Muriely Salviano de Faria

TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA, TIPICIDADE E TIPO DE CRIME

 

A teoria da imputação objetiva foi originada de um período com acentuado positivismo jurídico pelos estudos de Karl Larenz (1927) e Richard Honig (1930), que acreditavam que a equivalência dos antecedentes era muito rigorosa no estabelecimento do nexo causal, relacionando fisicamente causa e efeito. A imputação objetiva é uma das operações do fato típico, junto a imputação subjetiva. Ela consiste, como explica Capez (2011, p. 201), "em verificar se o sujeito deu causa ao resultado sob o ponto de vista físico, naturalístico", isto é, se o acontecimento pode ser atribuído a conduta, sem verificar dolo ou culpa. É preciso analisar se o agente deu a causa ao resultado, porque, se não tiver causado, não é necessário questionar se atuou com dolo ou culpa.

A tipicidade, como caracteriza Mirabete (2001) é o último elemento do fato típico, sendo a adequação perfeita entre fato natural e a descrição exposta na lei (tipicidade formal) Sendo o Direito Penal, não apenas objetivo, mas também normativo e subjetivo, a existência da tipicidade não sendo somente do fato considerado de forma objetiva, mas também em seus elementos subjetivos, é de suma importância.

Depois da análise sobre o conceito de tipicidade, devemos saber que esta pode ser dividida em formal, como já foi explicado acima, e conglobante. Nesta, Greco (2008) acredita que é preciso, antes de tudo, verificar dois aspectos: a conduta do agente é antinormativa? O fato é materialmente típico? O princípio da bagatela, por exemplo, se encaixa da segunda vertente da tipicidade conglobante, sendo chamada de tipicidade material. Esta última está relacionada com ao tamanho, a importância, da lesão ou do perigo que o infrator causou.

Sobre a conglobante, observemos o trecho a seguir:

Para a tipicidade conglobante, somente a conduta expressa e previamente consagrada como um direito ou um dever será sempre atípica, pouco importando a subsunção formal [...] Embora concordando que a tipicidade formal (ou legal) não é suficiente, podemos substituir com vantagem a tipicidade conglobante pela exigência de que o fato típico, além da correspondência à descrição legal, tenha conteúdo do crime, fazendo-se incidir os já estudados princípios constitucionais do Direito Penal, a fim de dar conteúdo material ontológico ao tipo penal. Deste modo, se a lesão for insignificante, se não houver lesão ao bem jurídico, se não existir alteridade na ofensa, se não for traída a confiança social depositada no agente, se a atuação punitiva do Estado não for desproporcional ou excessivamente interventiva, dentre outros, o fato será materialmente atípico, sem precisar recorrer à tipicidade conglobante (CAPEZ, 2011, p. 221-222)

Depois de analisar e compreender o que é a tipicidade e quais são suas espécies, é necessária uma breve olhada sobre os tipos penais dos crimes dolosos. Segundo Capez (2011), o conceito de dolo nada mais é do que o desejo da pessoa em realizar a conduta. Dolo é tido como a parte psicológica da conduta, sendo formado pela consciência (estar ciente de que aquilo configura uma ação típica) e a vontade, abrangendo também os meios empregados e a conseqüência daquele ato.

Sobre esse tipo de crime, existem 3 teorias: da vontade, que defende que é o desejo de praticar a conduta e produzir os efeitos; da representação, que consiste na realização da conduta, conhecendo suas consequências, ainda que não tenha vontade delas; e do assentimento ou consentimento, é praticar determinada conduta, sem se importar com as consequências, estando indiferente a elas. O Código Penal, por sua vez, adota apenas a teoria da vontade e do assentimento.

Considerando dolo como o gênero, ele é dividido em algumas espécies, sendo elas explicadas por Capez (2011) como: Dolo natural, que acredita que o dolo é algo puramente psicológico, não possuindo algum juízo de valor. É apenas o desejo, ainda que o objeto desse desejo possa ser ilícito; Dolo normativo, que possui três elementos: a consciência, a vontade e a consciência de que é ilícito. Diante dessa visão, o agente, além de querer realizar determinada conduta, também deve estar ciente de que ela é proibida, injusta e errada. Isto é, para essa espécie, o dolo depende do juízo de valor; Dolo direto (ou determinado) é o desejo do autor ter determinada conduta e produzir efeitos; Dolo indireto (ou indeterminado) é aquele em que o agente não quer exatamente produzir efeitos, mas simplesmente não se importa se isso acontecer; Dolo de dano é, como o próprio nome já diz, o desejo em produzir uma lesão a um bem; Dolo de perigo consiste na vontade de expor algum bem jurídico a um perigo; Dolo genérico trata do simples desejo de realizar uma conduta sem uma finalidade específica, sem um elemento subjetivo; Dolo específico é contrário ao dolo genérico, pois o agente tem uma finalidade específica, contendo elementos subjetivos; Dolo geral (erro sucessivo ou aberrativo causae) é quando o agende, após ter determinada conduta, pratica a consumação, o exaurimento dela; Dolo de primeiro grau e de segundo grau é aquele em que, o primeiro é constituído pelo desejo de produzir efeitos primários do crime, enquanto segundo grau são os efeitos secundários que o agente não pode prever ou não desejou; Dolo e dosagem da pena nada mais é que a quantidade da pena prevista na lei não depende da espécie de dolo cometido, porém, o juiz deve dosá-la; Dolo nos crimes comissivos por omissão se caracteriza por omitir algo a algum bem jurídico, porém, só é considerado crime caso o agente tenha o dever jurídico de praticar determinada ação e não o faz, colocando em perigo o bem jurídico.

Uma vez já compreendido acerca dos crimes dolosos, devemos conhecer também os tipos de crimes culposos. Sabendo que culpa é o elemento normativo da conduta reprovável, também é necessário estar ciente de que a culpa não está explícita, e isso se deve da total impossibilidade do legislador prever todas as formas de culpa, sendo, por esse motivo, chamado de tipo aberto. "O crime culposo também não consiste apenas em uma mera conduta, pois necessita da produção de um efeito naturalístico involuntário para seu aperfeiçoamento típico" (CAPEZ, 2011, p. 231)

Resumidamente, a culpa acontece quando o agente se afasta da conduta normal, aquela que é ditada e aceita pelo senso comum, estando prevista na norma.

Os elementos do fato culposo, basicamente são: a conduta, que é sempre voluntária; o resultado, que, por sua vez, é involutário; o nexo causal; a tipicidade; a previsibilidade objetiva; a ausência de previsão (ainda que ela inexista em alguns tipos de culpa) e a quebra do dever objetivo de cuidado.

A previsão objetiva é, como o próprio nome já adianta, é a capacidade de qualquer pessoa prudente prever o resultado, conhecer a consequência. A previsão subjetiva, por sua vez, é a possibilidade que o agente, em suas condições peculiares, tinha de prever o resultado, mas, a ausência desta não exclui a culpa.

  A inobservância do dever objetivo de cuidado é, segundo Capez (2011, p. 233) "a quebra de cuidado imposto a todos e manifesta por meio de três modalidades de culpa", sendo essas: a imprudência, que é a ação descuidada, sem cautela. Na imprudência, a culpa acontece no mesmo momento em que se pratica a ação; a negligência, que é a culpa em forma omissa, ou seja, quando se deixa de tomar devidos cuidados antes de agir e se dá, ao contrário da imprudência, antes do início da conduta; e a imperícia, que consiste na incapacidade para determinado exercício.

Sendo a culpa o gênero, podemos dividi-la em algumas espécies, como: culpa inconsciente, que é aquela em que o agente não prevê o que era óbvio; a culpa consciente, também chamada de culpa com previsão, que ocorre quando o agente prevê o resultado, porém o ignora, acreditando que o evitará; culpa imprópria, que acontece quando o agente acredita estar acobertado por uma causa que excluirá sua ilicitude; a culpa presumida, que, por sua vez, já não é prevista na legislação penal; e a culpa mediata (ou indireta), que acontece quando o autor produz indiretamente um efeito a título de culpa.

A culpa pode ser grave, leve ou levíssima, e o juiz deve levar em conta a natureza da culpa antes de dosar a pena concreta, para fixar a pena de acordo com o grau de culpabilidade do autor.

A concorrência de culpa acontece quando se há dois ou mais agentes, em atuações independentes, que causam lesão por imprudência, negligência ou imperícia, e, neste caso, todos respondem pelos eventos lesivos. Já no que se trata de participação no crime culposo, podemos observar uma divergência, na qual a primeira acredita que não existe conduta principal, sendo os dois ou mais agentes, autores do crime. A segunda visão acredita que é sim, possível definir qual a conduta principal, estabelecendo quem é o autor e quem é o participante.

Outro tipo de crime é o crime preterdoloso que é uma das quatro espécies de crime qualificados pelo seu resultado, sendo composto por uma conduta antecedente dolosa e um resultado conseqüente agravador culposo. Capez (2011, p. 239) descreve que “o crime qualificado pelo resultado é um único delito, que resulta da fusão de duas ou mais infrações autônomas”. Existem dois momentos do crime qualificado pelo resultado: o antecedente, que realiza-se com o crime com todos seus elementos e o consequente que é quando se produz seu efeito agravador.

Sendo o crime qualificado pelo resultado o gênero, ele é divido em quatro espécies, sendo elas: dolo no antecedente e dolo no conseqüente; culpa no antecedente e culpa no consequente; culpa no antecedente e dolo no consequente; e conduta dolosa e o resultado agravador culposo (crime preterdoloso), que ocorre quando o agente quer realizar um crime mas acaba se excedendo e praticando um ainda mais grave do que o desejado.

Conhecendo os tipos de crime, é preciso saber que pode ocorrer um erro do tipo, tido pelo Código Penal como um “erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal” (CP, art. 20, caput). Alguns exemplos de erro de tipo são: erro incidente sobre situação de fato descrita como elementar de tipo incriminador, quando o agente pega algo pensando ser de sua propriedade quando não é, por exemplo; erro incidente sobre relação jurídica descrita como elementar de tipo incriminador, o que pode acontecer quando o agente casa com alguém que já é casado, acreditando que este alguém é solteiro; entre outras possibilidades.

Existem várias formas de erro de tipo, como, por exemplo, o erro de tipo essencial, que se refere aos elementares e circunstâncias e este se divide em invencível, ou seja, que não podia ser evitado; e vencível, aquele que poderia ter sido evitado caso o agente empregasse mediana prudência.

Até então, estivemos tratando de crimes consumados, ou seja, aqueles que foram executados e produziram algum efeito, porém, existem crimes de tentativas, isto é, são crimes que não foram consumados, que foram sim, iniciados, mas por circunstâncias alheias a vontade do agente, como descreve Capez (2011). Os elementos da tentativa são: o início de execução, a não consumação e a influência de circunstâncias alheias à vontade do agente. Para tratarmos do primeiro elemento, é necessário um longo estudo das teorias sobre quando finda os atos preparatórios e começa a execução, mas, o critério adotado pelo nosso sistema jurídico é o lógico-formal, aquele que defende que o ato que inicia deve ser inequívoco, isto é, deve estar destinado à produção de resultados e também idôneo, ou seja, apto para a consumação.

As formas de tentativa são: imperfeita, isto é, há interrupção na execução por circunstâncias alheias à vontade do agente; perfeita, ou seja, o agente pratica todas os atos de execução, mas, novamente, as circunstâncias que não dependem de seu desejo, o impedem de terminar; branca, que ocorre quando a vítima sequer é atingida ou ferida; e cruenta, que a vítima é atingida, ferindo-se.

Da tentativa, temos duas espécies importantes que devem ser tratadas, que são a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. São caracterizadas por terem sido abandonadas ou qualificadas, isto é, o agente queria produzir um efeito, queria consumá-lo, mas acabou por mudar de ideia e impedi-lo por vontade própria e não por circunstâncias alheias.

A tentativa abandonada é incompatível com os crimes culposos, porque ainda que o agente quisesse produzir o efeito (dolo), ele acabou desistindo e evitando-o.

Os elementos da tentativa abandonada são: o início da execução, a não consumação e a interferência do agente.

Mas, é necessário frisar que, desistência voluntária e arrependimento eficaz são distintos, ainda que sejam espécies de tentativa abandonada ou qualificada. A desistência voluntária é quando o agente até dá início a execução, mas não a finaliza, ao passo que o arrependimento eficaz é quando o agente finaliza sua execução, muda de ideia, arrependendo-se e tenta auxiliar a vítima, por exemplo. Há outro tipo de arrependimento tido como ineficaz, que é irrelevante, não trazendo qualquer diferença entre se arrepender ou não.

Além disso, existe outro tipo de arrependimento, mas não é uma espécie da tentativa. Chamado de arrependimento posterior, é causa obrigatória de redução da pena, pois, acontece quando o agente voluntariamente repara o dano ou restitui a coisa até o recebimento da denúncia ou queixa. Deve se ressaltar, porém, que a redução da pena só acontece nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à vítima, até, porque, dependendo do grau de gravidade do crime, não se pode reparar o dano (no caso, a morte).

Uma das diferenças, então, entre o eficaz e o posterior, se encontra aí, uma vez que no primeiro, o agente pode agir com violência ou grave ameaça, além disso, o eficaz é anterior à produção do resultado, ao passo que o posterior, não. Portanto, para ser considerado um arrependimento posterior, é necessário preencher alguns requisitos básicos como: crime cometido sem violência ou grave ameaça à vítima, a reparação do dano ou restituição da coisa, a voluntariedade do agente, e até o recebimento da denúncia ou queixa.

Já se tratando de crimes não consumados, trataremos do crime impossível, que é aquele em que, por uma falha no meio empregado, é impossível de se consumar. Pode acontecer não apenas por ineficácia do meio, mas também por impropriedade absoluta do objeto material, isto é, matar um cadáver ou furtar alguém sem um centavo no bolso, embora, neste último caso, a pessoa possa vir a responder por constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do Código Penal.

 

 

 

 

 

 

 

Referências

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17. Ed. São Paulo: Atlas, 2001.