TELETRABALHO versus DIREITO A DESCONEXÃO

 

Francisco Campos da Costa

Jayane Antônia Alves

 

Sumário: Introdução; 1. Teletrabalho e teletrabalhador; 2. Supersubordinação X direito a desconexão; 3. O surgimento da figura do teletrabalho escravo; Considerações Finais; REFERÊNCIAS.

 

RESUMO

O presente artigo visa apresentar a modalidade do teletrabalho, que começou a ser utilizada mais recentemente no mercado de trabalho e cujo reconhecimento legal perante o ordenamento brasileiro se deu com a promulgação da Lei nº 12.551/2011, na qual admite o uso de meios telemáticos como forma de garantir o requisito da subordinação na relação de emprego. Entretanto, em meio às facilidades oriundas do teletrabalho, pode ocorrer que o empregador passe a conferir encargos extraordinários ao seu empregado, vindo a possivelmente cercear seu direito ao descanso ou mesmo lhe onerar em excesso, podendo configurar o “teletrabalho escravo”, tema no qual o presente estudo busca analisar.

 

PALAVRAS – CHAVE

 

Teletrabalho; Supersubordinação; Direito à Desconexão; Meios Telemáticos; Lei nº 12.551/11.

INTRODUÇÃO

 

O direito do trabalho, da forma como se apresenta atualmente, é fruto das conquistas surgidas após anos de opressão da classe operária, que por ser mais frágil e se encontrar em situação desfavorável, acabava por se submeter a condições desumanas de trabalho de modo a garantir sua subsistência. Contudo, ao tomar consciência da força que tinha enquanto unida, a classe operária resolve se insurgir contra tal situação passando a lutar bravamente na defesa de seus direitos. (DELGADO, 2007, p. 83 – 95).

A partir de então, ainda que padecendo com as rigorosas represálias, os trabalhadores seguem cada vez mais na luta para assegurar seus direitos, acompanhando o desenvolvimento e progresso da sociedade na tentativa de adequar esse avanço aos seus interesses.

E é nesse contexto de evolução que se insere o teletrabalho, onde a tecnologia se põe a serviço do trabalhador e do empregador promovendo o auxílio na relação que se estabelece entre ambos.

O teletrabalho é uma ferramenta praticamente nova no mercado de trabalho, embora já venha sendo praticada com uma frequência cada vez mais crescente, e consiste, basicamente, em fazer com que o tomador e o fornecedor de serviço mantenham a comunicabilidade utilizando-se de meios telemáticos, sendo que este último não desenvolve suas atividades no estabelecimento de trabalho, realizando-as em seu domicílio. (BARROS, 2007, p. 322). Sendo assim, o resultado do trabalho desenvolvido, tende a se mostrar eficiente e satisfatório, dadas as facilidades.

Contudo, não é difícil confundir o trabalho com a vida pessoal quando se opera dessa forma, uma vez que os dois ambientes se encontram tão próximos, sendo até o mesmo em alguns casos, e é aí que reside o conflito.

Como o trabalho é realizado no domicílio do trabalhador e, em certas situações, se dá com os recursos tecnológicos que este dispõe, pode ocorrer que o indivíduo não consiga dissociar o tempo destinado ao serviço do tempo destinado ao seu descanso, mantendo-o inclusive em regime de escravidão, haja vista o desregramento em sua rotina. Ou pode ainda ocorrer que os encargos envolvidos na execução do teletrabalho estejam onerando-o demasiadamente, a ponto de não compensar a remuneração advinda daí.

Desta forma, percebe-se a lesão a direitos trabalhistas, que inclusive encontram respaldo constitucional, tais como o direito ao lazer, à desconexão, ao repouso, à proteção da privacidade e intimidade e principalmente, ao da dignidade da pessoa humana, uma vez que, violar tais direitos seria o mesmo que retroceder e desmerecer toda luta que foi travada para alcançá-los.

Sendo assim, se faz interessante analisar de forma mais criteriosa o que vem a ser o teletrabalho, como se procede a questão da subordinação ao utilizar os meios telemáticos e traçar um panorama demonstrando como essa subordinação, ao ser excedida, pode vir a se configurar no teletrabalho escravo.

 

 

1. TELETRABALHO E TELETRABALHADOR

 

Tendo em vista a mudança de contexto social propiciada pelo avanço da tecnologia e trazendo essa realidade para o mercado de trabalho, verifica-se cada vez mais a interação que se estabelece entre as atividades laborais e as atividades pessoais e corriqueiras dos indivíduos, de forma que, por vezes, estas chegam a se confundir. É justamente nessa circunstância que se enquadra o teletrabalho.

Conforme entendimentos doutrinários, o teletrabalho é compreendido como o trabalho realizado fora do estabelecimento do tomador de serviço mediante utilização de meios telemáticos que garantem a subordinação necessária na relação entre as partes, como sugere Alice de Barros ao dizer que:

(...) é possível reconhecer o teletrabalhador como um autêntico empregado nos moldes previstos no art. 6º da CLT, pois, em regra, se encontra em conexão direta e permanente, por meio do computador, com o centro de dados da empresa. Por conseguinte, o empresário, credor da prestação laboral, poderá fornecer instruções, controlar a execução do trabalho e comprovar a qualidade das tarefas de modo instantâneo, como se o trabalhador estivesse no estabelecimento da empresa. (BARROS, 2007, p. 322).

Esta modalidade, ganha força no decorrer do tempo uma vez que oferece maior praticidade tanto para o empregador quanto para o empregado, conforme também se manifesta Alice Barros afirmando que:

A extensão do Direito do Trabalho vigente aos empregados a domicílio, com as adaptações necessárias às peculiaridades dessa modalidade de trabalho, constitui uma estratégia para coibir os abusos relatados e atenuar a precariedade das condições de trabalho a que se sujeitam esses prestadores de serviço. (BARROS, 2007, p. 317).

E vale ainda ressaltar as principais consequências ocasionadas com tal exercício, pois:

A par dessas vantagens, propicia uma atenção melhor aos clientes mediante a conexão informática/telemática; gera maior produtividade pelo empregado, em face do desaparecimento do absenteísmo, da eliminação do tempo perdido, sobretudo no trânsito, da maior motivação e da satisfação no exercício da atividade. (BARROS, 2007, p. 319).

Ou seja, diante de tantas facilidades e vantagens oriundas desta nova modalidade crescente, resta clara a relevância do teletrabalho no mundo contemporâneo, principalmente na sociedade brasileira. Tanto é verdade que a Lei nº 12.551 de 15 de dezembro de 2011 reconheceu finalmente que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, instituído assim, o teletrabalho no ordenamento jurídico brasileiro.

Cabe lembrar que tal colocação está de acordo com o que estabelece a Organização Internacional do Trabalho – OIT, já que para ela:

O teletrabalho é a forma de trabalho realizada a partir de um lugar distante da empresa e/ou estabelecimento, que permite a separação física entre o local onde funciona a empresa, mediante o recurso a tecnologias que facilitam a informação e a comunicação. (FILHO, 2012, p. 18).

E é importante também frisar que a instituição da referida lei, promoveu uma alteração no art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vigente no Brasil, uma vez que acrescentou o parágrafo único ao artigo em que reconhece definitivamente a modalidade do teletrabalho frente o contexto brasileiro.

Contudo, por ser uma modalidade nova e por ter sido recentemente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, o teletrabalho é ainda carente de regulamentação, fato esse que traz como consequência a possível inobservância de alguns critérios que devem ser seguidos de forma a garantir a plenitude do gozo dos direitos trabalhistas previstos inclusive constitucionalmente.

Conforme já mencionado anteriormente, o teletrabalho é um tipo de trabalho a distância comumente feito no domicílio do empregado, conferindo-lhe maior comodidade e praticidade, na tentativa de fazer com que os resultados obtidos nessa situação sejam melhores comparados aos que se realizariam no estabelecimento do tomador de serviço.

Entretanto, diante dessa facilidade, pode ocorrer situações em que o trabalhador, buscando atingir metas e querendo aumentar seus lucros, passe a trabalhar de forma praticamente ininterrupta a ponto de garantir a si mesmo um tempo reservado ao seu descanso e lazer, posto que considera que o simples fato de poder realizar seu trabalho na tranquilidade de sua casa já é suficiente.

Pode ainda ocorrer que os encargos que envolvem a realização do teletrabalho estejam onerando o empregado a ponto de não compensar a remuneração extraída, como se vê nos casos em que o custo para a manutenção das tecnologias utilizadas compromete boa parte da renda final, por exemplo.

Isso sem contar a possibilidade de o trabalhador desejar se manter sempre disponível para atender as necessidades de seu empregador, sem reservar um tempo mínimo para o seu descanso diário, posto que a qualquer momento pode ser demandado.

Sendo assim, diante de tais colocações, vislumbra-se as possíveis desvantagens que também podem surgir na realização do teletrabalho, e quanto a isso Alice Barros reforça o posicionamento ao alegar que:

Poderá ocorrer outra situação em que, não obstante aparente liberdade de iniciativa no exercício de suas atividades, o teletrabalhador se compromete a atender as pautas, prazo e condições prefixadas, recebendo ordens por e-mails ou fax, “derrubando até mesmo as barreiras que separam a vida privada da vida laboral” e demonstrando a presença de uma nova forma de subordinação. (BARROS, 2007, p.323).

Percebe-se, portanto, que a subordinação jurídica presente no exercício do teletrabalho, se for realizada de forma exorbitante, é munida de arbitrariedade podendo se configurar em uma supersubordinação, chegando até mesmo a se enquadrar como teletrabalho escravo em alguns casos.

Isto posto, se mostra interessante demonstrar o que seria essa supersubordinação e de que modo ela poderia possivelmente se transformar em teletrabalho escravo.

2 SUPERSUPORDINAÇÃO X DIREITO A DESCONEXÃO

 

 

A relação de emprego surge com o preenchimento dos requisitos objetivos celetistas previstos nos artigos 2º e 3º, quais sejam: a) trabalho prestado por pessoa física; b) pessoalidade; c) não-eventualidade; d) onerosidade; e) subordinação jurídica.

A subordinação jurídica se revela como um elemento intrínseco do contrato de trabalho, configurando o poder existente no vínculo empregatício, do qual deriva o poder de comando, controle e supervisão do trabalho do empregador, conforme assevera o art. 6º, parágrafo único da CLT. Além do poder do empregador que se exterioriza pela subordinação jurídica, tem-se também o dever de obediência do empregado, derivado da mesma fonte. (ALVARENGA, 2010).

O direito do trabalho, para Coutinho (1999), encobriria o poder e mascararia a subordinação com o contrato, reconhecendo por fim, que a empresa constituiria um espaço de macropoder.

A empresa, permanece como um espaço de macropoder, entretanto, é necessário ampliar o sentido de empresa, que, no paper em questão, não seria apenas o espaço físico, afinal, com as transformações globais impulsionadas pelas novas tecnologias, a empresa não precisa necessariamente de um espaço físico pra existir, não precisa de funcionários em uma sede física.

A subordinação do trabalhador e o macropoder da empresa, não só permaneceram incólumes, como se agigantaram, pois o trabalhador deve cumprir metas que são acompanhadas incessantemente pelo empregador que se vale dos meios telemáticos para tanto. (RESEDÁ, 2007).

O teletrabalho, na concepção de Resedá (2007), objetiva não a quantidade de horas gastas no labor, mas sim, a produtividade do funcionário, ou seja, o cumprimento de metas. Entretanto, se essas metas são desproporcionais, impossíveis de serem alcançadas, causando danos a saúde do trabalhador, ou onerando-o demasiadamente, com o objetivo de render lucro a empresa, sem o devido retorno pecuniário ao trabalhador ou sem garantir os direito mínimos de descanso, tem-se então configurado a supersubordinação. No mesmo sentido, Jorge Maior (2008), ensina:

se há uma relação de trabalho, pela qual o trabalho alheio é utilizado para o desenvolvimento de um projeto de acumulação de capital, sem o efetivo respeito aos direitos sociais (que servem, muitos deles, para preservação da saúde e para o convívio social e familiar), quebra-se o vínculo básico de uma sociedade sob a égide do Estado de Direito Social. O dado da exploração é o único que sobressai. É a exploração pela exploração, nada mais.  Aliás, a compensação de natureza social não existindo gera uma superexploração. Juridicamente falando, a subordinação se potencializa, fazendo surgir, então, a figura da supersubordinação. (MAIOR, Jorge L. S., 2008, p. 24).

Para o mesmo autor, a supersubordinação, seria o fato de o trabalhador, o ser humano, ser "reduzido à condição de força de trabalho", afinal, seus direitos fundamentais estariam sendo desrespeitados deliberadamente como estratégia econômica. Assim, o supersubordinado, seria a designação do trabalhador, que em qualquer relação de emprego, tivesse sua "cidadania negada pelo desrespeito deliberado e inescusável aos seus direitos constitucionalmente consagrados. (MAIOR, Jorge L. S., 2008, p. 24).

É necessário destacar que a supersubordinação não significa necessariamente o tolhimento total de todos os direitos do trabalhador, assim, pode-se dizer que existem níveis de supersubordinação, afinal, o trabalhador pode estar sendo supersubordinação em relação ao não recebimento de pecúnia pelas horas-extras trabalhadas, ou, pelas férias não dadas, mas o não recebimento de um deles não significa necessariamente que o outro está sendo desrespeitado. (MAIOR, Jorge, 2008).

Cabe ressaltar que, nas palavras de Jorge Maior (2008, p. 181), que o ponto de congruência entre os diferentes graus de supersubordinação seria a "tentativa de fraudar a concreta e devida aplicação dos Direitos Sociais", objetivando o lucro em detrimento da cidadania dos trabalhadores.

 Dentre os Direitos Sociais que são fraudados na supersubordinação, o direito a desconexão, que esta vinculado aos períodos de descanso do trabalhador - durante a jornada, entre jornadas, férias e o descanso semanal remunerado - será o objeto focado, pois será vislumbrado sob a ótima do teletrabalho e de seu controle através de meios telemáticos.

Primeiramente, é necessário que se defina o direito a desconexão. Para Jorge Maior (20??), o direito a desconexão seria uma expressão tipicamente utilizada para se referir aos períodos de descanso, sendo esses períodos, pausas do trabalho, desligamento completo e absoluto de todos os mecanismos que atrelem o trabalhador ao seu labor, caracterizando a ideia do "não-trabalho".

Sob outra ótica, Resedá (2007, p. 12), focando o teletrabalho como trabalho em domicílio, aduz que o direito a desconexão, seria o "direito do assalariado de não permanecer "lincado" com o empregador fora dos horários de trabalho, nos finais de semana, férias ou quaisquer outros períodos que sejam destinados ao seu descanso". E complementa citando Márcio Casagrande (2006), ao aduzir que o direito a desconexão seria a preservação do ambiente domiciliar contra novas técnicas invasivas (através de meios telemáticos) que perturbam, especialmente, a vida íntima, o convívio familiar, o repouso e o lazer do trabalhador.

Apesar de serem duas perspectivas diferentes do teletrabalho, a primeira mais geral e a segunda mais específica, fica evidente que a desconexão, o desligamento, do empregado em relação a seu labor e as ordens do empregador é essencial para que o trabalhador goze de seu descanso, em qualquer de suas modalidades.

O direito a desconexão se vincula ao direito ao lazer, contido no art. 6º da Constituição Federal de 1988, pois, com a desconexão do trabalho, o lazer apresenta-se imperioso para a manutenção da própria vida e da integridade física do teletrabalhador. No mesmo viés, Manuel Estrada (2012), trás o pensamento de Marcos Fernandes (2009), aduzindo que a jornada de trabalho excessiva, violaria o direito constitucional ao lazer, em acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. (ESTRADA, 2012).

O direito a desconexão, inicialmente, aparenta ser obedecido, entretanto, na realidade do teletrabalhado, não é o que ocorre, isso porque, apesar da garantia Constitucional e da CLT à desconexão, a realidade se mostra diferente, pois, o empregador, estende seu poder, seu comando, suas ordens, pois a empresa alcança o lar, uma vez que o vínculo não se quebra  com a saída do funcionário da empresa e que a subordinação por meios telemáticos acompanha o empregado até na residência. (RESEDÁ, 2007). Destarte, na concepção de Jorge Maior (2008), o parassubordinado seria quase sempre um supersubordinado, especialmente por essa expansão do poder de controle e gerenciamento a distância que alcança inclusive o lar do empregado.

O termo acima citado, parassubordinado, faz referência ao que seria uma subordinação indireta, pois o funcionário não está pessoalmente vinculado ao superior hierárquico, mas através de meios telemáticos, sendo esse vinculo mais tênue. (RESEDÁ, 2007). Essa tenacidade, segundo Sérgio Pinto Martins (2005), se deve ao fato da parassubordinação ser "uma categoria intermediaria entre a subordinação e a autonomia", o que seria um "novo nível" de subordinação, mitigando assim, o art. 3º da CLT, sendo mais atrelada a empregados detentores alta capacitação e autonomia na execução do trabalho.

 

3. O SURGIMENTO DA FIGURA DO TELETRABALHO ESCRAVO

O teletrabalho, segundo Frederico Silva (2004), citando Vitorrio Di Martino (1990), seria uma forma de trabalho realizado em local distante do escritório central ou instalações de produção, não tendo contato pessoal com os colegas de trabalho, sendo desenvolvido por tecnologias que facilitam a comunicação. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) aproveita do conceito de Martino, sem modificá-lo significativamente.

A Carta Europeia destinada ao teletrabalho, na tradução de Manuel Estrada (2012, p. 118) seria: "um novo modo de organização e gestão do trabalho, que tem o potencial de contribuir significativamente à melhora da qualidade de vida, a práticas de trabalho sustentáveis e à igualdade de participação por parte dos cidadãos de todos os níveis". (GBEZO, Bernard E., 1995 apud ESTRADA, Manuel, 2012, p. 118).

Por todos esses conceitos entende-se que o teletrabalho surgiu como uma possibilidade inovadora, na qual o fato de o trabalhador evitaria diversos transtornos, inclusive, o de locomoção e o consequente estresse derivado de longos congestionamentos típicos de grandes centros urbanos, além da possibilidade de o trabalho ser realizado no domicílio do próprio trabalhador seria propício à melhora da qualidade de vida.

A outra face do teletrabalho, especialmente, o teletrabalho em domicílio, revela na concepção de Salomão Resedá (2007), uma outra perspectiva, mas diferentemente dos conceitos acima apresentados, essa não é positiva, isso porque:

O fantástico mundo da tecnologia passa a transformar-se no vilão do próprio homem. A tão perseguida idéia de desenvolver as atividades em seu próprio domicílio pode vir a imprimir ao trabalhador maior dedicação da sua capacidade intelectual ao âmbito profissional por muito mais tempo do que quando laborava no interior da própria empresa. A facilidade de comunicação e de localização poderá fazer ressurgir uma nova idéia de escravidão: a tecnológica. (RESEDÁ, Salomão, 2007, pág. 7)

A escravidão tecnológica no contexto do Direito do Trabalho faz surgir um instituto conhecido como teletrabalho escravo. Mas antes, é preciso explorar um pouco a realidade que trata o procurador do Ministério Público do Trabalho de São Paulo Gustavo Filipe Barbosa Garcia, que em entrevista ao MPT/ES aduziu que:

O teletrabalho, conforme a situação, pode se tornar algo parecido com uma "escravidão" para o trabalhador, pois há casos em que o trabalhador ganha por produção. Se quanto mais ela trabalhar mais ela vai ganhar, então ele vai começar a trabalhar o dia todo, até de madrugada, e não vai ter convívio com a família”.

Se for a hipótese do telecentro é pior ainda. Imagine você pagando por hora de utilização do telecentro, tirando do seu salário para pagar para utilizar o espaço?”. Para ele, transferir até isso para o empregado, que já não recebe um salário alto é uma perversidade. (MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, Imprensa, 2012).

 

Completou o promotor questionando sobre a diminuição da capacidade sindical, de união e de protesto dos trabalhadores, que foram necessários para a garantia de diversos direito, uma vez que os mesmos perderiam força pelo isolamento físico.

O conceito de teletrabalho escravo, propriamente dito, é apresentado por Manuel Estrada (2012), que seria:

aquele que em vez de ser realizado no mundo físico é realizado na internet através de ferramentas tecnológicas que permitem o uso da telecomunicação e telemática, privando ao teletrabalhador da sua liberdade por causa do controle virtual (mais ainda no teletrabalho em domicílio) e que se encontra privado de romper o vínculo em razão de coação moral ou psicológica advinda de dívidas artificiais contraídas com o empregador. (PINO ESTRADA, Manuel Martín, 2012, p. 135).

 

Além disso, existem outras características elencadas pelo autor, que seriam: 1) a interiorização do trabalho em seu próprio domicilio e o consequente isolamento dentro da próprio lar; 2) O trabalhador acaba arcando com condições desfavoráveis para a realização do seu labor, uma vez que a empresa não auxilia financeiramente com esse tipo de problema, o fato que feriria conceitos celetistas; 3) O fato de ficar de sobreaviso quase que em tempo integral, ainda que sem receber a remuneração, as horas-extras e sem ter o devido descanso, poder ter acesso ao lazer pela desconexão; 4) Problemas de saúde pelo excesso de tempo e exposição aos instrumentos de trabalho, sendo tanto de ordem psicológica quanto física; 5) Afastamento do campo profissional e até falta de treinamento por estar isolado do "ambiente da sede física da empresa"; 6) Problema em provar que houve acidente de trabalho; 7) A inversão dos custos de produção, afinal, o trabalhador que vai arcar com a conta de luz elétrica, água, alimentação, sem que haver compensações para tanto, fazendo com que o trabalhador tenha que atender mais metas para financiar esses custos. (PINO ESTRADA, Manuel Martín, 2012, págs. 128-130).

É importante destacar que existe, claramente, uma supersubordinação, nesse caso, uma "parassupersubordinação" ou uma "telesupersubordinação", pois a supersubordinação é feita a distância, através de meios telemáticos, entretanto, o que caracteriza o teletrabalho escravo não é somente a supressão dos direitos constitucionalmente garantidos ou dos direitos celetistas, mas, como disse Manuel Estrada (2012), é "a coação moral ou psicológica advinda de dívidas artificiais contraídas com o empregador" que o impedem de romper o vínculo.

Com isso tudo demonstrado, é fato que o teletrabalho escravo, bem como a supersubordinação a ele vinculada, acaba por ferir o direito a desconexão, tendo o ator escravizador o dever reparar em acordo o art. 927 do Código Civil, bem como as horas-extras devidas em razão da sobrejornada e até mesmo de sobreaviso, além dos demais direitos não respeitados que devem ser analisados no caso concreto.

Destarte, diante do que foi apresentado, a ideia de escravidão digital, de um prisioneiro dos meios de comando, controle e supervisão distorce totalmente o objetivo do que seria o teletrabalho e suas benesses, devendo ser observado pelos órgãos responsáveis pela fiscalização das condições de trabalho e evitar que casos como esses ocorram.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O teletrabalho é um instituto novo e ainda em transformação, começando a ser mais reconhecido no Brasil, inclusive, com a modificação da CLT, passou a ter alguma legislação infraconstitucional que tratando do assunto. Entretanto, ainda existe algumas deficiências, especialmente no tocante a supersubordinação, que parece ganhar mais força nesse instituto, isso porque, a fiscalização se torna precária uma vez que se perde a concentração do trabalho do empregado, podendo ele laborar em qualquer lugar, e os fiscais não tem como analisar facilmente cada situação.

Outro ponto que deve ser destacado é a questão da inversão dos custos de produção sem a devida remuneração, o tolhimento da liberdade e do direito a desconexão pelo fato de teletrabalho por vezes ser realizado no domicílio do trabalhador e que sua produção é acompanhada em tempo real, sendo esse o fato determinante para sua remuneração, pois como já foi falado, esse instituto prima pela produção, pelo atendimento de metas e não pelas horas, assim, se for preciso extrapolar a jornada para atingir uma meta quase inalcançável, assim o será e sem a devida remuneração em troca, pelo menos na maioria dos casos.

Por fim, o teletrabalho escravo surge como a faceta final do teletrabalho, se diferenciando da supersubordinação pelo fato de que no primeiro instituto, teletrabalho escravo, os direito fundamentais e celetistas são tolhidos do trabalhador devido a uma "coação moral ou psicológica advinda de dívidas artificiais contraídas com o empregador" que o impedem de romper o vínculo", transformando o cidadão de direito em uma força produtiva desprovida de garantias e direitos, e na supersubordinação, não há coação, mas há gradações de seu restrição de direitos.

Destarte, o teletrabalho pode ser uma excelente alternativa para o resolver problemas da modernidade característicos de grandes centros urbanos, entretanto, se não houverem leis que regulamentem de forma mais intensa e até mesmo fiscalização das empresas, pode-se criar uma situação de sobrecarga do trabalhador e inversão de ônus produtivo, impedindo que o trabalhador goze das benesses do teletrabalho e desfrute dos seus direitos de descanso e lazer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

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