A teoria da imputação objetiva teve sua origem com os trabalhos de Karl Larenz, em 1927, e de Richard Honig, em 1930. Posteriormente, na década de 1970, Claus Roxin retomou o trabalho de Karl Larenz, de forma a se tornar o maior expoente no desenvolvimento da referida teoria.

Antes de analisar o objeto desse trabalho, necessário é uma breve análise de alguns institutos afetos à teoria da imputação objetiva. Valendo-se inclusive de estudos realizados em outros ramos do Direito.

O primeiro que deve ser relembrado é o nexo de causalidade. Segundo lição da lavra de Pablo Stolze Galgliano e Rodolfo Pamplona Filho o nexo de causalidade é o “elo etiológico, do liame, que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Diereito Civil: Responsabilidade Civil. 9ª ed. São Paulo. Saraiva, 2011. Vol. III). Assim, o nexo causal é o elemento responsável por amarrar a ação ou omissão de alguém a um resultado. Somente havendo esse elo entre a conduta e o resultado é que se pode imputar, atribuir, a responsabilidade ao agente e, consequentemente, o dever de reparar o dano causado.

Como se pode observar, para existir nexo entre conduta e resultado basta a mera comprovação física dos acontecimentos.

Vale elucidar que, não obstante existir nexo de causalidade entre a conduta do agente e um resultado, não se pode falar em responsabilidade penal. A responsabilidade penal é composta tanto pelo nexo de causalidade como pelo nexo normativo. Entende-se por nexo normativo o liame psíquico do autor, se ele realmente queria a produção do resultado ou se, por uma quebra do dever de cuidado, contribuiu para a produção do resultado. É o que se infere do texto do art. 19 do Código Penal Brasileiro.

A existência do nexo de causalidade só é necessária nos crimes materiais, ou seja, naqueles tipos penais em que o se faz necessário a produção de um resultado naturalístico. Sendo dispensado, portanto, nos crimes de perigo e nos de mera conduta.

Definido um dos elementos basilares da responsabilidade, seja civil ou penal, é preciso estudar as teorias que visam analisar o nexo causal. No presente trabalho nos deteremos a analisar unicamente a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro, qual seja, a teoria da equivalência dos resultados, ou da conditio sine qua non.

O Código Penal Brasileiro, no seu 13º dispositivo, deixou bem claro que os parâmetros a serem utilizados para estabelecer o liame entre uma conduta e um resultado são aqueles predispostos na teoria da conditio sine qua non, confira-se abaixo o caput do referido artigo:

Art. 13 O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Grifo nosso) (Código Penal Brasileiro)

O enunciado da teoria da conditio sine qua non afirma que “todos os antecedentes do resultado, ainda que sobre ele tenham exercido a mínima influencia, serão considerados como sua ‘causa’.” (Direito Penal Esquematizado, parte geral, ano 2013, p. 309). Como se pode observar para essa teoria, toda conduta que antecedeu o resultado e teve alguma importância sobre ele é considerado como sua causa.

Para se descobrir se determinado acontecimento teve, ou não, importância sobre o resultado, a doutrina desenvolveu um método conhecido como juízo de eliminação hipotética.

Esse método consiste em eliminar um acontecimento que faça parte da cadeia de antecedentes e, caso eliminando esse acontecimento, o resultado vindo a desaparecer isso implica dizer que esse antecedente é causa do resultado. Nesse sentido, vale conferir lição da lavra de Fernando Capez: “aquilo que extraído da cadeia de causalidade, ocasionar a eliminação do resultado deve ser tido como sua, pouco importando se, isoladamente, tinha ou não idoneidade para produzi-lo” (Curso de Direito Penal; Parte Geral – Vol. 1; p. 158).

Assim, imagine-se que alguém dispara um projétil de arma de fogo contra outrem, esse em razão do ferimento que lhe fora causado pelo projétil vem a falecer. Para essa teoria a pessoa que vendeu a arma de fogo para o atirador também deu causa ao homicídio, posto que se o autor não tivesse adquirido a arma não teria havido o crime. Nesse mesmo esteio pode-se dizer que se caso os pais do homicida não tivessem praticado o ato sexual que lhe deu origem, ele não existiria e, consequentemente, não teria praticado o ato de ceifar a vida de outra pessoa.

Cumpre não olvidar que só não se pode falar em responsabilidade penal do vendedor da arma e dos pais do agente posto que falta o nexo normativo, ou seja, nenhum deles agiu com dolo ou culpa no homicídio perpetrado pelo agente.            

Logo de cara percebe-se que essa teoria traz consigo um grande vício. Se todo antecedente que tenha um mínimo de influência no resultado é considerado como sua causa, chegamos à conclusão que os pais ao gerarem um filho que alguns anos depois viesse a cometer um crime, teriam eles, também dado causa do ato criminoso. E se continuássemos nessa análise, todos os ascendentes do agente criminoso, teriam dado causa ao crime.

Como se observa, empregando os métodos da teoria da equivalência dos resultados chegaríamos a aberrações jurídicas, e ainda essa teoria implica em uma espiral infinita de causas, um regresso ao início da trajetória humana na terra.

No intuito de pôr um freio nesse número infinito de causas que se desenvolveu a teoria da imputação objetiva.

Segundo a teoria da Imputação Objetiva não basta o mero nexo físico para que se possa afirmar que uma conduta gerou um determinado crime, além dele é necessário a existência de três outros requisitos, ou como a doutrina denomina três “níveis de imputação” (Direito Penal Esquematizado, Parte Geral; p. 332).

Os três níveis de imputação seriam: a) criação de um risco relevante e proibido; b) repercussão do risco no resultado; e, c) exigência de que o resultado esteja dentro do alcance do tipo.

Para que determinada conduta seja tida como causa de um resultado juridicamente relevante é necessário que o agente tenha criado, ou agravado, um risco não permitido pelo ordenamento jurídico.

Vivemos em uma sociedade em que os riscos de lesão, seja de que natureza for, são comuns. Qualquer atividade gera um risco, uma simples corrida em um parque, dirigir um automóvel, praticar qualquer esporte, seja amador ou profissionalmente, enfim, qualquer atividade gera riscos e para o funcionamento da sociedade eles são permitidos.

Assim, os ricos gerais da vida e os riscos permitidos são irrelevantes penalmente falando. Riscos permitidos são aqueles que, apesar de naturalmente perigosos, desempenham uma função essencial na vida em sociedade e, em razão desse papel, são suportados e permitidos, como exemplo podemos citar o transporte de materiais inflamáveis, pilotar um avião, a produção de energia utilizando material radioativo, etc.

Vencido o primeiro nível devemos verificar se a conduta que gerou um risco proibido teve efeito no resultado ocorrido. Caso o autor tenha agido de forma a criar ou agravar um risco não permitido, a sua ação deve idônea para a ocorrência do resultado, ou seja, para que um resultado seja imputado a alguém, a ação dessa pessoa precisa ser capaz de produzir aquele efeito. O resultado precisa estar dentro do desdobramento natural da conduta, o agente deve poder vislumbrar que aquela sua ação pode acarretar o resultado ocorrido.

O último nível de imputação deve ser analisado observando se o risco gerado está compreendido no alcance do tipo. Para isso é necessário observar conduta da vítima.

O consentimento da vítima assume posição de relevo nesse nível. Caso a própria vítima se coloque em uma situação de risco, por exemplo, atravessa rodovia de grande movimentação em local proibido e acaba sendo atropelada e vem a óbito, ao atropelador não se pode imputar o resultado tendo em vista que a própria vítima, de forma intencional, se colocou naquela situação, é que a doutrina chama de “autocolocação dolosa em perigo”.

O mesmo entendimento deve ser aplicado quando a vítima permite que outrem a coloque em risco, “heterocolocação consentida em perigo”. O próprio ofendido permite que um terceiro pratique atividade que, por sua natureza, implica em risco.

Sobre a heterocolocação consentida em perigo é necessário fazer algumas observações.

A primeira delas é dizer que a vítima não consente com a lesão, mas sim com a ação do terceiro. Quando a vítima, ciente de todos os riscos que aquela atividade pode causar, concorda expressamente em se colocar em determinada posição de risco, ela exime o agente de responsabilidade.

Consequentemente, como a vítima concorda, frise-se, com a atividade e não com a lesão, pouco importa se o resultado veio atingir bem jurídico disponível ou indisponível.

Imagine-se um jogador de futebol que ainda não totalmente recuperado de uma lesão na coluna volta a praticar o esporte. Em uma jogada, em que divide a bola com outro atleta vem a se machucar novamente naquela região e em decorrência disso perde o movimento das pernas. Ao seu oponente não se pode atribuir o resultado, pois a própria vítima se colocou naquela situação ciente dos riscos que poderiam decorrer de uma nova lesão naquela área.

Diante de todo o exposto, nota-se que no estado atual da teoria da Imputação Objetiva não se pode abrir mão completamente da teoria da causalidade adequada. Aquela serve como uma espécie de filtro para esta. Além disso, a teoria desenvolvida por Roxin só tem aplicabilidade aos crimes de resultado naturalístico, não servido para todos as espécies de crimes.

AUTORES:

Pablo Dimitrius Lima de Lucena

Gabriela Oliveira

Taciana Furtado de Carvalho Sousa

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONFIM, Edilson Mougenot; CAPEZ, Fernando. DIREITO PENAL: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004.

ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. MANUAL DE DIREITO PENAL: Parte Geral e Parte Especial. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.    

Vade Mecum Legislação selecionada para OAB e Concursos/ coordenação Darlan Barroso, Marco Antonio de Araujo Junior. – 6ª ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.