Considerado o pai da criminologia, Lombroso defendia a idéia de crime como um fenômeno biológico (o criminoso nato), e do criminoso como um ser atávico, que lhe rendeu muitas críticas e mais tarde enfatizou a loucura, a educação pobre e a condição social como causas da criminalidade.

Para traçar a comparação entre as teorias do mestre italiano e a atividade dos policiais quanto à identificação e abordagem do potencial criminoso em suas rondas, buscamos a pesquisa da socióloga e mestre em Ciências Sociais, Dyane Brito Reis, sobre a suspeição policial na cidade de Salvador, que procura compreender o negro ou mestiço como a imagem que a policia constrói sobre o tipo social que considera suspeito, ainda que, entre os policiais entrevistados, nenhuma formação nesse sentido tenha sido passada, tampouco têm conhecimento acerca das idéias de Lombroso.

Percebe-se que os elementos definidos por Lombroso que classificariam os indivíduos como potenciais criminosos, ainda persistem na sociedade moderna e constituem fonte inspiradora na suspeição policial. As tatuagens, cicatrizes, tipo de cabelo e cor da pele, o modo de andar e condição social servem de indícios para o reconhecimento de criminosos pelos policiais.

De maneira usual, as características físicas, o desleixo na aparência, cabelos desalinhados, roupas velhas, o uso de sandálias de borracha e o peito nu praticados pelos indivíduos do sexo masculino, encontrados em moradores de determinados bairros, como resultado do desequilíbrio sócio-econômico, são associados, pelos policiais, ao crime e à delinqüência, gerando uma segregação dos bairros populares, culminando em uma discriminação social, como bem pontua Reis, quando diz que "dentro do bairro todos são marginais e fora dele todos são suspeitos".

Os policiais afirmam que utilizam a vivência como reconhecimento de algumas características, quase infalíveis, para a identificação de um suspeito, como as roupas, o modo de andar e falar; negros; gestos e fisionomia.

A teoria lombrosiana cometeu alguns exageros, mas suas analises e estudos de inúmeros indivíduos e grupos de condenados nas prisões abriram nova estrada no entendimento e luta contra o crime. A classificação realizada por ele buscava a não responsabilização do criminoso nato, visto ser ele um ser doente, diferente na sua conformação biológica, em nada valendo seu livre arbítrio, devendo ser tratado e reconduzido à sociedade.

Lombroso faz referência, entretanto, aos casos intratáveis, de impossível re-socialização, restando a estes a neutralização.

No texto em que Dyane relata as entrevistas que realizou entre os policiais, pode-se observar uma espécie de atividade lombrosiana às avessas, em que os policiais, por métodos puramente instintivos, baseados no preconceito que permeia o imaginário cultural, elegem características e alguns aspectos fisionômicos, ligados estritamente à raça e condição social, para indicar os indivíduos passíveis de delinqüência, procedendo à abordagem, constrangimento e subseqüente detenção para averiguação.

O reconhecimento de aspectos fisionômicos, caracteres biológicos, modo de andar e gesticular, traje e tipo de cabelo usados por determinados grupos de condenados, para Lombroso era meio de não responsabilizá-los pelas suas ações delinqüentes, merecendo tratamento diferenciado para a cura ou reeducação. Para os policiais, esses mesmos atributos merecem, também, tratamento distinto, mas ao contrário, como meio de torná-los responsáveis morais e sociais por atividade criminal futura.

Na maioria das vezes, aqueles policiais pertencem à mesma classe social e matriz étnico-racial, mas que negam sua condição na tentativa de se eximir do estigma da inferioridade imposta à nossa cultura pelos colonizadores. Dessa forma, suas atitudes acabam encontrando eco no "atavismo criminoso", "criminalidade das raças inferiores", "craniometria criminal", "criminoso nato", "regionalização penal", desenvolvidas por Lombroso no seu famoso livro "O criminoso nato".

Ainda que as idéias de Beccaria tenham defendido o Direito contra o arbítrio e a prepotência daqueles tempos, imprimindo ao direito Penal o cunho sistemático da ciência jurídica, cujo objeto, no plano teórico, foi o estudo do delito e da pena, do ponto de vista jurídico e, no plano prático, a extinção do arbítrio judicial e mitigação geral das penas,esse arbítrio ainda é utilizado no exercício das funções pelos policiais da cidade de Salvador.

Por outro lado, embora Lombroso seja muito criticado pelo exagero na "anatomia do criminoso", a idéia de fatores bioquímicos e genéticos relacionados à criminalidade tem muitos defensores nos dias atuais, bem como as estratégias estigmatizantes de um tipo suspeito, que vem se perpetuando na construção social discriminatória da ação policial.


Como citar este artigo segundo as normas da ABNT:

MUNIZ, Rosaury F. V. Sampaio Muniz. Suspeição Policial – influência de Lombroso . Jornal Novo Paradigma - Escritório Modelo Manoel Ribeiro, Faculdade de Direito da UCSAL, p. 06 - 06, 25, 2008-2009.