O terrorismo e o Direito Internacional

                                                               Mariana Midori L. Motoki ¹

 

Introdução

     O terrorismo, de uns tempos pra cá, vem roubando o cenário mundial. Tomam-se como exemplos o grande atentado terrorista no dia 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da América, pela Al-Qaeda, e o recente atentado em Paris, dia 13 de novembro de 2015, pelo Estado Islâmico. O presente artigo visa explanar tópicos acerca do terrorismo contemporâneo e como a comunidade internacional, usando os artifícios do direito internacional, tem se movido para combatê-los.

Conceito de terrorismo

     Primeiramente, é preciso conceituar o terrorismo. Até então, não se tem uma unanimidade entre doutrinadores acerca do conceito. A expressão "terrorismo" apareceu pela primeira vez no Dicionário da Academia Francesa, em 1798, quando referiam-se ao período em que a França esteve governada pelos Jacobinos (entre 1792 e 1794). Naquela época, milhares de pessoas foram guilhotinadas depois de passarem por julgamentos sumários sem alguma chance de defesa. Esse período entrou para a História com o nome de “Terror” e foi um dos momentos mais sangrentos da Revolução Francesa.

     Segundo o Dicionário de Política, de Noberto Bobbio, o termo “terrorista” é atribuído a grupos que, por meio de atentados feitos com o objetivo de despertar a consciência popular, buscam derrubar um governo acusado de manter-se por meio do terror. Mas o próprio dicionário não é muito esclarecedor ao apresentar uma definição contemporânea precisa e abrangente do termo, principalmente quando discute o chamado "terrorismo internacional"

Recentemente, as ações terroristas têm se voltado menos contra os Estados propriamente ditos e mais contra uma ordem internacional estabelecida.

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[1] Estudante de Graduação do Centro Universitário de Brasília – UNICEUB

      Segundo o dicionário, isso faz com que as ações terroristas sejam, muitas vezes, semelhantes a um ato de guerra.

     Em março de 2005, durante uma reunião realizada em Madri, na Espanha, o Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, propôs a seguinte definição para o termo: "Terrorismo é qualquer ato que tem como objetivo causar a morte ou provocar ferimentos graves em civis ou qualquer pessoa que não participa ativamente das hostilidades, numa situação que visa intimidar a população ou compelir um governo ou uma organização internacional a fazer ou a deixar de fazer qualquer ato".

     O DIH, Direito Internacional Humanitário, não fornece uma definição do termo “terrorismo”, mas proíbe a maioria de atos cometidos em conflitos armados que se consideram “terroristas”.

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Direito Internacional Humanitário

     O DIH é o ramo do direito internacional que visa proteger as pessoas envolvidas ou não nas hostilidades decorrentes de conflitos armados, além de limitar os efeitos dos mesmos restringindo os meios e métodos a ser empregues nos combates.

     Também chamado de Direito dos Conflitos Armados ou Direito da Guerra, o DIH vincula universalmente os Estados e só se aplica quando existe um conflito armado, para ambas as partes, não importa quem tenha iniciado as hostilidades e violências, seja o conflito internacional ou não internacional. Os tratados de DIH mais conhecidos são as quatro Convenções de Genebra, elaboradas entre 1864 e 1949, e seus dois protocolos adicionais de 1977.

     Isso quer dizer que qualquer conflito armado será tratado como “terrorismo”? Não, longe disso. O DIH se refere especificamente ao terrorismo quando proíbe “atos terroristas” que possam se dar nestes conflitos. Seus principais objetivos são salientar que a população civil não pode ser objeto de castigos coletivos, que manifestadamente criam um estado de terror, e evitar excessos nos conflitos com indevidas hostilidades:

“Convenção IV, Convenção de Genebra Relativa à Protecção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra, de 12 de Agosto de 1949

Artigo 33.º

Nenhuma pessoa protegida pode ser castigada por uma infracção que não tenha cometido pessoalmente. As penas coletivas, assim como todas as medidas de intimação ou de terrorismo, são proibidas.

A pilhagem é proibida.

As medidas de represália contra as pessoas protegidas e seus bens são proibidas.

Artigo 34.º

É proibida a tomada de reféns.”

 

“Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados Não Internacionais

TÍTULO II

Tratamento humano

Artigo 4.º

Garantias fundamentais

1 - Todas as pessoas que não participem directamente ou já não participem nas hostilidades, quer estejam ou não privadas da liberdade, têm direito ao respeito da sua pessoa, honra, convicções e práticas religiosas. Serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem qualquer discriminação. É proibido ordenar que não haja sobreviventes.

2 - Sem prejuízo do carácter geral das disposições anteriores, são e permanecem proibidas, em qualquer momento ou lugar, em relação as pessoas mencionadas no n.º 1:

a) Os atentados contra a vida, saúde ou bem-estar físico ou mental das pessoas, em particular o assassínio, assim como os tratamentos cruéis, tais como a tortura, as mutilações ou qualquer forma de pena corporal;

b) As punições colectivas;

c) A tomada de reféns;

d) Os actos de terrorismo;

e) Os atentados à dignidade da pessoa, nomeadamente os tratamentos humilhantes e degradantes, a violação, a coacção à prostituição e todo o atentado ao pudor;

f) A escravatura e o tráfico de escravos, qualquer que seja a sua forma;

g) A pilhagem;

h) A ameaça de cometer os actos atrás citados

3 - As crianças receberão os cuidados e a ajuda de que careçam e, nomeadamente:

a) Deverão receber uma educação, incluindo educação religiosa e moral, tal como a desejarem os seus pais ou, na falta destes, as pessoas que tiverem a sua guarda;

b) Todas as medidas adequadas serão tomadas para facilitar o reagrupamento das famílias momentaneamente separadas;

c) As crianças de menos de 15 anos não deverão ser recrutadas para as forças ou grupos armados, nem autorizadas a tomar parte nas hostilidades;

d) A protecção especial prevista no presente artigo para as crianças de menos de 15 anos continuará a ser-lhes aplicável se tomarem parte directa nas hostilidades, apesar das disposições da alínea c), e forem capturadas;

e) Serão tomadas medidas, se necessário e sempre que for possível com o consentimento dos pais ou das pessoas que tiverem a sua guarda, de acordo com a lei ou costume, para evacuar temporariamente as crianças do sector onde as hostilidades se desenrolarem para um sector mais seguro do país, e para as fazer acompanhar por pessoas responsáveis pela sua segurança e bem-estar.”

     Essas disposições são um elemento-chave das normas do DIH destinadas a regulamentar a condução das hostilidades, ou seja, a maneira em que se realizam as operações militares. Proíbem os atos de violência durante os conflitos armados que não ofereçam uma clara vantagem militar. É importante lembrar que inclusive os ataques lícitos contra objetivos militares podem aterrorizar os civis. Uma vez que as guerras são uma realidade entre as nações e muitas vezes inevitáveis, o DIH procura então, proteger as pessoas que não participam ou deixaram de participar das hostilidades.

Partes de um conflito armado

     Não importa se uma parte é a agressora ou se está agindo em defesa própria. Também não importa se a parte em questão é um Estado ou um grupo rebelde, tomando que ambas podem atacar objetivos militares e, mesmo que proibido, atacar diretamente os civis.

A guerra contra o terrorismo no cenário mundial atual

     O que mais se escuta, de uns anos pra cá, é que houve um atentado terrorista aqui, outro ali, em diferentes partes do mundo. Atentados esses, que em sua maioria, estão ligados a ideologias religiosas:

      Dia 11 de Setembro de 2001, o World Trade Center, nos EUA, veio abaixo. Dezenove terroristas da Al- Qaeda, ou como o líder Osama Bin Laden gostava de chamar “Frente Internacional pelo Jihad contra os Judeus e Cruzados”, uma organização islâmica, dominaram 4 vôos comerciais dos EUA e colidiram- nos com as torres. Esse episódio ficou mundialmente conhecido, pois resultou na morte de 2.977 pessoas.

     Recentemente, dia 13 de novembro de 2015, a França sofreu um atentado em sua capital, Paris. Com tiros e explosões, o Estado Islâmico, outro grupo terrorista, premeditou os ataques a uma casa de shows, chamada Bataclan, ao lado de fora de um estádio de futebol, o Stade de France e a restaurantes locais, totalizando 130 mortos e muitos feridos.

     Alguns aspectos específicos da chamada “guerra contra o terrorismo” que teve início depois dos ataques ao World Trade Center correspondem a um conflito armado tal como definido no DIH. A guerra conduzida pela coalizão liderada pelos Estados Unidos no Afeganistão, a partir de outubro de 2001 e os bombardeios a alvos do Estado Islâmico na Síria, no Iraque e os combates a extremistas na África após o atentado da França são exemplos disso. As Convenções de Genebra de 1949 e as normas do Direito internacional consuetudinário foram plenamente aplicáveis nesses conflitos armados internacionais.

     A França pediu, quatro dias depois ao atentado em Paris, aos sócios da União Europeia (UE) ajuda na luta contra o grupo Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria, assim como uma "participação militar maior" nas operações do país no exterior, fundamentalmente na África. A UE expressou um apoio "unânime" ao pedido de ajuda militar.

     O pedido de ajuda invoca o artigo 42.7 da União Europeia, pela primeira vez. Ele é similar ao artigo 5º da OTAN, que serviu de amparo aos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro de 2001 para que a Aliança Atlântica atuasse no Afeganistão.

                                        SECÇÃO 2

     DISPOSIÇÕES RELATIVAS À POLÍTICA COMUM DE SEGURANÇA E DEFESA

 

Art. 42

 

7.  Se um Estado-Membro vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados- -Membros devem prestar-lhe auxílio e assistência por todos os meios ao seu alcance, em conformidade com o artigo 51.o da Carta das Nações Unidas. Tal não afecta o carácter específico da política de segurança e defesa de determinados Estados-Membros.

 

     O artigo diz que os outros países têm obrigação de ajudar, porém um trecho do texto é chave. Ele diz que isso não pode "alterar o caráter específico de cada país membro". Ou seja, países que em geral se mantêm neutros em questões militares, como Irlanda, Suécia e Áustria, podem continuar assim e não precisariam se envolver em conflito direto. Entretanto, não descarta que esses países ajudem em logística ou recursos, por exemplo.

     Países europeus assumiram posições distintas ao reagir ao pedido francês. O governo do Reino Unido disse estar pronto para ajudar os franceses na questão de Defesa. Já o governo alemão disse que a invocação do artigo significa apenas que a necessidade de ajuda será avaliada. A Bélgica anunciou a mobilização de 300 soldados para reforçar a segurança nas grandes cidades, levando o número de agentes nas ruas para 520.

     Em visita ao Palácio do Eliseu, sede do Executivo francês, o secretário de Estado americano, John Kerry, disse que Paris "vai se recuperar" dos atentados. Os EUA se comprometeu a ajudá-los também na luta contra o terrorismo.

     "Nós [EUA e França] concordamos em trocar mais informações e estou convencido de que, ao longo das próximas semanas, o Daesh [termo em árabe que se refere ao EI] sentirá mais pressão. Eles já sentem isso hoje. Eles sentiram isso ontem e nas últimas semanas. Nós ganhamos mais território. E o Daesh tem menos território", afirmou Kerry.

Conclusão

     O terrorismo existe como termo desde o século XVIII e nos dias de hoje, é pauta fundamental em discussões entre Estados. A afronta às vidas de civis diretamente deixa de ser um assunto interno do país em questão e passa a ser interesse de toda a comunidade internacional. Com o regulamento advindo do DIH, os países tem legitimidade para responder aos ataques de forma a cessar o perigo e o terror que esses atos causam nos civis. Dessa forma, eles podem responder, entrando em conflito armado com os terroristas, desde que poupem e protejam as pessoas que não participem diretamente do mesmo. As partes conflitantes devem zelar pela integridade dos civis e são proibidas de fazerem-nos de reféns, atacarem-nos diretamente ou mantê-los presos.

Referências

AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, 3. ed.

BOBBIO, Norberto et alli. Dicionário de Política. Brasília/São Paulo, UnB/Imprensa Oficial, 2000, 5. ed.

http://europa.eu/pol/pdf/consolidated-treaties_pt.pdf - página 38.

http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dih-conv-IV-12-08-1949.html

http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Conven%C3%A7%C3%A3o-de-Genebra/protocolo-ii-adicional-as-convencoes-de-genebra-de-12-de-agosto-de-1949-relativo-a-protecao-das-vitimas-dos-conflitos-armados-nao-internacionais.html