Você já se perguntou como seria se não houvesse engarrafamentos nos grandes centros urbanos? De acordo com estatísticas do DENATRAN Departamento Nacional de Trânsito, em 2003 o país possuía 37.144.993 condutores habilitados em todas as categorias do código de trânsito brasileiro. E neste mesmo ano, na região Sudeste do nosso país havia 20.083.423 veículos trafegando em vias públicas. Sendo que 10 anos antes, ou seja, 1993 havia na mesma região uma frota de 13.525.604 veículos automotivos. Crescimento considerado acelerado se comparado com a estrutura viária do país. O crescimento da frota de veículos não foi acompanhado pelos investimentos em infra-estrutura em vias urbanas e estradas.

Aproveitando a frieza dos números, chegamos aos questionamentos pertinentes ao assunto, como por exemplo, como comportar os próximos milhões de veículos que estão por vir? Os engarrafamentos nas metrópoles brasileiras se dão por diversos fatores. A falta de confiança e conforto dos meios transportes coletivos, vias com planejamentos relativos à capacidade de frota feito para curto prazo, baixa qualidade da malha viária, poucas alternativas ousadas que já obtiveram sucesso em outros países mais desenvolvidos. Enfim, existe uma cadeia de informações para serem estudadas e analisadas visando soluções para atender, em um futuro próximo, a demanda exacerbada de veículos automotores nas grandes metrópoles.

A aquisição facilitada de automotores gerou um boom na realidade das fabricantes deste segmento de mercado. A partir de meados dos anos 90 houve uma nova era mercadológica para esta indústria, onde parcelamentos, baixas taxas de juros e valores de entrada irrisórios, foram tornando-se fundamentais para se manterem no mercado. Com isso, visualizamos um crescimento contínuo do mercado automotivo, conforme cita o presidente da Anfavea, Rogelio Golfarb, para reportagem do site Valor Online, no dia 05/09/2006:

Com essas estimativas é que a Anfavea sustenta a previsão de crescimento de 7,1% para as vendas da indústria automotiva neste ano. ... De janeiro a agosto, as vendas de veículos subiram 10,5%.

Todo esse crescimento gerou uma mudança de perfil de usuários desses veículos. Os jovens compram cada vez mais cedo seus carros ou motos, os aposentados se deram ao luxo de adquirir seu desejo de consumo que por anos não pode se concretizar, as famílias dobraram o número de veículos por residências. Um dos hábitos mais destrutivos à nossa malha viária é o de não se aproveitar a capacidade máxima dos veículos. Cada vez mais os veículos têm sido individualizados. O filho não sai junto com o pai para o trabalho, mas sim cada um em seu próprio veículo. Assim como já foram propostos no início deste artigo alguns questionamentos, acrescente à sua reflexão: Quantos veículos são conduzidos por dia em uma capital com a capacidade de passageiros a baixo de 50% de sua capacidade legal? Isso gera uma demanda além da capacidade viária do país.

Os transportes coletivos deveriam ser mais bem explorados pela população. Mas o que se percebe é a falta de estrutura e conforto destes gigantes promissores no Brasil. Gigantes promissores, pois podem ser uma das grandes soluções para diminuir o tráfego intenso e desordenado dos grandes centros. Afinal, deixar o veículo automotor na residência e usufruir de transporte coletivo geraria uma redução significativa em todo o trânsito metropolitano.

Mas os transportes coletivos nunca estiveram no topo das prioridades governamentais e estatais para que houvesse um crescimento tecnológico pertinente à necessidade atual. Então, diferente de países mais desenvolvidos, basicamente nos limitamos a metrôs, ônibus, táxis, e alguns trens em nossa cadeia de coletivos, sendo que em diversas capitais, nem todas essas opções estão disponíveis. As idéias de trens com cabines individualizadas, com serviço de bordo, controle de lotação eficiente, é uma das milhões de opções que poderiam ser adotadas nas principais metrópoles brasileiras, com investimentos públicos e privados. Mas se sabe da dificuldade de viabilizar projetos tão tecnologicamente avançados e financeiramente quase inviáveis.

No Brasil, apesar da imensa importância industrial das ferrovias, estas são pouco utilizadas visando o transporte de passageiros. Deveriam ser mais exploradas, e dispor de estrutura mais confortável. Na história do país, relatam-se a utilização quase que unânime das ferrovias e suas marias-fumaça no início do desenvolvimento. Mas por uma série de fatores, este transporte veio, ao longo dos anos, perdendo força. Conforme cita o Robert Kurz, sociólogo e ensaísta alemão, em texto traduzido por Heinz Dieter Heidemann, em colaboração com Tatiana Schor ao acessarem os cadernos do Laboratório de Geografia Urbana do Departamento de Geografia da FFLCH da Universidade de S. Paulo, ano 1, n. 1, Abril de 1996:

Em primeiro lugar, a ferrovia não tem a capacidade de se movimentar em todas as direções. ..., a ferrovia, do ponto de vista capitalista, possui uma mácula irrecuperável: a de ser necessariamente, também no aspecto econômico, um "bem público". Trata-se, na sua forma técnica, de um macro-agregado social indivisível, cujas partes somente podem funcionar com a mobilização de todas as partes de engrenagem: estradas-de- ferro (isto é, os trilhos), meios de locomoção (locomotivas, vagões, trens inteiros) e, finalmente, a organização do fluxo de transporte (horários, funcionamento, manutenção) formam uma unidade que só como tal pode ser ativada. Era necessário formar sociedades anônimas gigantescas, dando-se assim um grande passo rumo à socialização do capital para poder avançar, por exemplo, nos Estados Unidos, no sentido da ocupação continental pela ferrovia. Na maioria dos países, a ferrovia precisou ser, enfim, um empreendimento estatal ou semi-estatal, por requerer grande quantidade de capital. O caráter social e a alta intensidade de capital da ferrovia fazem, portanto, da relação entre a produção e o consumo, uma relação entre grandes capitais, enquanto um super bem de investimento e, diretamente, uma relação entre capital e Estado. O consumo privado individual, como última instância do ciclo da valorização capitalista, pode continuar somente a conta- gotas, na forma de demanda por tickets e passagens.

Além dos problemas já expostos, vale lembrar da guerra declarada por petróleo no mundo. O que fortalece todos os veículos que dispõem de combustíveis alternativos para seu funcionamento pleno. Há diversas previsões sobre o fim do petróleo mundial, e cada vez mais próximas da nossa realidade. Segundo relato de Fritz Vahrenholdt (2006), sócio diretor da Shell alemã, até 2014 uma boa parte do petróleo extraído de modo convencional estará esgotada, e a prospecção ficará cada ano mais dispendiosa. Ou seja, adquirir o veículo pode ser cada vez mais acessível, mas mantê-lo será extremamente caro.

As ferrovias e trens modernos, as vias inteligentes, os metrôs tecnologicamente avançados, e talvez, até os trens bala poderão, em longo prazo, ser a solução para o tráfego intenso e não fluente no país, mas são quase utópicos na realidade atual, haja vista a falta de interesse governamental e o alto custo destes projetos e de suas respectivas implantações. Enquanto essas soluções não são providenciadas, cabe aos cidadãos usufruir melhor dos seus carros. Podendo ser através de parcerias com pessoas do seu ciclo social, onde juntar-se em um único veículo, revezando entre os carros disponíveis, e dividindo despesas com combustíveis, utilizando assim a capacidade máxima de passageiros em tal veículo, pelo menos durante a semana útil, já é um grande alívio se feito em grande escala. Além disso, experimentar coletivos alternativos que ainda não tenham sido experimentados pelo indivíduo, e verificar a viabilidade de em dias úteis efetivar esta troca, deixando o veículo em casa, também é uma grande solução. A consientização popular trará, sem dúvida, alívio a curto prazo, e unida a grandes projetos públicos e privados de solução em transporte, poderemos chegar ao ideal nesse segmento tão vital a todos os cidadãos dos centros urbanos.