O presente trabalho, de enfoque antropológico, aborda os tambores rituais bimembranófonos utilizados principalmente no batuque, uma religião do chamado modelo jêje-nagô característica do Estado do Rio Grande do Sul, no extremo-sul brasileiro; e secundariamente, os tambores do xangô do Pernambuco e do tambor-demina do Maranhão, ambos estados do nordeste do Brasil, que utilizam instrumentos do mesmo tipo. Nos finais do texto levanto algumas questões mais amplas que envolvem o tambor, a música e a rítmica corporal, projetando-as, comparativamente, sobre o pano de fundo da visão de mundo do batuque e do cristianismo ocidental.

Para contextualizar o tambor no universo religioso do batuque, delineio os traços mais marcantes desta religião e os principais eventos onde é executado, as solenidades para os deuses e para os mortos. Ilustrando a importância que possui nesse universo, relato dois episódios que assisti, em que o tambor ocupava o centro da questão.

Os dados sobre os tambores rio-grandenses foram obtidos a partir de pesquisas de campo que desenvolvi, entre 1969 e 1989, junto a muitos templos de batuque, em Porto Alegre, capital do Estado. Durante e depois deste período, ainda, compareci a festas de batuque em Montevidéu, no Uruguai e Buenos Aires, na Argentina, para onde foram levados por sacerdotes e iniciados. A metodologia compreendeu, a partir de uma abordagem qualitativa, a utilização de entrevistas, histórias de vida e observações, além de experiências pessoais, uma vez que aprendi razoavelmente a executar estes instrumentos e os cânticos sagrados que acompanham.

Pude observar tambores atuando (assim como pude executá-los), também, em rituais do tambor-de-mina, em São Luís, a capital maranhense, onde moro, hoje, e em um dos locais para os quais migraram, tudo indica, a partir daí: Belém, capital do Pará. Observei-os, em ação, ainda, em cerimônias do xangô, em Recife, capital pernambucana. E, finalmente, em Havana, Cuba, pude examinar o modelo local do instrumento, experimentar sua sonoridade.

Objetivando contextualizar a localização e origens destes instrumentos no território brasileiro, componho um breve histórico da escravidão africana no Brasil, com ênfase no Rio Grande do Sul.