Introdução

O artigo Terapia Comportamental de Casais: da teoria à prática, pretende delinear a história da terapia comportamental de casal, através de linhas divisórias entre as abordagens e as contribuições técnicas de cada uma.

A terapia comportamental de casal surgiu em países nos quais, a separação severa entre os papeis de gênero havia coberto a homens e mulheres a socialização necessária para de adaptar aos seus destinos na família (VANDENBERGHE, 2006).

Com episódio das guerras mundiais, resultaram na retirada de grandes números de homens europeus e norte-americanos do mercado de trabalho, cedendo espaço para a entrada de mulheres que anteriormente eram cerradas para elas. Esse remanejamento do trabalho resultou numa mudança significativa na cultura conjugal. (VANDENBERGHE, 2006).

Na segunda metade do século XX, contrapondo a miséria que levava marcadamente a desvalorização das mulheres ao mercado de trabalho, as mulheres de classe média assumem uma profissão. Para viver em casal, os parceiros necessitavam agora, de desenvolturas de comunicação e de solução de problemas (VANDENBERGHE, 2006).

O surgimento da terapia comportamental torna-se palco, na Inglaterra e nos Estados Unidos, aos anos de 1095 e 60 (Schorr, 1984 apud VANDENBERGHE, 2006).

Este movimento se resulta numa virada da cultura para o individualismo, pela busca de otimização do funcionamento pessoal, culto a marca da época moderna dedicada ao racionalismo e à eficácia. O casamento podia cooperar para a realização pessoal plena dos parceiros, que lhes consentia viver juntos em liberdade individual (VANDENBERGHE, 2006).

Desenvolvimento

 

O intercâmbio: Análise Aplicada do Comportamento

A primeira geração de terapeutas comportamentais de casal estabelecia um interesse exclusivo de modelo de comportamento publicamente observável e quantificável.

Para compreender o comportamento, era necessário analisar experimentalmente as contingências e procurá-las em variáveis ambientais. (BAER et al, 1968 apud  VANDENBERGHE, 2006).

Nas relações de casal, cada parceiro institui, com seu comportamento, as contingências que controlam o comportamento do outro.  Deste modo, o adequado funcionamento conjugal depende da predominância de reforçamento positivo nas trocas. Logo, precisam-se compartilhar tarefas e responsabilidade de forma compensada. Os problemas passam a existir através dos cônjuges, quando fazem uso demasiado de estratégias de controle aversivo, ou quando os padrões habituais de reforçamento não são mútuos, de modo que um dos dois aproveita a união enquanto o outro é prejudicado (STUART, 1969; PATTERSON & HOPS, 1972 apud VANDENBERGHE, 2006).

Conforme Azrin et al. (1973 apud VANDENBERGHE, 2006) uma relação de casal dá-se início com a tentativa de se ter acesso a novas fontes de reforçamento. Devido a isso, há necessidade de gerar não somente o aumento da quantidade de reforçamento, como de promover modificação contínua e impedir a saciação com um tipo de reforçador repetitivo.

A comunicação é descrita como comportamento modelado pelas contingências interpessoais, ressaltando que a qualidade e a interpretação das mensagens trocadas pela díade conjugal dependem desta. (VANDENBERGHE, 2006).

Segundo Patterson e Reid (1970 apud VANDENBERGHE, 2006) distinguem-se dois padrões de interação sendo estes reciprocidades e a coerção. O primeiro padrão é regulado em reforçamento positivo versus aproximação, e o segundo, em punição versus fuga e em reforço negativo versus esquiva.

As estratégias coercitivas são usadas na maioria das vezes para diminuir os aspectos aversivos do comportamento do outro, entretanto resulta prejuízo no relacionamento.

Na sessão o terapeuta debate com o casal, tornando explícitos estes aspectos funcionais das trocas entre os parceiros, discutindo a distribuição do poder em termos de padrões de reciprocidade e de coerção. (STUART, 1969 apud VANDENBERGHE, 2006)

Instruir ao casal como liberar reforços positivos e punições possibilita praticarem o uso consciente e consensual das táticas de poder, permitindo firmar acordo entre eles concordando a respeito de quais comportamentos mereçam quais reforçadores. De tal modo, acordos são fechados acerca de trocas controladas, consentindo cada um realizarem seus desejos modificando o comportamento do parceiro (VANDENBERGHE, 2006).

Uma economia de fichas pode ser usada para reforçar certos comportamentos do parceiro. Acumulando fichas, este último pode, posteriormente, trocá-las para comportamentos do outro que foram estabelecidos no contrato de intercâmbio (STUART, 1969 apud VANDENBERGHE, 2006)

Para instalarem-se padrões de trocas positivas, os parceiros devem aprender a dizer sem ambigüidade, o que querem do outro para poder abrir mão de estratégias de controle aversivo. Essa contribuição implica que os parceiros adquirem a capacidade de reconhecimento e de tomar a perspectiva do outro. (STUART, 1969 apud VANDENBERGHE, 2006)

A comunicação tem como objetivo aumentar a integração entre o significado que o ouvinte atribui aos estímulos recebidos e o significado do recado que o outro estava querendo passar. Três características de comunicação efetiva são propostas: consciência da intenção; abertura para feedback e qualidade positiva da comunicação (VANDENBERGHE, 2006).

Podemos considerar que a primeira onda de terapia comportamental de casal foi assinalada por uma tecnologia de alcance de habilidades de comunicação objetiva, e pela busca de padrões eficientes de trocas por meio de negociação direta e estabelecimento de acordos concretos. 

A re-significação: Terapia Cognitivo-Comportamental

A segunda onda de terapias comportamentais foi marcada nos anos 1970 e 80, contestando a primeira onda, esta busca identificar e alterar determinantes psicológicos internos dos problemas.

O tratamento operante tradicional foi auxiliado por técnicas provenientes da terapia cognitiva, apresentando um aumento significante de eficácia, porém, este modelo cognitivo não tomou respaldo da terapia de casal, pois se tratava apenas da introdução de táticas clinicas que somente diversificaram o repertorio de terapeutas que continuaram pensando sobre problemas psicológicos em termos de aprendizagem e habilidades. (MARGOLIN & WEISS, 1978 apud VANDENBERGHE, 2006)

A erosão do reforço e a escalação coercitiva são descritos por Jacobson e Margolin (1979 apud VANDENBERGHE, 2006) como conceitos inspirados na Análise Aplicada do Comportamento. O primeiro menciona à perda do poder reforçador de um evento, por ter sido utilizado muito repetidamente pelo parceiro. O segundo indica encadeamentos de interação em que cada parceiro emprega estratégias aversivas para mudar o comportamento do outro.

Na terapia é preciso usar técnicas de reestruturação cognitiva provenientes de novas terapias cognitivas para ressignificar o que esta acontecendo.  A nova geração de terapeutas comportamentais de casal considera uma via valiosa de expressão e trocas a utilização do trabalho com a comunicação indireta e implícita (VANDENBERGHE, 2006)

O casal disfuncional é caracterizado por um grau de reações extremas de um parceiro a um comportamento do outro que chegou a significar mais do que é objetivamente justificado. Estas são denotadas como características de expectativas negativas sobre o outro e as atribuições disfuncionais feitas a respeito do comportamento dele (VANDENBERGHE, 2006).

Segundo Baucom e Epstein (1990 apud VANDENBERGHE, 2006) os processos cognitivos que devem ser abordados na terapia de casal são: a percepção seletiva para apenas certos eventos no relacionamento; as atribuições que os parceiros fazem; as crenças sobre si mesmo e sobre o parceiro; as normas ou crenças sobre como um relacionamento deve ser; e o que os parceiros esperam do futuro.

Os parceiros através do uso do registro diário de pensamentos disfuncionais aprendem a monitorar o conteúdo de pensamentos automáticos, tanto na sessão quanto em casa.

Após perceberem que possuem pensamentos que contribuem para os problemas, os parceiros e o terapeuta buscam isolar a crença central num dado tipo de circunstância ou conflito, fazendo-o com que o casal seja capaz de identificar o mesmo tema quando surge em outras ocasiões. Posteriormente, habilita os parceiros a identificar novas distorções cognitivas sem ajuda do terapeuta. (Baucom e Epstein, 1990 apud VANDENBERGHE, 2006).

Assim, os casais recebem como tarefa de casa, instruções para realizar simulações de conflitos ou de outros problemas que normalmente ocorrem espontaneamente, e que fazem parte do problema, conseqüentemente mudando-o (Jacobson e Margolin, 1979 apud VANDENBERGHE, 2006).

Uma idéia que exemplifica esta abordagem é que numa relação saudável, os parceiros investem na relação sem exigir algo em troca.  Agora a pergunta é: “O que posso fazer para melhorar a satisfação do outro, no relacionamento comigo?”. O terapeuta organiza tarefas que possa engajar espontaneamente os parceiros, de tal forma que, comportem-se sem esperar receber algo concreto em troca. (VANDENBERGHE, 2006).

Beck e Dattilio (1988 e 1989 apud VANDENBERGHE, 2006) trouxeram um modelo cognitivo da área da terapia individual que tornou possível entender os problemas de um casal pela identificação por trás das brigas e das interações problemáticas, por pensamentos automáticos, distorções cognitivas e crenças fundamentais de cada parceiro, que permitiram traçar para cada membro de um casal, uma conceituação de caso.

As habilidades propostas para serem aprendidas a partir do treino de comunicação e de solução de problemas voltam a ser enfatizadas: expressar pensamentos claramente, escutar e interpretar mensagens, filtrar o que é irrelevante, evitar mandar mensagens contraprodutivas (BECK, 1988 apud VANDENBERGHE, 2006).

A crítica feita à terapia cognitivo-comportamental era de que a evidência racional, por via da disposição de regras, estimava demasiadamente o controle verbal, deixando de ponderar seus efeitos alienadores (HAYES, 1987; KOHLENBERG e TSAI, 1994 apud VANDENBERGHE, 2006). De modo tal, atribui ao terapeuta o papel de quem ensina a forma correta de pensar. O destaque no significado racional não permite espaço para o sentido subjetivo, que seria o efeito da história idiossincrática do individuo que se manifesta no impacto das contingências atuais, e não do raciocínio lógico (VANDENBERGHE, 2006).

O sentido subjetivo: Análise Clínica do Comportamento

Na era pós-moderna o indivíduo é massificado, sujeito ao modismo.

Em outras palavras, o superconsumo da terapia de casal faz parte do mesmo fenômeno que o comparável superconsumo da cirurgia plástica, como recurso para solução de problemas com a imagem de si, ou da terapia individual, como meio de não afrontar de forma ativa o sentido da sua vida. Essas mudanças fazem parte de uma cultura que promove uma busca incessante do bem-estar na versão mais simplificada e superficial que implica numa esquiva com o contato com o mal-estar, a ansiedade e o vazio (VANDENBERGHE, 2006).

A terceira onda surge em extensão à segunda onda, com o conceito de manter os sentimentos e pensamentos dos clientes como material importante para se trabalhar, porém não busca mais, com estratégias diretas, controlar estes conteúdos ou modificá-los (VANDENBERGHE, 2006).

O comportamentalismo contextual, proposto por Jacobson (1991; 1992 apud VANDENBERGHE, 2006), contrapõe a visão mecânica da primeira onda, considerando sentimentos, pensamentos e sensações como dicas das contingências que os originam. O sofrimento psicológico não é mais o resultado de um mal-ajustamento da pessoa, e sim, um sinal de que as contingências devem modificar (Jacobson, 1994 apud VANDENBERGHE, 2006). Um aspecto interessante desta visão é que o papel do terapeuta comportamental de casal, não coincide em ajudar os parceiros a se adequar às pautas marcadas da cultura pré-dominante, mas, justamente em ir contra as normas e os padrões emocionais e interpessoais, que são resultantes da socialização dos gêneros (VANDENBERGHE, 2006).

Em relação à terapia individual e contrario às praticas dos terapeutas de casal da primeira onda, os terapeutas da terceira onda, evitam o uso do reforço arbitrário e das contingências artificialmente planejadas, voltando-se para a exploração do comportamento espontâneo (STEWART, 1969 apud VANDENBERGHE, 2006).

A idéia principal nesta nova terapia comportamental de casal é que o relacionamento saudável é um fluxo continuo que inclui tanto aspectos negativos quanto positivos. Quando há uma mudança positiva, os aspectos negativos do outro e de si mesmo podem ser aceitos. Quando há aceitação, isto já é uma mudança que pode ser por si mesma acarretar outras. Assim, um jogo dialético de aceitação e mudança está na base do tratamento (JACOBSON, 1992; CHRISTENSEN, JACOBSON & BABCOCK, 1995 apud VANDENBERGHE, 2006).

No modelo novo, um relacionamento saudável é caracterizado pela presença de conflitos construtivos e altos níveis de intimidade (Jacobson & Cristensen, 1996 ; Cristensen & Jacobson, 2000 apud VANDENBERGHE, 2006).

Segundo Fruzzetti e Iverson (2004, apud VANDENBERGHE, 2006), intimidade é definida como um modelo de interação em que uma pessoa pode expor firmemente seus pensamentos, emoções e necessidades e a outra pessoa se comporta a estas revelações aceitando e validando o que foi expresso. O sentimento que acompanha essa interação é denominado de proximidade. Validação é a expressão de um compreender da vivência da outra pessoa. E esta se traduz na aceitação pelo ouvinte de suas próprias reações emocionais à revelação feita pelo falante, para poder estar atento à revelação e acessível para entender a vivencia do falante sem julgamento ou racionalização. Mindfulness refere-se ao ato de aceitar plenamente de forma consciente e intencional, eventos, sentimentos ou pensamentos, com o mínimo de elaboração intelectual ou julgamento (BISHOP et al, 2004 apud VANDENBERGHE, 2006).

As técnicas de aceitação promovem o abandono da luta contra aspectos de si ou do outro que antes eram vistos como causas do problema. Exemplos de técnicas de aceitação são: a união sobre o problema (os parceiros se permitem entrar plenamente em contato com seu sofrimento sem acusar-defender-atacar ou recuar); transformar o problema em atrativo (ver o que há de positivo nele); promover a expressão de emoções agradáveis; prever problemas futuros como também situações em que o problema não acontece; promover tolerância (e para de tentar mudar o outro); ênfase no positivo (aprender a elogiar; reforçar comentários positivos sem desconsiderar o que é negativo); valorizar as diferenças (você pode sentir-se bem com o que é diferente em você); planejar recaída (como vamos lidar com ela?); simular problemas em casa; a prática de autocuidados (VANDENBERGHE, 2006).

Fruzzeti e Inverson(2004  apud VANDENBERGHE, 2006), discutem sobre a contribuição da forma relacional de mindfulness no cultivo da aceitação. Exemplos: escutar prestando atenção real sem deixar que a observação seja contaminada pela luta contra suas próprias reações; colocar o observado num contexto, mas amplo; refletir com empatia e reconhecer o que está acontecendo com o outro ao invés de focar nos próprios pensamentos e sentimentos a respeito do comportamento do outro; resumir e clarificar a perspectiva do outro; retornar a vulnerabilidade com vulnerabilidade; agir de forma a mostrar que a auto-revelação do outro foi compreendida e aceita.

Os parceiros aprendem a enxergar três versões de um evento ou conflito: o seu, a perspectiva do outro e como um observador neutro poderia vê-lo. A forma que está habilidade de tomada de perspectiva é apresentada mostra novamente a influência das praticas de mindfulness e de aceitação que dominam a análise clínica do comportamento (VANDENBERGHE, 2006).

Conclusão

 

Perspectivas

O estudo da terapia comportamental de casal levou a reconhecer três ondas independentes. O uso do termo onda é uma metáfora que faz referência à emergência de conjuntos lógicos de idéias novas que emergiram em momentos determinados, inundaram o campo da terapia comportamental de casal e acabaram por se diluir no mesmo. Cada uma das três ondas tem seu próprio futuro e quando bem compreendidas, cada uma delas descritas, tem a sua própria sabedoria (VANDENBERGHE, 2006).

As técnicas realizadas na primeira onda podem ser úteis quando os parceiros, ou um deles, não possuem o repertório necessário para poder lidar com o outro e podem adquirir as habilidades necessárias. Essas técnicas também continuam valiosas quando se trabalha com um casal que possui a filosofia pragmática da vida conjugal que esta geração de terapeutas propôs. É valida para parceiros que vêem seu relacionamento como um tipo de sociedade contratual ou para aqueles que, como disse o próprio Stuart (1969 apud VANDENBERGHE, 2006), exigem que o outro mude primeiro a favor do relacionamento.

A segunda onda, conhecida como pelo modelo cognitivo, indicado para casos em que expectativas resistentes ou interpretações irracionais do comportamento do outro impedem progressos. Essas técnicas cognitivas são adequadas para casais colaborativos e motivados, que estão dispostos a questionar suas convicções e certezas para a melhora do casamento. Contudo, muitos outros casais não conseguem se desvincular, por estarem presos em padrões emocionais dos quais eles mesmos compreendem a irracionalidade (VANDENBERGHE, 2006).

A terceira onda é marcada pelas noções de aceitação e de mindfulness, são particularmente válidos para os casais que a natureza dos problemas desafia técnicas de mudança. São mais adequadas para casais que precisam achar ou resgatar o sentido do casamento (VANDENBERGHE, 2006).

Para a terapia comportamental de casal ter resultado, o clínico precisa confiar muito no seu potencial e nas suas experiências, ao se tratar de escolher como se posicionar com um determinado casal e com pesquisas necessárias para a verificação de qual posição deve se tomar para cada determinado casal. As abordagens técnicas da terapia comportamental de casal são marcadas devido as tentativas desta comunidade verbal profissional de dar sentido às suas práticas, por meio de uma busca de paradigmas coerentes (VANDENBERGHE, 2006).

Referência Bibliográfica

VANDENBERG, L. Terapia Comportamental de Casal: Uma retrospectiva da literatura internacional. Rev.Bras.de Ter.Comp.Cogn, vol. VIII, n° 2, 2006.