Hans Kelsen, judeu, austríaco, jurista atuante no pós-primeira Guerra e, provavelmente em razão dela, idealista e desenvolvedor da Teoria Pura do Direito.

Foi o primeiro teórico da ciência do Direito a afirmar que as normas jurídicas encontram seu fundamento de validade e suas limitações apenas nas normas postas, livremente estabelecidas pelo legislador, normas estas que poderiam ter seus sentidos limitados apenas pela Lei Suprema, que seria a Constituição. Esta que, por sua vez, tinha como pressuposto lógico, tão somente, uma norma hipotética fundamental, ou seja, teria como limitação apenas aquilo que o Constituinte, que a elaborava, entendesse como tal, não cabendo a interferencia ou limitação por qualquer outras ciências ou, ainda, pela moral ou a ética.

A nosso entender, esta teoria promove a hipervalorização do Poder Legislativo (ainda que se fale em legislador constituinte, que, mesmo que eleito pelo povo para tal fim, não deixa de ser legislador) que, se assim coadunar, poderá legitimar governos totalitários, persequentes, intolerantes com a dignidade humana a, agindo com amparo legal, ainda que formal, promover as mais diversas atrocidades. A história nos remete a um exemplo quase que instantâneo disto: a Alemanha Nazista.

O nazismo, que dentre outros, perseguiu aos judeus. Judeu, Hans Kelsen, que procurou refúgio nos Estados Unidos da América, mais precisamente na Califórnia, onde, acreditamos, tenha chorado amargamente por saber ter sido um dos maiores colaboradores teóricos de Hitler e sua turma.

Deste fato histórico relevante da humanidade, só uma lição nos ateremos: a teoria pura do direito é uma contradição em si mesma e só serviu, ou melhor dizendo, muito bem serviu, para reafirmar que não existem normas jurídicas, muito menos normas jurídicas fundantes de um Estado e fundamentais a ele, desvinculadas da moral, da ética, dos direitos naturais dos seres vivos (mais que somente da espécie humana) e, também, com o enfoque nestas questões ditas "não puramente jurídicas", as mesmas podem e devem ser interpretadas e terem seus verdadeiros preceitos extraídos.

Afastada, portanto, a análise das Constituições pelo seu aspecto tão somente ou puramente jurídico, mas sim como norma que deve ser compreendida, também, por suas limitações metajurídicas, tanto em sua formação quanto em sua interpretação, passamos a propor uma análise da nossa atual Constituição Federal, de 1988, à luz dos fatos políticos (morais), sociais e econômicos atuais de nosso país, isto com o fim de, ao final, justificar nossa posição de que, diante da crise generalizada em que nos encontramos, se tornou necessária e oportuna a manifestação popular não pela derrubada ou manutenção deste ou daquele governo, mas sim para o despertar de seu adormecido Poder Constituinte Originário, o que deve ser feito através de um movimento revolucionário, porém, sem qualquer necessidade de ser violento.

Com isto, por sua vez, afirmamos a necessidade de, pela primeira vez em nossa história, ser convocada uma Assembléia Nacional Constituinte que seja eleita com o único e exclusivo fim de se estabelecer, por meio de representantes do povo, um novo e real Estado Democrático de Direito, sendo seus membros destituídos, tão logo terminem a elaboração do novo texto constitucional, ficando inelegíveis por um período de tempo, não menor que cinco anos, após atuarem como tal.

A primeira grande crise: a crise política e moral. Difícil dizer quando começou. Difícil até mesmo dizer se começou em terras brasileiras ou se foi produto importado, "made in Portugal". O certo é que, no atual momento da sociedade brasileira, a moralidade, enquanto atitude proba, honesta, correta e ética, está, senão morta, ao menos à beira de um completo colápso.

O usual, o "normal", o esperado quando se tem por objeto as atitudes do brasileiro, seja pelos próprios brasileiros, seja por outros povos, de países estrangeiros, é a conduta desprovida de moral, ou de moralidade. Chegou-se ao ponto de adjetivos como: desonesto, malandro, esperto, dentre outros equivalentes, serem associados aos brasileiros como carcterísticas natas, que os sintetizam e os qualificam (ou desqualificam). 

Isto, apesar de um péssimo sinal, é, no entanto, um ótimo indicador de que tal crise moral não somente existe e afeta de forma cabal a política brasileira, como é também uma crise tão grave que, para o bem das futuras gerações, deve ser combatida à partir de agora, de ontem.

Quais medidas cabíveis, porém, ao Direito? A nosso entender, a permeabilidade da moral na formulação de uma nova ordem constitucional, na interpretação de conceitos abertos, indeterminados, de princípios, mas principalmente, no desenvolvimento de sistemas de controle difundidos entre os vários atores sociais, isto é, na melhora dos mecanismos de controle do homem sobre o homem, tanto aumentando as punições para atos que venham afrontar a moralidade na política, na administração pública e na aplicação da justiça, quanto na melhora e evolução das formas com que as instituições terão seu pessoal escolhido e efetivado, com o aumento efetivo da independencia funcional entre os Poderes Constituídos, são medidas urgentes a serem adotadas para o início do combate à crise moral que nos assola. Pois, é de extrema importância, para tanto, que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário sejam, de fato, mais fiscais uns dos outros, do que o que hoje ocorre no nosso país. Ou alguém discorda que não há cheiro de justiça no ar quando a Suprema Corte de um país eventualmente se veja constituída por oito, dos seus onze Ministros, tendo sido indicados pelo mesmo grupo político que está há mais de doze anos no Poder? 

Justamente a Instituição escolhida para a defesa da ordem constitucional, da própria Constituição e de seus direitos e garantias, ligada a grupos políticos, portanto, constituída de membros totalmente partidários deste ou daquele Partido Político.

Neste cenário, por óbvio, a Constituição não sobreviverá enquanto força normativa, mas sim será uma mera representação, ainda que disfarçada de direitos, das forças reais de poder e, a elas, servirá, tornando-se semântica ou, no máximo, possuindo o "nome" de Constituição, mas de nenhuma forma sendo realmente capaz de promover a uma contenção dos desmandos, da falta de moral, ou contribuindo para o efetivo interesse popular, conforme almejamos e merecemos. 

A segunda crise: a crise social. Imaginemos a seguinte situação hipotética: estádio cheio, gramado perfeito, bola de última geração. De um lado, a seleção dos melhores jogadores do mundo, os mais técnicos, as mentes mais brilhantes, o melhor comando, chuteiras, camisas, bermudas. Do outro lado, um time formado por crianças de tenra idade, sem desenvolvimento motor completo, de chinelos, o comando sendo exercido por alguém que nada entende de futebol, mas que é amigo do dono do clube. Existe alguma possibilidade de tal jogo ser justo? Mais que justo, seria esse jogo possível? A certa derrota do time dos infantes poderia ser atribuída à incompetencia, apenas, destes? Ou, ainda, para que as crianças não percam, ou melhor, não se sintam derrotadas, resolveria apenas enganá-las, colocando a bola dentro do gol e dizendo, olha meninos, não fiquem chateados, vocês estão ganhando, quando de fato não estão?

Esse exemplo, por mais "bobo" que possa parecer, demonstra de forma bem didatica a realidade social brasileira, mesmo após quase duzentos anos de independência e pouco mais de cem anos de instauração de nossa República, enquanto forma de governo.

Podemos afirmar que ainda continuamos com a ideia concebida em nossa gênese, de que poderemos ter uma sociedade justa, igualitária e que tenha formas e meios de se desenvolver, sem que sejam dadas às pessoas, de fato, as mesmas e reais oportunidades. E quando uso o verbo "dar" não me refiro às falidas formas de se prestar assistencialismo barato, por meio de "esmolas" sociais, mas sim de disponibilizar efetivos meios de desenvolvimento humano, porque além do direito a vida, biologicamente falado, deve ser dado ao ser humano, em razão de sua própria natureza e como meio de concretização do respeito à sua dignidade, o direito a uma vida feliz e repleta de realizações próprias.

Na República Popular da China, as escolas, os hospitais, os meios de transporte, o acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são exatamente os mesmos aos moradores de Pu Dong (área nobre da megalópole de Shangai), em que moram os filhos do alto escalão político do país, quanto ao homem mais pobre da cidade, que more num apartamento de propriedade do Governo. Lá, se o filho rico ou o filho pobre vai ser rico ou vai ser pobre, se vai ser engenheiro ou faxineiro, só vai depender exclusivamente do esforço particular de cada um, porque a escola em que irão estudar será mesma, o ensino, será exatamente o mesmo, no mesmo local, com os mesmos colegas e os mesmos professores. Daí, algumas vozes sem qualquer conhecimento, com base apenas no que pensam que leram ou que ouviram dizer, irão afirmar, mas na China não há igualdade e sim muita miséria, muita pobreza. De fato, há realmente. Seria impossível não haver num país de mais de dois bilhões de viventes, mas a verdade é uma só, lá, sair da miséria, é algo que depende exclusivamente de cada ser humano. As cartas são lançadas na mesa, iguais, para todos. Talvez seja por isso que, por lá, roubo seja algo que exista apenas hipoteticamente e não se trata de um fato recorrente e corriqueiro e, também, talvez, seja por isso que, mesmo diante de tantas dificuldades, inclusive climáticas, estejam eles se tornando a maior potência mundial e não somente na economia. Quem tiver a oportunidade de um dia conhecer além do que dizem, mas o que de fato eles são, verá com seus próprios olhos que os chineses são o povo mais feliz do Globo Terrestre, justamente porque, ao contrário das aparências, são livres para determinar suas própias conquistas.

Mas, voltemos ao Brasil e sua realidade. Aqui, no reino da hipocrisia, a crise social sempre foi, e sempre será, uma questão muito mais de interesse político na alienação e ignorância do povo, de interesse do poder econômico dominante e também do direito, que não alcançou autonomia e força normativa suficientes, do que qualquer outra coisa.

Aqui, a crise social é benéfica e até sustentada pelos reais dententores do poder, pois estes lucram com a manutenção do "status quo", permitindo ou prescrevendo lentas e aparentes conquistas sociais, apenas com o fim de manter a sensação, por mais falsa que seja, de que vivemos em uma democracia.

A falta de maturidade do povo brasileiro, aliado às limitações impostas ao seu desenvolvimento intelectual, principalmente, são a razão da crise social que clama, cada dia mais, por oxigênio e por vida em nosso país.

A terceira crise: a crise economica. Confesso que discorrer sobre esta crise nos causa até "arrepios internos", mas, vamos à luta.

Como pode, como é possível, de forma racional é claro, se dizer que um país que possui, no mundo globalizado, uma das dez maiores economias do mundo em termos de volume de exportações, valor do produto interno bruto, elevados níveis de produção nos três segmentos da economia, pode estar mergulhado numa, sem precedentes, recessão, passando por uma de suas maiores crises e com índices históricos e alarmantes de desemprego e retomada de inflação? Aqui, mais uma vez, a resposta está no "como" as coisas são feitas e no interesse "de quem" o são.

Nesse aspecto, novamente, nos conflitamos com a moral, ou a falta dela. Mais uma vez, somos levados a nos deparar com a repetição, histórica, da primazia dos interesses individuais sobre os sociais e, mais uma vez, batemos de frente com normas constitucionais que dizem uma coisa, que aparentam regular o sistema para o bem geral, mas que, na verdade, somente escondem e amparam interesse escusos, atos de corrupção, desonestidade política e empresarial, ou seja, só interessam aos verdadeiros detentores do poder que, embora representando a minoria esmagadora do povo, é quem, de fato, se beneficia com o sistema posto. Senão, vejamos:

Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme previsto no Artigo 1º, IV, da CF/88, são os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Quanto a esta última, é notório que, já há algumas décadas, mais de 80% (oitenta porcento) das empresas abertas no país fecham as portas com menos de um ano de funcionamento.

De duas, uma: ou o brasileiro é o povo com a menor vocação empreendedora do Mundo, ou este "fundamento" republicano, lente pela qual os aplicadores do Direito deveriam interpretar todas as leis e normatizações que, direta ou indiretamente, se relacionam com a economia popular, se trata de letra constitucional "morta". 

Preferimos acreditar que vigora, por aqui, a segunda opção. Mas por quê? Simples. No Brasil a pessoa que, ousada ou desavisadamente, tem a intenção de abrir qualquer negócio que seja, terá que, primeiro, pagar a maior carga tributária imposta por um Estado do Planeta; segundo, terá que lidar com tratamento diferenciado deste mesmo Estado, pois que será perseguido pela concorrencia desleal e por servidores públicos corruptos, que os fiscalizará de forma parcial, a depender dos interesse dos efetivos dententores do poder em jogo (os empresários que também são políticos, etc); terceiro, terá de lidar com uma uma das Justiças do Trabalho mais tendenciosas e pendente para o lado do trabalhador, sem o necessário contra-balanço para a, também existente hipossuficiência, do empresário, principalmente o pequeno e micro, sem contar que terá, provavelmente, que contar com a tomada de empréstimos junto a instituições bancárias, com juros exorbitantes e usurpantes, no país onde os Bancos teem um dos maiores lucros do Planeta. Em resumo, a iniciativa não será livre, nem paritária, nem justa e muito menos leal, motivo pelo qual não temos uma centena de "Bill Gates" surgindo aos montes em terras tupiniquins.

Um Estado em que a eduação não é, de fato, estimulada e investida, a saúde, idem, a concorrência não é, nem de longe, realmente livre, e muito menos justa, não podemos dizer que as possibilidades são as mesmas, que a Lei, inclusive a Maior delas, seja realmente instrumento de amparo ao povo, isto porque, uma Constituição com mais de oitenta emendas é mais uma colcha de retalhos do que uma norma efetiva na promoção das igualdades e liberdades sociais e economicas, como a nossa se propõe, risivelmente, a ser. 

Recordo que certa vez, quando estava numa palestra em um Centro Espírita Kardecista (e estou tendo muita coragem em dizer isto aqui porque, liberdade de crença, é apenas mais um direito previsto hipocritamente na nossa Magna Carta, mas ainda motivo de muito preconceito e perseguições por diversos membros de nossa sociedade), ouvi uma estória contada pelo palestrante que, infelizmente, não me lembro o nome (digo estória porque como não sei se é verídica e não existe forma de checar a informação prefiro contá-la como um "causo"), que era a seguinte: quando estava compondo o hino nacional brasileiro, Joaquim Osório Duque Estrada, recebeu uma sugestão de acrescer à letra a seguinte passagem: "verás que um filho teu não foge a luta, e derramará o sangue daquele que o adore (referindo-se ao Brasil) à própria morte, terra sagrada, seja na Guerra, ou na paz civil, pátria idolatrada, Brasil". Segundo o palestrante, a sugestão teria sido dada porque é comum nos hinos nacionais pátrios a referência a elementos que remetam às Forças Armadas, bem como às Guerras já participadas pelo país. Ao analisar a sugestão, no entanto, o compositor teria respondido que o seu maior orgulho, enquanto brasileiro, era o fato de termos, em nossa própria natureza e história, uma tendência à solução pacífica de nossos conflitos, tendo então ele preferido que o nosso hino fosse um dos raros hinos nacionais em que não fosse feita qualquer menção honrosa às Guerras, ou à violência, ou ao derramamento de sangue, pois assim, esperava ele, que as boas vibrações desta característica inata do povo brasileiro servisse para que mantivéssemos ao longo dos anos vindouros essa índole tão nacional. O final, todos sabemos, a letra assim ficou: "Mas se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta, nem teme, quem te adora a própria morte. Terra adorada, entre outras mil, és tu Brasil, ó pátria amada! Dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria amada, Brasil!".

Diante disto, vendo o nível de intolerância entre as pessoas que estamos vivendo nos dias de hoje, intolerância entre irmãos, entre nacioais, entre brasileiros e, o pior, vendo o incentivo por parte dos governantes no aumento desta peleia, inclusive com o uso da Constituição Federal para justificar os interesses tanto dos contra, quanto dos à favor deste mesmo governo corrupto e corruptor, me pergunto: será que realmente existe alguma salvação para a atual Constituição Federal brasileira? E, numa resposta filosófica, sociológica, política e, principalmente, jurídica, a resposta é, por óbvio que não. Não existe menor salvação para nossa Carta Magna em vigor, diante do que, de fato, está se passando em nosso país.

Com o perdão do trocadilho, caso queiram os filhos do país, os nacionais, o povo, os verdadeiros, únicos e legítimos, detentores do poder "(Michel) Temer à própria morte", deverão acordar de seu estado de hibernação e, necessariamente, despertar seu latente Poder Constituinte Originário para a inevitável promoção de uma nova ordem constitucional, com uma repleta reformulação dos Poderes Constituídos, principalmente do Poder Judiciário e a eleição dos membros da Suprema Corte do País, por métodos e meios não políticos, para tanto, levando-se em conta as lições aprendidas, à duras penas, nesses pouco mais de trinta anos de reabertura democrática.

Qualquer coisa que se proponha, diferente disto, a nosso entender, é perpetuar mais do mesmo, prevalecendo entre nós as crises e as injustiças, ainda que disfarçadas de legítimas por um formal amparo constitucional e legal.

Afinal, não são apenas Estados Militares que são totalitários e ditatoriais, embora legitimados por uma ordem constitucional aparentemente eficaz, mas cabe a nós mudarmos a direção desse movimento, em busca de uma real ordem jurídica legítima dos anseios do povo, não somente dos que hoje vivem, mas principalmente, das futuras gerações, a quem a esperança de dias melhores, mais que um desejo, deve ser uma realidade e um direito assegurado.