SUSTENTABILIDADE EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO
Publicado em 23 de fevereiro de 2010 por Rafael de Carvalho Missiunas
1. INTRODUÇÃO
O ilustre sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos
(2001, p. 56) sintetiza bem o modelo de relação entre os homens e a natureza,
que o sistema capitalista vem adotando nos últimos tempos:
A
promessa da dominação da natureza, e do seu uso para benefício comum da
humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos
naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de
ozônio, e à emergência da biotecnologia, da engenharia genética e da
conseqüente conversão do corpo humano em mercadoria.
Nesse mesmo sentido, o
pensador francês, Félix Guattari (1990, p. 9), defende que somente haverá uma
resposta à crise sócio-ecológica, se for em escala planetária e com o
surgimento de uma autêntica revolução política, social e cultural, a qual
reoriente os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Logo, o
referido autor também defende um rompimento total com o sistema capitalista
vigente, reconhecendo os efeitos drásticos do Capital sobre países do Sul:
Uma finalidade do
trabalho social regulada de maneira unívoca por uma economia de lucro e por
relações de poder só pode, no momento, levar a dramáticos impasses – o que fica
manifesto no absurdo das tutelas econômicas que pesam sobre o Terceiro Mundo e
conduzem algumas de suas regiões a uma pauperização absoluta e irreversível.
Neste artigo, trataremos
da questão da sustentabilidade, diferenciando do conceito de desenvolvimento
sustentável, o qual já se apresenta esgotado desde Estocolmo, por se inserir em
premissas ainda ligada ao ideal de progresso vigente nos sistemas capitalistas
e até no próprio socialismo realmente existente que ainda continua a adotá-lo
como possível modelo. Para isso, convém citar Diegues (1996, p. 25):
O conceito de “sociedades
sustentáveis” parece ser mais adequado que o de “desenvolvimento sustentável”,
na medida em que possibilita a cada uma delas definir seus padrões de padrões
de produção e consumo, bem como o de bem-estar a partir de sua cultura, de seu
desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural. Além disso, deixa-se de
lado o padrão das sociedades industrializadas, enfatizando-se a possibilidade
de existência de uma diversidade de sociedades sustentáveis, desde que pautadas
pelos princípios básicos da sustentabilidade ecológica, econômica, social e
política.
Nesse sentido, trabalharemos com o conceito de uma Sustentabilidade
Socioambiental que, segundo Carlos Frederico B. Loureiro (2006), é o
pressuposto balizador das ações para a construção de uma sociedade sustentável,
na qual não seja considerado o crescimento econômico como fator de satisfação
social, obedecendo aos interesses do mercado, e sim o respeito à
diversidade cultural, a busca por
justiça social, a promoção de relações produtivas coletivistas, a preservação e
a conservação ambiental, o equilíbrio ecossistêmico e o fortalecimento de
instituições democráticas.
No que tange aos instrumentos sócio-jurídicos disponíveis
para a construção de sociedades sustentáveis, valemo-nos do Prof. Henri
Acselrad, o qual afirma a necessidade de trazer a discussão sobre a
sustentabilidade para o campo das relações sociais, já que não há sentido falar
da natureza sem a sociedade, pois a sociedade só existe em relação com a
natureza, nas diferentes acepções que a esta possam ser atribuídas:
“A sustentabilidade
remete a relações entre a sociedade e a base material de sua reprodução.
Portanto, não se trata de uma sustentabilidade dos recursos e do meio ambiente,
mas sim das formas sociais de apropriação e uso desses recursos e deste
ambiente. Pensar dessa maneira implica certamente em se debruçar sobre a luta
social, posto que se torna visível a vigência de uma disputa entre diferentes
modos de apropriação e uso da base material das sociedades.” (ACSELRAD, 2009)
2. SUSTENTABILIDADE E GLOBALIZAÇÃO
Como afirma Edis Milaré (2001, p. 184): “viver de forma
sustentável implica aceitação do dever da busca de harmonia com as outras
pessoas e com a natureza, no contexto do Direito Natural e do Direito
Positivo.” Como bem lembram, Séguin e Carrera (2001, p. 30):
O tema ambiental
extrapola os limites territoriais de um país, pois a Natureza não conhece
fronteiras políticas. O
processo de globalização insere os aspectos econômicos e ecológicos num novo
quadro político e ideológico do qual o Direito não pode ser excluído.
Então, pretendemos
através do estudo do Direito Ambiental, contribuir para a construção de um
pensamento crítico sobre a sustentabilidade, pois há a necessidade da inclusão
das questões sociais neste debate, conforme afirma o ilustre Prof. Henri
Acselrad:
É difícil não
perceber que o debate sobre sustentabilidade tem se pautado predominantemente
pelo recurso a categorizações socialmente vazias. Ou seja, as noções evocadas
costumam não contemplar a diversidade social e as contradições que perpassam a
sociedade quando está em jogo a legitimidade de diferentes modalidades de apropriação
dos recursos do território. Os diagnósticos e as definições têm se situado no
campo técnico, apresentando-se como descolados da dinâmica da sociedade e,
consequentemente, da luta social. (ACSELRAD, 2009)
O Prof. Carlos Walter Porto
Gonçalves (2004, p. 23) nos relata a existência de um desafio ambiental no
período atual, de globalização neoliberal, diferentemente dos outros períodos
que o antecederam pela especificidade deste desafio, pois até os anos 1960, a dominação da natureza não era uma questão
e, sim, uma solução para o desenvolvimento. Então, é a partir dessa
globalização que intervém explicitamente a questão ambiental.
O ilustre autor, em seu livro
“A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização”, também questiona o sistema-mundo moderno-colonial,
defendendo que não há razão para tal:
Como e porque os recursos naturais
devem continuar fluindo do sul para o norte? A globalização neoliberal é uma
resposta de superação capitalista a essas questões, para o que, sem dúvida,
procura, à sua moda, apropriar-se de reivindicações como o direito a diferença,
para com ele justificar a desigualdade e, também, assimilar à sua lógica do
mercado a questão ambiental. (GONÇALVES, 2005)
Nesse sentido, o professor da Universidade de
Michigan, Fernando Coronil, relata que a globalização está fazendo aumentar as
desigualdades sociais e a destruição da natureza, então, defende a necessidade
de elaboração de estudos críticos para o combate ao discurso neoliberal:
A
mágica do imperialismo contemporâneo reside em conjurar seu próprio
desaparecimento fazendo com que o mercado apareça como a personificação da
racionalidade humana e da felicidade. Os discursos dominantes da globalização
oferecem a ilusão de um mundo homogêneo que avança constantemente em direção ao
progresso. Mas a globalização está intensificando as divisões da humanidade e
acelerando a destruição da natureza. Os estudos pós-coloniais deveriam
enfrentar as seduções e promessas da globalização neoliberal. (CORONIL, 2005)
Nesse mesmo sentido, o Prof.
Fernando Coronil defende a importância de se buscar alternativas ao atual
sistema capitalista:
Uma crítica que desmitifique as afirmações
universalistas do discurso de globalização, mas que reconheça seu potencial
libertador, deveria tornar menos tolerável a destruição da natureza e a
degradação das vidas humanas por parte do capitalismo. Esta crítica será
desenvolvida em diálogo com idéias surgidas nos espaços nos quais se imaginam
futuros alternativos para a humanidade, seja em “focos de resistência” ao
capital, em lugares ainda livres de sua hegemonia, ou no seio de suas
contradições internas.(CORONIL: 2005).
Um dos mais importantes ambientalistas da atualidade,
o Prof. Enrique Leff, o qual está à frente da Rede de Formação Ambiental para a
América Latina e o Caribe no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente,
afirma que as visões ecologistas e as soluções conservacionistas dos países do
Norte são inadequadas e insuficientes para compreender e tentar resolver a
problemática ambiental dos países do Sul:
A diversidade
cultural e ecológica das nações ‘subdesenvolvidas’ abrem perspectivas mais
complexas de análises das relações sociedade-natureza para pensar a articulação
de processos ecológicos, tecnológicos e culturais que determinam a manipulação
integrada e sustentável de seus recursos. (LEFF, 2006)
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, podemos afirmar que a sustentabilidade
deve ser abordada sob os seus vários aspectos: econômico, social, cultural,
político, tecnológico, jurídico e outros, buscando-se um novo paradigma ou
modelo, diferentemente do desenvolvimento autofágico adotado desde a Revolução
Industrial, o qual é o responsável pela insustentabilidade
do mundo de hoje, seja no que se refere ao Planeta Terra quanto às famílias humanas
(MILARÉ, 2007).
Então, há a necessidade de se buscar alternativas de
produção e consumo sustentáveis, pois, conforme afirma o Prof. Paulo Affonso
Leme Machado (2006, p. 232), o dinheiro que financia a produção e o consumo
fica atrelado à moralidade e à legalidade dessa produção e desse consumo, logo,
a destinação desse dinheiro não é neutra ou destituída de coloração ética, não
podendo, portanto, financiar a poluição e a degradação da natureza. Não sendo,
então, por acaso que a própria Constituição do País deixou expresso que o
sistema financeiro nacional deve "servir aos interesses da
coletividade", em seu art.192.
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