; Direito comparado.

INTRODUÇÃO

Atualmente no Brasil há um tema que está sendo discutido amplamente nos últimos anos, acerca do testamento vital ou biológico. Tal modalidade é também denominada testamento em vida. Roxana Cardoso Borges (2005, p. 239) conceitua esse instituto como “o documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade”.

Dessa forma, o presente trabalho busca entender o posicionamento da doutrina acerca de doação post mortem de óvulos e sêmen como objeto de terceiros, e quanto à vontade expressa em testamento a respeito do destino do material genético do testador, como objeto de doação para uma futura inseminação. Em relação ao direito comparado, Israel foi o primeiro a abrir precedentes sobre o chamado “testamento biológico”.

Nesse sentido, a doutrina brasileira está se posicionando em relação aos direitos sucessórios dos inseminados post mortem, se baseando principalmente nos princípios constitucionais, entre o da isonomia, o da dignidade da pessoa humana e o melhor interessa da criança.

1 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

O testamento, como compreendiam os romanos, é ato de última vontade. Era desconhecido no direito primitivo, nem sempre a lei e os costumes o admitiam, havendo legislações pelas quais eram punidos aqueles que pretendiam instituir herdeiros em confronto com a lei. Aos romanos coube a criação do testamento, através da Lei das XXII Tábuas, surgiu a permissão para que qualquer pessoa pudesse dispor, por morte, de seus bens, sem a intervenção do povo. (GONÇALVES, 2014)

O direito pátrio no Código Civil de 2002 consagrou algumas características a respeito do testamento. Nas palavras de José Lopes Oliveira (p. 86, apud Diniz, 2006, p. 1514), “testamento é um ato personalíssimo, unilateral, gratuito, solene e revogável, pelo qual alguém, segundo norma jurídica, dispõe, no todo ou em parte, de seu patrimônio para depois de sua morte, ou determina providências de caráter pessoal ou familiar”.

A sucessão testamentária decorre da expressa manifestação de última vontade, em testamento ou codicilo. A lei assegura a vontade do falecido, a liberdade de testar, limitado pelos herdeiros necessários, respeitado esse limite, há causa necessária e suficiente para a sucessão. Essa sucessão permite a instituição de herdeiros e legatários, que são, respectivamente, sucessores a título universal e particular. Não se admite pactos sucessórios, que têm por objeto herança de pessoa viva (art. 426, CC), mas se considera válida a partilha em vida, sob a forma de doação do ascendente aos seus descendentes (art. 2.018, CC). O Código Civil considera o testamento o ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém dispõe da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte, arts. 1.857 e 1.858. (GONÇALVES, 2012)

Essa noção limita a manifestação de vontade às disposições patrimoniais, quando se sabe que a vontade do testador pode ser externada para fins de reconhecimento de filhos fora do casamento, nomeação de tutor para filho menor, reabilitação de indigno, instituição de fundação, entre outras. Por essa razão, o referido diploma acrescenta, no § 2º do citado art. 1.857, que “são válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado”. E, no § 1º, confirma a regra de que a legítima pertence aos herdeiros necessários de pleno direito (art. 1.846), prescrevendo: “A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento”. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo decadencial da data do seu registro (art. 1.859). (GONÇALVES, 2012)

O testamento possui algumas características. De acordo com Flávio Tartuce (2014, p.1408), “o testamento constitui um negócio jurídico unilateral, pois tem aperfeiçoamento com uma única manifestação de vontade: basta a vontade do declarante (testador) para que o negócio produza efeitos jurídicos”. Dessa forma, a aceitação ou renúncia dos bens deixados manifestada pelo beneficiário do testamento é irrelevante juridicamente. (TARTUCE, 2014)

O testamento é um ato personalíssimo, privativo do autor da herança, pois não se admite a sua feitura por procurador, nem mesmo com poderes especiais. Não pode ser delegada. É solene, só terá validade se forem observadas todas as formalidades essenciais prescritas na lei. Não podem elas ser postergadas, sob a pena de nulidade do ato. Tem como exceção o testamento nuncupativo (de viva voz), admissível somente como espécie de testamento militar (art. 1.896, CC). É um ato gratuito, pois mão visa à obtenção de vantagens ao testador. A imposição de encargo ao beneficiário não lhe retira tal característica. (GONÇALVES, 2014)

É essencialmente revogável (CC, art. 1.969), sendo inválida a cláusula que proíbe a sua revogação. A revogabilidade é da essência do testamento, não estando o testador obrigado a declinar os motivos de sua ação, podendo o testador usar do direito de revogá-lo, total ou parcialmente, quantas vezes quiser. É também ato causa mortis, pois produz efeitos somente após a morte do testador. Desse modo, até o falecimento dos disponentes fica sem objeto o ato em que a pessoa dispõe do patrimônio para depois do próprio óbito. (GONÇALVES, 2014)

Logo, o conceito de José Lopes Oliveira sobre o testamento, supracitado, se faz coerente com as características apresentadas sobre o mesmo,

  • DA CAPACIDADE DE TESTAR

A capacidade testamentária pode ser ativa (testamenti factio activa) e passiva (testamenti factio passiva). A primeira diz respeito aos que podem dispor por testamento; a segunda indica os que podem adquirir por testamento. (GONÇALVES, 2014)

Constitui como regra a capacidade testamentária ativa, nas palavras de Maria Helena Diniz:

É o conjunto de condições necessárias para que alguém possa, juridicamente, dispor de seu patrimônio por meio de testamento. Para que o testado tenha capacidade para testar só será preciso inteligência, vontade, ou seja, discernimento, compreensão do que representa o ato e manifestação exata do que pretende. (DINIZ, 2006, p.1517)

Logo, tem-se a capacidade como regra, e a incapacidade como exceção, só se afastando a capacidade quando a incapacidade ficar devidamente provada. A capacidade de testar não se confunde com a capacidade genérica para a prática dos atos da vida civil em geral, pois segundo o Código Civil, não podem testar os relativamente ou absolutamente incapazes. A consequência da incapacidade é a nulidade do testamente, nos termos do art. 166, I, do Código. (TARTUCE, 2013)

 Para os requisitos específicos de capacidade testamentária ativa, enuncia o art. 1.860 do CC que além dos incapazes, tratados pelo art. 3º e 4º do CC, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem plano discernimento. Os incapazes de testar, ou seja, os que não poderão fazer testamento, são os menores de 16 (dezesseis) anos, por não terem poder de deliberação e discernimento suficiente para bem testar e os desprovidos de discernimento, por estarem impossibilitados de emitir vontade livre, abrangendo, ainda, os que não estiverem em seu juízo perfeito ao testar, por estarem sujeitos a embriaguez completa, intoxicações por meio de remédios ou entorpecentes, ou qualquer outro meio que venha a diminuir seu discernimento; e também os surdos-mudos que não puderem exprimir sua vontade. Esses são os únicos casos de incapacidade testamentária ativa. (DINIZ, 2006)

A idade avançada, falência, analfabetismo, surdez, cegueira e enfermidade grave não inibem o indivíduo de testar, pois já se decidiu que a “incapacidade mental do testador não pode ser deduzida de sua saúde física (RT, 563: 75)”. O pródigo pode testar, uma vez que sua interdição somente atinge os atos de alienação direta dos bens, praticado em vida. (DINIZ, 2006)

A incapacidade superveniente do testador, presente no art. 1.861 do CC, manifestada após sua elaboração, não invalida o testamento. Isso porque, quando ao plano validade, deve ser analisada a realidade existente quando a constituição do negócio. (TARTUCE, 2014) Com isso, essa incapacidade não invalidará testamento, uma vez que o testador estava em perfeito juízo no momento em que o fez, nem o testamento do incapaz se validará com a superveniência da capacidade. (DINIZ, 2006)

2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DE TESTAMENTO BIOLÓGICO

O testamento vital ou biológico, nas palavras de Gonçalves (2014, p. 294), constitui “uma declaração unilateral de vontade em que a pessoa manifesta o desejo de ser submetida a determinado tratamento, na hipótese de se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, ou apenas declara que não deseja ser submetida a nenhum procedimento que evite a sua morte”.

Isso quer dizer que, enquanto capaz, a pessoa pode escolher, por escrito, o tratamento que deseja receber ou manifesta o desejo de não se submeter a nenhum. Dessa forma, com esse documento, o paciente visa influir sobre a conduta médica e a limitar a atuação da família, caso a doença progrida e venha a se tornar impossibilitado de manifestar a sua vontade. Não se trata, por assim dizer, de um testamento ou ato causa mortis, uma vez que não se destina a produzir efeitos após a morte, mas sim antes desta, aos pacientes terminais.  (GONÇALVES, 2014). No Brasil, mostrou mais adequada o uso da expressãoDiretivas Antecipadas de Vontade”, utilizada na Resolução n. 1.995/2012, do Conselho Federal de Medicina, cujo art. 1º dispõe que o referido Conselho resolve:

Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Essa declaração de vontade tem como fundamento jurídico o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o art. 15 do Código Civil, que dispõe, “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Dessa forma, não se pode obrigar a pessoa a fazer tratamento médico contra a sua própria vontade. (GONÇALVES, 2014)

A vontade expressa em testamento quanto ao destino de sêmens e óvulos congelados, a constituir material para uma futura inseminação artificial pela donatária, tem sido definida como um novo instrumento jurídico, denominado “filhos da esperança”, programados “post mortem” para pessoas determinadas. É chamado de testamento biológico, quando os futuros pai ou mãe, doadores de sêmens ou óvulos, deixam instruções inscritas no sentido de o material genético congelado ser utilizado para a concepção e nascimento de seus filhos, após suas mortes, com escolha pessoal de quem os utilize. Escolha feita pelo próprio testador ou pessoa por ele indicada. De forma resumida, o material genético passa a se constituir um bem de inventário, destinando-se servir à procriação do(a) falecido(a). (ALVES, 2014)

Com relação ao direito comparado, a Justiça de Israel abriu um precedente inédito a respeito do assunto. A advogada Irit Rosenblum estabeleceu um precedente legal ao vencer a execução de um testamento biológico. Ela teve a ideia do instrumento legal, elaborando documentos de última vontade onde se permitisse aos herdeiros a disposição do material genético, com o uso que lhe fosse determinado pelo testador ou conforme suas diretivas. Depois disso, ela obteve de um tribunal de Israel a determinação no sentido de o banco de sêmen do Tel Hashomer Hospital, proceder a entrega de material genético ali depositado por Baruch Pozniansky, após sua morte. Os pais do jovem falecido queriam um neto e com o material genético então disponível escolher a futura mãe dele. (FLINT, 2014)

3 DA POSSIBILIDADE DE DOAÇÃO POST MORTEM DE ÓVULOS E SÊMEN COMO OBJETO DE TESTAMENTO PARA TERCEIROS

Faz-se necessário, antes de se começar, reforçar alguns do que pretende se desenvolver. O primeiro deles é que aqui se trabalhará com hipóteses, como especificado no título desse capítulo, isso porque não há qualquer regulamentação específica ou registro de qualquer caso dessa natureza no Direito brasileiro, portanto, será considerada hipóteses e a depender das mesmas quais as consequências que delas poderiam advir.

Como pontuado não há regulamentação, tampouco algum caso no Direito brasileiro, mas a ideia não surgiu do nada, em verdade o mesmo foi adota em alguns casos em Israel e a ideia do testamento biológico, segundo matéria do UOL Notícia, (2014) “é de autoria da advogada israelense Irit Rosenblum, diretora da ONG Nova Família.” E o propósito do mesmo seria decorrente do desejo se dar continuidade a vida, o que, em certa medida, é bastante compreensível no contexto de guerra velada que vive Israel, logo, pensar medidas de prolongamento de gerações em face da imprevisibilidade da guerra civil que assombra o país é sempre algo a se pensar. Basicamente, lá esse material genético é deixado para os pais do testador que poderá então “escolher a futura mãe dos seus netos”. Isso é um pouco criticado internamente, pois há quem entenda, segundo o portal UOL, que a “legislação israelense defende o direito de a mulher ser mãe, mas não dos avós serem avós”.

Outra questão que vale alertar é quanto à terminologia adotada, testamento biológico, ela poderia gerar confusões, pois no Brasil já existe uma figura “testamentaria” que também é chamada por esse nome, mas que nada tem a ver com o assunto ora em comento. Trata-se das diretivas antecipadas de vontade, também chamada de testamento vital, por essa razão é que melhor seria chamar o testamento que ora se analisa de testamento genético, termo que será utilizado a partir de agora.

Dito isso tem-se que, no Direito brasileiro para se deixar um objeto especificado por testamento, o mesmo deverá ser feito a título de legado uma vez que herança corresponde a uma universalidade de bens, Sousa (2013) ainda esclarece, no referente aos legados que tal “instituto é exclusivo da sucessão testamentária, aplicável a uma coisa certa e determinada”. Sendo o(s) sêmen(s) ou o(s) óvulo(s) objetos certos e determinados os mesmos não poderiam ser tratados a título de herança, sendo em verdade, considerados verdadeiros legados.

Superada essa questão outra se coloca. Qual seja a de que, em que pese ser o material genético, coisa certa e determinável, isso por si só, seria possível para que se admitisse a feitura, a luz do Ordenamento Jurídico brasileiro, de um testamento que tenha como objeto legado sêmen ou óvulo do testador? A rigor não, até porque, segundo as lições de Sousa (idem) o objeto do legado deve ser algo economicamente apreciável e que possa ser objeto de um negócio jurídico. Em que pese à autonomia da vontade privada, no Brasil o Estado ainda é extremamente paternalista e não há, a rigor, a possibilidade de dispor economicamente de material genético, ai incluindo células-tronco, sêmen, etc. no Brasil, nem fazer disso um negócio jurídico. Além disso, qualquer questão que pretendesse ter êxito em relação a esse tema deveria antes de tudo superar os preceitos do biodireito e, por conseguinte da bioética, mas como aqui, é necessário, para uma melhor compreensão do instituto se imaginar hipóteses se passará a diante.

No que se refere à transferência de óvulos ou sêmen, quem poderia ser beneficiário desse legado? Se tal hipótese fosse aplicada no Ordenamento Jurídico brasileiro, poder-se-ia a contrário senso dizer que todas as pessoas, que não os presentes, no rol do art. 1.801 do Código Civil, poderiam, em tese, ser as legatárias, nos casos narrados em Israel os legatários eram os avós do de cujos. Como o sêmen/óvulo, a rigor, não faria parte da legitima, ao que parece é que no caso brasileiro ele poderia deixado pra qualquer pessoa, até porque testamento é ato unilateral, para fazê-lo não há dependência de aceitação ou da vontade de pessoa que não a do testador.

Como em tese poderia ser deixado pra qualquer pessoa e como, a rigor, o objetivo de se testar o material genético está atrelado à ideia de inseminação, ou seja, a pessoa detentora do legado ou terá o encargo de “procurar” um receptor do material genético deixado, ou poderá ser ela mesmo a receptora entende-se, que assim como não há vedação, ou obrigatoriedade do aceite de determinados legados, aqui, o legatário também poderia se manifestar pela negativa, portanto, poderia recusar o legado a ele deixado.

3.1 O DIREITO SUCESSÓRIO DOS INSEMINADOS POST MORTEM

Quando se fala em direito sucessório dos “filhos” inseminados há que se entender tal colocação em sentido amplo haja vista que, a rigor, não se pode falar em direito sucessório dos filhos concebidos após a morte do pai. Melhor dizendo, segundo a disposição do art. 1.798 do Código Civil de 2002 só estão legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da sucessão e como no caso ora em análise a eficácia do testamento, como é de sua própria natureza, só terá validade após a morte do testador, sendo que a inseminação e o nascimento deveriam ser ainda mais postergados, é que não há qualquer possibilidade de se falar do filho fruto desse “negócio jurídico” como herdeiro legitimo do testador. Portanto, a rigor ele nada herdaria, principalmente se se estiver falando em direito a legitima, direito que ele não terá, tendo em vista as disposições do Código Civil de 2002, nesse sentido.

Superada essa questão, poderia se colocar que assim como o próprio material deixado, e ressalvado o quantum destinado a legitima – assim entendida como a parte da herança que obrigatoriamente deverá ser reservada para os herdeiros necessários do de cujos e da qual ele não pode dispor ou doar, por testamento, por exemplo – enfim, não sendo a parte da legitima, poderá o testador doar ao filho fruto do legado por ele deixado doar a parte que não corresponda a legitima, assim como, deixar qualquer outro bem, ou deixar legados de alimentos (conforme dispõe o art. 1.920 do CC/2002) legado de crédito (conforme dispõe o art. do CC/2002) legado de usufruto (conforme dispõe o art. 1.921 do CC/2002). (PINHO, 2014).

É pertinente colocar que, como o objetivo, como já falado anteriormente, do testador ao deixar seu material genético como legado é o de dar “seguimento” a vida, a sua linhagem, é que se pontua ser possível a presunção e o reconhecimento da paternidade, não só pelo objetivo do testamento, mas pelo fato de que haveria um documento em que expletivamente o testador lega o seu material genético, logo haveria indícios concretos da paternidade, assim como o fato de que pode-se reconhecer filhos por meio de testamento e para além disso ainda tem a necessidade da proteção integral da criança a luz do sistema constitucional brasileiro, então até pra se preservar o seu direito a identidade genética se pontua pela possibilidade de tal reconhecimento. (SOUSA, 2013).

Uma vez reconhecida essa paternidade questiona-se seria possível, por exemplo, prestação de alimentos gravídicos? Alimentos esses entendidos como “a verba de caráter alimentar, o qual valor destinam-se as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, do momento da concepção ao parto, até mesmo as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, dentre outros”. Ora, se se pensar no caso de Israel, por exemplo, em que o material é deixado aos avós responsáveis por escolher a futura mãe dos seus netos, pontua-se pela possibilidade, uma vez que a proteção do nascituro e da mãe deve ser observada e se podendo os avós, por exemplo, e necessitando, a futura mãe, de receber tais alimentos, não parece haver qualquer óbice legal para a não concessão dos mesmos em que pese à criança ser fruto de uma inseminação isso não retira o seu direito de assistência tampouco de sua mãe. (NOGUEIRA; TESECHUK, 2011).

Nessa esteira, também não se observa qualquer óbice em relação à criança, fruto dessa relação poder pleitear, caso necessário obviamente, alimentos avoengas, uma vez que “a inclusão dos avós no polo passivo da obrigação alimentar para com os netos é de fato algo aceitável e corriqueiro em todos os tribunais do Brasil.”. (CUNHA, 2011). O STJ no - AgRg no Ag n º 1010387/SC Terceira Turma. Superior Tribunal de Justiça. Rel. Min. Vasco Della Giustina. Julgado em 23/ 06/2009 – afirma que: “Já consolidou o entendimento [No Superior Tribunal de Justiça] de que a responsabilidade dos avós, na prestação de alimentos, é sucessiva e complementar a dos pais, devendo ser demonstrado, à primeira, que estes não possuem meios de suprir, satisfatoriamente, a necessidade dos alimentados.” Portanto, uma vez que a criança não mais teria um dos pais e de que precisando de alimentos, a rigor, não parece haver qualquer óbice para a não concessão dos mesmos.

E, por fim, sabendo que a responsabilidade alimentar, conforme dispõe o art. 1.697 do CC/02 entre os parentes, (ascendentes, descendes e irmãos) é de natureza sucessiva e subsidiaria, e em tendo necessidade essa criança poderia se pleitear, caso ela tivesse, ação de alimento em desfavor dos irmãos, assim como os irmãos poderiam o contrário fazê-lo, pois a rigor, até em se pensando na força irradiante da Constituição Federal, não parece haver nenhum óbice a essa denegação, ou em se afirmar o contrário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o ineditismo do estudo ora levantado, a carência de dados e o silêncio do Direito brasileiro sobre o tema, silêncio esse que poderá levar um longo tempo para ser quebrado tendo em vista que qualquer paradigma que se vise transpor no Brasil, principalmente os que fazem referência a de direitos que envolvam o próprio corpo, que futuramente envolva um embrião, vai sempre colidir, se não com barreiras éticas conservadoras, com toda certeza colidirá com preceitos cristãos que impregnam essas concepções e que muitas vezes servem de impeditivo a uma mudança de paradigma.

Enfim, apesar de ainda, em tese, não ser cabível no Brasil, até porque não é o fato de não ter regulamentação que obsta o acesso à justiça previsto constitucionalmente, logo, em que pese a novidade trazida pelo tema e o silêncio do Direito brasileiro e até as vozes que poderão se levantaram em contrário é sempre bom lembrar que o silêncio pode ser rompido e quem sabe em um futuro não tão distante não se poderá estar discutindo a aplicação do testamento genético com base em um caso concreto no direito brasileiro, que poderá ser tanto com aceitação quanto com a negativa, mas que nem por isso menos interessante.

REFERÊNCIAS

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[1] 2º Check de Paper apresentado à disciplina de Direito de Família e Sucessões, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] Aluno do 6º período, do curso de Direito, da UNDB. Email: [email protected]

[3] Aluna do 6º período, do curso de Direito, da UNDB. Email: [email protected]

[4] Professora, orientadora