Tempos outros

Domingo. Meus pais, eu e meus irmãos, colocávamos uma roupa bonita e íamos à missa das dez horas. Naquele tempo, tinha-se as roupas de andar em casa, as mais-ou-menos, e as de ir à missa.

 Depois, enquanto nossos pais conversavam à porta da igreja, comíamos pipoca e brincávamos com os amigos. Só não podíamos sujar a roupa. Afinal, domingo também era dia de visitar nossos avós, encontrar tios e primos. Tempo feliz!

O almoço era servido às treze horas. Nem um minuto a mais, nem um minuto a menos.

Vovó nunca se esquecia do que cada um de nós gostava. Nós nos sentíamos acarinhados.

Após o almoço, antes de assistir televisão, a conversa corria solta, pondo em dia os assuntos da semana. Enquanto isso, nós brincávamos de esconde-esconde, mãe da rua, ou então de nossa arte maior, que era tocar campainha na casa dos vizinhos e correr. Saudade!

Voltámos para casa a noitinha. Cansados, com sono e felizes.

Mas o tempo passou, e com ele, mudanças se fizeram presentes em nossa vida.

Domingo. Eu, meu marido e nossos filhos, colocávamos uma roupa bonita e íamos à missa das dez horas. Depois, nossos pais almoçavam conosco. Sempre as 13 horas. Nem um minuto a mais, nem um minuto a menos. Tios e primos sempre presentes.

Após o almoço, íamos para a sala assistir televisão, enquanto os filhos jogavam cartas ou vídeo game em uma outra sala, onde poderiam ficar mais à vontade.

A noitinha, depois de assistirmos aos Trapalhões, nossos pais iam embora. Felizes eles, felizes nós.

Domingo. Nós, nossos filhos e família, colocamos uma roupa bonita e vamos à missa das dez horas. Depois, nos reunimos para mais uma almoço em família.

Mas os almoços familiares, antes regados a conversas que pouco a pouco se inflamavam, e se transformavam em discussões que não levavam a nada, ou em conversas infindáveis, agradáveis, que levavam a tudo, percorrendo caminhos já trilhados, trazendo o passado ao presente, ou levando o presente a um passado a ser um dia resgatado...

Nada mais de crianças a correr pela casa, com o perigo de um machucado eminente, de choros infindáveis... Tabletes se fazem presentes a acalmar pais e filhos.

O brincar de boneca, ninar, acarinhar, trocar a roupinha, como se bebês fossem, ganhou uma maior agilidade, nas brincadeiras virtuais. Não mais filhinha no colo, beijinho no rosto... Bastam os dedos a usar o teclado. A boneca se transforma em bonecas, e as muitas roupinhas são trocadas a bel prazer de quem as troca. Não mais uma só roupinha comprada em feiras livres, uma vez por semana.

As conversas que se faziam presentes, mudaram de tom, mudaram de som.  Passaram a ser escritas, numa linguagem um tanto quanto diferente da antes habitual, fazendo com que o silencio reine absoluto em conversas realizadas via internet. Apenas o som dos dedos, em velocidade, se faz presente.

Risadas foram substituídas por sorrisos discretos... As discussões tomaram o caminho da rua e foram morar em outras paragens. Deixaram de existir? Não. Trocaram de lugar com a indiferença, com o silencio reinante nas salas onde estão todos no bate papo com amigos distantes, dos quais se sabe mais do que se sabe dos que estão ao lado, a navegar. Ao menos que alguém escreva e essa escrita atravesse paredes e chegue aos olhos atentos, de quem conectado está com amigos outros.

A invisibilidade na era da informática incomoda. O se saber presente na vida do outro se torna relevante. Comportamentos mudam a cada opinião emitida. Faz pensar.

Certo? Errado? Ou tão somente páginas viradas...

Tempos outros trazidos pela inovação tecnológica.

Ou não