SUSPIRO DA ALMA EM FACE DO LABOR TERRENO

     Encontramo-nos, Senhor, num estágio de indagações, numa situação em que os questionamentos nos afligem, por um lado pelo que somos, por outro pelo que fazemos e muito mais pelo que deixamos de fazer. Entretanto, ó Soberano, lembramo-nos de um fato que nos leva a revolver nosso ser, como que procurando encontrar  explicações do porquê sermos quase isentos de virtudes e, as poucas que há em nós, na maioria das vezes, acabam por sucumbirem ante as vicissitudes da vida. É nesse momento que clamamos a Ti, que buscamos conforto e sabedoria para vencermos as intempéries que se abatem sobre nossa frágil nau. Desse tomada de posição, frente ao querer e o não poder, surge um estado em que as emoções nos assaltam, ao considerarmos nosso ser tão aquém da fonte divina. Mas, Altíssimo, algo em nós renasce, como um Fênix das cinzas, para nos fazer meditar na transitoriedade da existência, ladeada pelo desejo incessante de atingirmos o patamar sagrado. É justamente nesse frenesi de contrariedades, que descemos ainda mais ao nível em que realmente tem sido nosso lugar: nossa condição fugaz de “feito à imagem conforme à semelhança’, que faz remoer nosso âmago em busca de uma palavra que nos coloque em sintonia contigo.
     Mil questões nos assaltam para as quais não temos respostas, prostrando-nos por terra, ao percebermos que somos como um vento, uma névoa que se esvai pela ação do tempo. Perguntamos: por que, ó Eterno, essa guerra que dilacera nossa alma, com o combustível que a alimenta, ocasionando um estado de torpor ante o destino que se nos apresenta? Uma luta renhida entre a matéria e o espírito? Quando não poucas vezes a carne vence, porque esse combustível que arde incessantemente injeta forças na arma que dispara seus petardos contra nosso lado imaterial. É nessa guerra que buscamos forças em Ti, ó magno Ser, quando desejamos ardentemente que o espiritual sobreponha-se ao perecível. Não é possível que um segmento limitado, nossa faceta terrena, que é pó, que ao seio da terra retornará, que sofrerá corrupção, apodrecendo mesmo, possa nortear o imaterial, o sopro divino que retornará às lides eternas!
     Temos, magnânimo Senhor, um desejo ardente e constante de isolarmos, restringirmos das coisas que se opõem ao nosso espírito, o “soldado” que luta com o perecível ser, para que nosso espírito prevaleça e possa apagar as chamas geradas por esse combustível que arde, o qual se instalou em nossa origem. Como lutamos em sermos revestidos da indumentária eterna! Que ela seja nosso escudo que desvie os dardos inflamados do inimigo! Tão significativa para nós será a vitória, quando o novo homem conseguir fazer o velho homem sucumbir, inerte, sob seus pés.
     Sim, eterno Criador. É nesse labor em que vivemos, ávidos por desprezar os oferecimentos do mundo, agarrando-nos à tábua de salvação, uma dádiva eterna oriunda de tuas mãos.  Só assim as forças do mal, da concupiscência, não terão mais domínio sobre o remido pelo carmesim divino.  E, de posse dessa dádiva perene, aguardamos impacientes o tempo em que, eternamente agradecidos, possamos glorificar, exaltar o grande Eu Sou na dimensão celestial.
     Mas, Senhor, permita-nos que, desde já O reconheçamos como o Idealizador por excelência, o Autor, e consumador dos séculos, e que sejamos espelhos a refletir Tua imagem aos que nos cercam. Não nos deixes entregues a nós mesmo, a nossos devaneios e que Tuas virtudes prevaleçam em nós, contra aquilo que procura tomar posse de nosso ser. Dá-nos guarida no Teu seio de amor, habitando nosso ser, porque somos feitura tua, teu templo, o único edifício que Tu habitas nesta dimensão. Com tua mão guia-nos pelas sendas tortuosas deste solar, onde os apelos do mundo são as desgraças dos que se entregam aos seus chamados. Sê conosco Bom e eterno Pai, para que o Caminho e a Verdade sejam nosso itinerário que conduzem às moradas eternas, onde nos espera o Leão da tribo de Judá, revestido de sua indumentária de antes que existisse mundo. A ti, nosso pleito de gratidão e louvor pelo teu infinito amor. Socorre-nos Senhor, antes que o tênue lampejo da existência se esvaia!