Não tenho inveja só dos pombos, como também das águias, dos falcões e peregrinos, que alcançam lugares mirantes nos céus, que vivem a plenitude de suas existências, desfrutam de vidas livres enquanto que nós, pobres proletariados, vivemos uma vida difícil e escravizada no sistema das diferenças e da opressão caracterizado pelo capitalismo.

Quero sentir o vento ou a brisa em algum lugar eminente, mas não posso. As condições no sistema não nos permitem aproveitar a vida, eu preciso de alimentos para não morrer de fome, mas quem me dará comida? Ninguém. Eu preciso me submeter ao sistema capitalista para poder comprar o mínimo necessário, não há outra alternativa no mundo do que minha escravidão diária. Passo todos os dias, o dia inteiro num escritório, fazendo, como uma engrenagem, a máquina da empresa funcionar.

Às vezes me pergunto se vale a pena viver se o mundo foi montado para oprimir os pobres e privilegiar os ricos, se o mundo está montado para que os ricos sejam mais ricos a cada dia e os poderosos, mais poderosos. Os rios correm para o mar. O miserável se torna mais miserável, seja financeiramente, seja intectualmente, seja moralmente. Pergunto-me no recôndido da minha alma se vale a pena viver nessa situação tão desigual, se vale a pena lutar essa luta perdida, já vencida pelos ricos, pelo dono do capital, pelos poderosos.

Se o pobre soubesse o lugar dele no mundo, nunca sorriria, antes se revoltaria com a desigualdade que ignora. O pobre é assolado, come o pão que o diabo amassou todos os dias. O pobre é obrigado a virar proletariado, a se submeter todos os dias ao patrão para receber dinheiro suficiente para o básico do básico. Enquanto o filho do rico, do patrão desfruta a vida numa piscina numa tarde de segunda-feira, um proletariado sua (do verbo suar) e sangra pelo seu trabalho afim de receber umas migalhas e sustentar a máquina no qual gera as condições do capitalista ter todo seu privilégio. Enquanto o proletariado e seus filhos não têm nenhum privilégio e vivem numa casa humilde, num lugar humilde em situação humilde.

Mas os pombos, que vivem perto ocupando o telhado das casa e as praças, estão livres, têm o privilégio de sentir o que apenas os ricos podem sentir: a sensação de um vôo, do vento refrescante ao longo de seu corpo ou repousar num lugar alto, num lugar com uma vista aprazível e deslumbrante. Quão felizes são os pombos e as aves do céu! E quão amaldiçoados são os homens pobres desse mundo! Os pobres apenas podem apreciar a vista de suas janelas, que muitas vezes dá de cara com a parede do vizinho. Como a natureza é bela, suas paisagens são arrebatantes, a sensação de um vento no rosto e a apreciação de uma paisagem natural ou um pôr do sol são muito caras, pois os poderosos e os donos do capital tomaram posse da natureza.

O capitalista e o homem de poder escolherem o lugar mais bonito, a mulher mais bonita, escolhem o último andar de um prédio e o topo de uma montanha num lugar aprazível que os pobres nem conseguem imaginar. O mesmo capitalista, ao escolher o melhor, atribui aos proletariados e o restante do mundo o pior por consequência, enquanto o capitalista adquiriu a natureza, o que sobra aos pobres é alguns metros quadrados de espaço para se amontoarem e viverem seus amaldiçoados dias de submissão e trabalho duro em troca das migalhas que o sustentam mal.

Da janela da minha casa vi 1 casal de pombos trocando caríssias e, em seguida, arremessando-se ao ar livre e voando. Que inveja tenho deles, os pombos, com sua insignificância, podem viver a vida que a natureza determinou a eles, uma vida que está além do que eu e uma multidão de proletariados poderiam ter: os pombos vivem a plenitude de sua natureza, pois têm liberdade e podem, sem os critérios soci-econômicos, encontrarem uma companhia. Eu não tenho ninguém, nunca tive uma namorada nem nada do tipo, minha vida toda foi ser moído e esmagado todos os dias. Aguentei inúmeras vezes a depressão e a melancolia enquanto era abusado pelo patrão. Toda vez que chegava no escritório, a mesma depressão e vontade de me enforcar com o fio do mouse, toda vez que acordava de manhã a mesma desgraçada sensação de angústia e impaciência resultantes da minha relação escravocrata com o capitalismo. Já pensei inúmeras vezes em me suicidar, mas já não o fiz por causa dos meus pais?

Porém assim que eles se forem, eu irei dar fim a minha vida, que não pode e nunca poderá ser plena como a dos pombos, porque o sistema no qual vivemos é feito para manter o estado atual das coisas: nós, massa de miseráveis proletariados, estamos aprizionados num regime de uma empresa qualquer afim de ganhar migalhas para nosso sustento mais que básico e sustentamos os ricos e seus privilégios.