O processo penal é aquele ao final do qual a pessoa poderá sofrer a restrição de seu bem maior depois da vida, que é justamente a liberdade. Assim sendo, toda pessoa submetida a ele, acaba sofrendo desta doença moderna chamada estresse. Conforme pesquisas realizadas, o estresse crônico pode levar a ter sérias conseqüências tais como problemas de memória para idosos, e dificuldade de aprendizado em  crianças e adolescentes. Ele tem causado um impacto negativo na vida de muitas pessoas, causando entre outros, problemas cardíacos e de pressão alta.

 

Como uma das formas de resposta ao estresse, o organismo produz o cortisol, que é um hormônio corticosteróide produzido pela glândula supra-renal que tem como efeito, o aumento da pressão arterial e do açúcar no sangue, além de suprimir o sistema imune do indivíduo. O efeito é a diminuição da produção de testosterona, ação lenta da utilização da insulina (o que atrapalha no transporte da glicose para as células musculares, evitando assim a reserva de glicogênio muscular) e a inibição do hormônio hGH, atrapalhando a formação de novas fibras musculares.

 

Como se pode concluir, toda pessoa submetida a um processo penal, fato que não se pode alegar ser apenas um incômodo corriqueiro na vida da maioria das pessoas, acaba sendo submetida gradativamente a uma diminuição de sua resistência física e psíquica, fato que acarreta um abalo na saúde da pessoa ou até a sua morte prematura conforme o caso.

 

Você deve estar pensando qual é a razão para que eu faça essa pequena explanação, já que não sou da área médica e estou tratando de um assunto jurídico. É apenas pelo fato de que, como toda a pessoa normal, eu tenho preocupação com saúde e costumo assistir programas médicos e até me arvorar a fazer pesquisas a respeito do assunto.

 

Acabei então chegando à conclusão de que no momento em que uma pessoa é submetida a um processo penal, ela passará a sofrer conseqüências, que nós podemos considerar como a antecipação de uma pena corporal não tipificada nos códigos penal e processual penal. Como ela passa a ser aplicada à pessoa desde o seu indiciamento no inquérito policial, podemos afirmar que contraria frontalmente a presunção de inocência prevista no art. 5º da Constituição Federal. É como se, a partir do momento em que a pessoa tem ciência de que contra ela está sendo movido um processo amplo de persecução penal, passássemos a injetar no organismo dela, uma pequena dose diária de veneno que irá lentamente destruindo o seu organismo, fato que irá leva-lo inexoravelmente a uma morte prematura. Ou seja, embora durante a fase processual por determinação constitucional, o acusado seja presumidamente inocente, na verdade ele já passa a sofrer alguns efeitos deletérios que poderão inclusive abreviar-lhe a vida, tudo ocorrendo independentemente da existência de uma sentença penal condenatória.

 

Evidentemente, o apenamento antecipado não termina aí. Ele parece ter propensão a se eternizar. Ainda que a pessoa venha a ser absolvida das acusações que um dia recaíram sobre elas, os efeitos continuam. Geralmente a comunidade na qual a pessoa vive, acaba tomando ciência de que ela está sendo processada penalmente, passando desde esse momento, a trata-la como se condenada já fosse. Por outro lado, dificilmente o mesmo número de pessoas que sabem da suspeitas que recaíram sobre um indivíduo, acabam tomando conhecimento de sua absolvição, até porque os meios de comunicação são rápidos e eficientes em divulgar acusações, mas são parcimoniosos em noticiar as absolvições. Ou seja, o indivíduo processado será sempre visto com restrições pelas outras pessoas. Muitas portas acabam se fechando para ele.

 

Bem, ainda que a notícia da absolvição de um eventual acusado seja noticiada, ainda temos que analisar o tipo de sentença absolutória. De acordo com o art. 386 do Código de Processo Penal, a absolvição poderá ocorrer por vários motivos, tais como, estar provada a inexistência do fato, não haver prova da existência do fato, não constituir o fato infração penal, estar provado que o réu não concorreu para a infração penal, não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal, existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência.

 

O problema é quando na parte dispositiva da sentença o magistrado absolve embasado no fato de que não existem provas suficientes para a condenação. Embora seja um alívio para quem é absolvido, as demais pessoas continuarão voando nas asas da imaginação, já que ser absolvido por insuficiência de provas não é o mesmo que ser absolvido por qualquer uma das causas anteriormente citadas. Muitas vezes ouvi pessoas em casos tais, falando que onde há fumaça há fogo. E assim, restrições à imagem da pessoa absolvida continuarão a existir de maneira muitas vezes velada. Parece que o acusado recebe um estigma, tal qual aquele sinal infamante que outrora era aplicado com ferro em brasa, nos ombros ou braços de criminosos, escravos etc. A única diferença é que ele não deixa marcas visíveis no corpo, apenas uma mácula irreversível na dignidade da pessoa.

 

Ao final, resta a pergunta: quem é que compensa o prejuízo causado à dignidade dessa pessoa? Em que pese reconhecido o evento lesivo em tais casos, com grande repercussão na órbita moral e psicológica do processado, com seqüelas de ordem emocional, a doutrina e a jurisprudência são correntes ao dizer que os atos derivados do exercício da função jurisdicional não acarretam a responsabilidade do Estado. Afirmam que a interpretação do art. 5º, LXXV da Constituição Federal é restritiva, sendo o Estado responsável apenas pelas hipóteses ali previstas, quais sejam, as de pessoas condenadas por erro judiciário ou daqueles que ultrapassam tempo de pena, ficando encarcerados por erro do serviço. Em sendo assim, somos levados a crer que de nada adianta buscar a responsabilização civil do estado.

 

Já, se o prejudicado buscar ser reparado por aquela pessoa que, ao levar a notícia-crime ao conhecimento da autoridade policial deu azo à interposição do Inquérito Policial que, por sua vez, deu subsídios para o início de uma ação penal, em regra, os tribunais têm afirmado que nestes casos, o noticiador age no exercício regular de um direito, desde que não se verifique má-fé, culpa, ou erro grosseiro em tal conduta. Em ambos os casos, afirmam alguns doutrinadores, que estamos diante de um mal necessário.

 

Enfim, parece que estamos longe de obtermos uma compensação aos acusados e processados injustamente e uma punição ao estado que às vezes, açodadamente, sem provas consistentes, baseado apenas no denominado clamor público, acaba submetendo pessoas a longos processos criminais, fazendo pender sobre elas uma espécie de Espada de Dâmocles, sempre prestes a lhes cair na cabeça, causando-lhes uma sensação de perigo iminente, com conseqüente perda do gosto pela vida.

 

De qualquer maneira, penso que devemos lutar, reinterpretando o texto legal e criando novas teorias, inclusive aperfeiçoando a que modestamente acabei de lançar, para tentarmos buscar, não a indenização, já que danos à dignidade não têm preço, mas um bálsamo, um lenitivo, uma compensação para aquela pessoa que for atingida mortal e irreversivelmente em sua esfera moral.

 

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
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