No contexto histórico, verifica-se que a aplicação de tais medidas a indivíduos da mesma condição pessoal, que os acima referidos, representavam risco para a sociedade remonta a um passado distante.[1]

O Código de Manu já previa dispositivos de caráter preventivo diversos da pena. Marco Aurélio imperador ao tomar conhecimento de um individuo que havia perdido a razão e cometido um parricídio, após concluir pela falta de capacidade de imputação do autor diante do seu estado mental patológico, ordenou que se o pusesse em custódia para evitar a reprodução de outros fatos criminosos, visando garantir a ordem coletiva.

As medidas mais antigas aplicadas aos doentes mentais se deram em Roma visando tornar reclusos os furiosis, foram lhes impostas internações em casas de custódias, assim evitando que oferecessem perigo a sociedade e viessem a incidir em fatos criminosos.

Sustenta Ferrari que a medida de segurança a princípio, era aplicada como meio preventivo às ações dos menores infratores, ébrios habituais ou vagabundos, e constituía-se em um meio de defesa social contra atos anti-sociais. Para a sua aplicação não se exigia nem mesmo a prática de um delito, somente que o destinatário representasse perigo para a sociedade (Ferrari, 2001. P.16).

Mas foi no século XIX que as medidas de segurança tomou natureza jurídica diversa da que era lhe conferida. Percebeu-se que a sanção penal pena não impedia o aumento da criminalidade, colocou-se em cheque sua existência naqueles moldes e passou-se a refletir sobre uma nova forma de resposta jurídico penal.

 Repensando o sistema até então aplicado, os estudiosos concluíram pela importância de aplicação de métodos preventistas, representados no tratamento do delinqüente e na sua segregação, como respostas jurídico-penal, em substituição as ideias retributivas aplicadas naquela época.

As discussões sobre a ineficácia da pena e a necessidade de uma resposta jurídico-penal que primasse pela defesa social fizeram surgir correntes de posicionamentos diversos.

Os adeptos da primeira corrente sustentavam a ideia de que a criminalidade que se apresentava não justificava a criação de uma nova sanção-penal. A pena deveria ser a única resposta jurídico-penal aplicada por vezes de forma desvirtuada.

Por outro lado os adeptos da segunda corrente proclamavam que o caráter retributivo da pena deveria ser mantido, devendo ser elaborado uma resposta essencialmente preventiva.

Apontavam as duas correntes um ponto em comum ao estabelecerem que o direito penal não poderia se limitar tão somente a ponderação do crime isoladamente, sem considerar a condição pessoal do infrator e com a finalidade única de punição.

Passaram então a propor moderações ao caráter retributivo, entre eles o princípio da legalidade penal, bem como, a proporcionalidade entre as infrações e suas conseqüências jurídicas primando pela utilidade, correção e paz social.

Primava-se agora pela prevenção da reincidência. A intimidação dos infratores e potenciais infratores por sua vez ganhava espaço, preferindo-se prevenir a prática de infrações penais ao invés de castigar o infrator. A pena agora não mais visava punir o corpo e sim alcançar uma finalidade eficaz motivada na prevenção ao crime.

Mais que a prevenção, traçou-se ainda a necessidade de conservação da paz social, justificando assim a internação do infrator detentor da condição pessoal de inimputabilidade penal.

 

Influências ao Instituto

 

 A partir dessa época recaem sobre o instituto da medida de segurança as influências da Escola Positivista Italiana, que convictos da necessidade de se ponderar sobre uma sanção penal e o seu fundamento político, faziam oposição a forma clássica de aplicação das medidas de segurança.

Em contradição a forma convencional esta escola não exaltava fins retributivo ou intimidatório, mas tratava o delito como uma patologia social que somente poderia ser curado com a imposição de um tratamento forçado durante a aplicação da sanção-penal.

Ao tratar dessa fase de desenvolvimento da medida de segurança e a influência da escola positivista italiana (Ferrari, 2001. P.20) afirma o seguinte:

Ao adotar a ideologia do tratamento, optavam por uma concepção preventista, selecionando na Defesa Social, no Determinismo, na Periculosidade e no Utilitarismo os princípios imanentes a essa categoria de resposta sancionatória.

Limito-me ao tratar dessa fase somente com o já citado, mencionando o acima exposto pela sua importância histórica ao desenvolvimento das medidas de segurança. Avanço historicamente nesse ponto ao desenvolvimento da matéria, na legislação brasileira, por considerar mais relevante ao trabalho ora proposto.

 

 

 

Desenvolvimento da Medida De Segurança No Brasil

 

Desenvolveu-se no Brasil antes do ano de 1893 algumas legislações sobre o instituto da medida de segurança, todavia, ainda sob a nomenclatura de pena. No Código Criminal do Império, disciplinou-se que cabia ao Juiz criminal decidir quando da ocorrência de um delito praticado por um louco, o seu encaminhamento a família ou a casas especializadas no seu tratamento. Todavia, tratava-se essencialmente de uma medida mais humanitária do que sancionatória, já que era impossível à época o julgamento de um infrator louco.

Por outro lado no Código Penal da República de 1890 previa a internação de loucos infratores em hospitais destinados a doentes mentais, ou a sua entrega a familiares, porém, ainda fixou-se naquele código casos de interdição, perda ou suspensão do emprego público.

Em 1903 disciplinou-se através do decreto 1.132 de 22 de dezembro de1903 aprimeira medida de segurança, chamada de medida de tratamento. Tal medida consistia preliminarmente, no internamento dos doentes mentais infratores, que subvertessem a ordem e a segurança públicas, em estabelecimentos destinados aos portadores de doenças mentais.

 Mas foi no Projeto do Código Penal criado por Galdino Siqueira em 1913 que se evidenciou uma nova sanção penal, posto que a este projeto foi incluída uma pena complementar, que deveria ser imposta ao reincidente perigoso. Esta pena complementar tinha duração três vezes superior ao da pena antes imposta, todavia, limitada em qualquer circunstância à 15 anos de duração.

Em 1927 surgiu novamente com o Projeto do Código Penal de autoria de Virgilio de Sá Pereira o termo medida de tratamento. O referido código foi elaborado sob as influências do Código Suíço e do Projeto de Rocco, por tal motivo, de modo ainda que limitado, tratou de temas como a periculosidade criminal, habitualidade e medidas pós-delituosas. Exigia-se para a aplicação da medida de tratamento apenas a periculosidade social, que diferenciava-se da periculosidade criminal, e criou uma nova modalidade de delinqüentes, a quem atribuiu uma imputabilidade restrita.

Tal Projeto passou por duas revisões, sendo a primeira em 1928 e a segunda em 1933, não tendo obtido êxito na sua aplicação.  Foi somente no Código Penal de 1940 que o tema das medidas de segurança foi concretizado em nossa legislação.

O Código Penal de 1940 ao disciplinar o instituto da medida de segurança adotou em sua sistematização o sistema duplo binário, tendo a pena e a medida de segurança a mesma normatização. A medida de segurança, quando aplicadas aos penalmente imputáveis, tinha o papel de complementar a pena aplicada, por outro lado quando a medida de segurança era aplicada aos inimputáveis, fazia em substituição à pena.

O sistema duplo binário permitia ao julgador aplicar cumulativamente dois tipos de sanção penal, ou seja, pena e medida de segurança ao mesmo tempo.

Para a aplicação deste instituto exigia-se alguns requisitos essenciais. O primeiro deles era a prática de um fato definido como crime, e o segundo a periculosidade social do infrator. Todavia, mesmo nos casos de crime impossível e de excludentes de ilicitude, a medida de segurança tinha sua aplicação legitimada somente com base na periculosidade social do agente, relativizando assim o principio da legalidade.

O art.78 do Código Penal de 1940 estabelecia um rol onde deveria se presumir a periculosidade do agente, e nestes casos era desnecessário o requisito de aplicação fundado na prática de fato definido como crime.

Ao imputável as medidas de seguranças eram aplicadas após o cumprimento da pena, que durante a sua execução, foi de alguma forma diminuída.

Consoante disposição daquele código as medidas de segurança durariam enquanto permanecesse a condição de periculosidade do agente destinatário, todavia, havia um tempo mínimo estabelecido para o cumprimento da medida de segurança, deixando de considerar a cessão da periculosidade antes daquele prazo.

Naquele código as medidas de segurança classificavam-se como pessoais ou patrimoniais e eram aplicadas de acordo com a gravidade do delito cometido, levando-se em conta a periculosidade social do agente, aplicada a este em razão da sua condição pessoal.

As medidas de segurança pessoais poderiam ser ainda classificadas em detentivas ou não-detentivas. Alguns exemplos de medida de segurança detentiva eram a internação do infrator em manicômio judiciário, casa de custódia e tratamento, colônia agrícola, dentre outros.  Quanto aos exemplos de medidas não-detentivas tínhamos a liberdade vigiada e a proibição de frequentar determinados lugares.

As medidas de segurança patrimoniais previam o confisco de bens, a interdição de estabelecimento, dentre outras medidas de constrição de bens patrimoniais.

Embora a aplicação da medida de segurança estivesse subordinada sua aplicação aos requisitos acima descritos, em alguns casos a sua aplicação desconsiderava o principio da legalidade posto no art.75 do Código ao permitir a aplicação fundada somente na periculosidade social do agente e sem exigência do prévio cometimento de um delito. Era, portanto, a medida de segurança de aplicação inconsistente, estabelecia requisito de aplicação e em alguns casos o desconsiderava, presumindo a delinqüência de alguns agentes.

A lei penal nestes casos afirma (FERRARI,2001) substituía-se ao juiz no reconhecimento da periculosidade, dispensando a averiguação judicial, com a conseqüente presunção de periculosidade.

Quanto ao seu tempo de aplicação a lei penal estabelecia apenas um limite mínimo de cumprimento obrigatório, todavia, não era admitido o prazo máximo de cumprimento, este ficava a cargo da cessação da periculosidade por vezes presumida.

A não limitação de tempo máximo de cumprimento era fundada na proteção social e deveria persistir até a total recuperação do individuo, tido como não mais atentatório contra a vida social.

Não havia preocupação com a segregação do agente, pois o que se objetivava realmente era a proteção social, e não o efetivo tratamento do agente presumido delinqüente. Dessa forma perpetuava-se uma sanção penal investida de um termo que falsamente garantia tratamento a moléstia do agente.

Em 1969 foi publicado, mediante o decreto-lei 1.004, o novo Código Penal, decorrente da apresentação realizada anteriormente em 1963 de autoria de Nelson Hungria, mantendo-se quase que inteiramente o código penal de 1940. Ao tratar das medidas de segurança pessoais, acrescentou às medidas não-detentivas a cassação da habilitação para dirigir veículos automotores e a interdição do exercício da profissão.

Algumas modificações terminológicas foram incluídas ao Código, enquanto o anterior tratava os destinatários das medidas de segurança como irresponsáveis, o Código Penal de 1969 passou a descrevê-los como inimputáveis.

Neste código passou-se a proibir a aplicação da pena para posteriormente se aplicar a medida de segurança. Dessa forma não era possível mais cumular a aplicação das sanções penais, ou seja, pena e medida de segurança, afastava-se, portanto, o sistema duplo binário.

Agora o juiz deveria decidir se o individuo era imputável ou inimputável, cabendo naquele caso a aplicação de pena ou medida de segurança. Na duvida, sobre a imputabilidade ou inimputabilidade, deveria o julgador optar por aplicar somente uma das sanções.

Com a proibição de cumulação de pena e medida de segurança nasce no Brasil o sistema vicariante, que estabelece a aplicação de apenas uma modalidade de sanção, seja ela pena ou medida de segurança.

Todavia, há quem discorde que o sistema adotado pelo Brasil é o vicariante, os que discordam sustentam que na verdade o sistema adotado pelo Código Penal Pátrio é o alternativo, apesar de ser equivocadamente descrito por vários doutrinadores como vicariante. As mudanças nos dois sistemas não são substanciais, posto que no alternativo também não se admite a imposição de medida de segurança e pena ao mesmo tempo. 

Dessa forma, a única diferença notável é revelada ao percebermos o sistema vicariante é um sistema flexível, ou seja, que permite que durante o cumprimento da execução, possam ser alternadas entre a pena e medida de segurança, de acordo com as condições subjetivas do infrator. Temos claramente pela leitura do Código Penal Pátrio que este não admite tal alternância no ordenamento jurídico brasileiro, o que caracterizaria mais precisamente o alternativo.

Passada a fase de definições e transformações propostas pelo Código de 1969, vieram as inúmeras prorrogações de sua vigência, tendo o referido código sido alterado pela lei 6.016 de 31 de dezembro do ano de 1973 e finalmente revogado no ano de 1975, sem ao menos ter entradoem vigência. Dessaforma, manteve-se todo o texto do Código Penal de 1940.

A partir da revogação voltaram a viger o sistema do duplo binário, a presunção de periculosidade tão questionada pelo  Código de 1969, e outras evoluções legislativas tão importantes para o desenvolvimento da matéria forma suprimidas.

Agora o texto legal do Código Penal de 1940 necessitava imprescindivelmente de alterações legislativas que garantissem as evoluções posteriores ao Código e o readapta-se ao sistema penal moderno estabelecido no Código de 1969.

Com as conclusões retiradas do Código revogado, propostas surgiram de modo a transformar tendenciosamente o instituto da medida de segurança em uma verdadeira sanção penal.

Para repensar o novo código foi formada uma comissão em 1981, presidida pelo Ministro Francisco de Assis Toledo, e foi justamente a medida de segurança um dos pontos cruciais de acalorada discussão da referida comissão.

A comissão decidiu, após intensa discussão, que a medida de segurança, levando em conta sua finalidade, deveria ser aplicada exclusivamente ao agente inimputável ou semi-imputável. O Código de 1984, aprovado por esta comissão assim contemplou o instituto da medida de segurança, destinando-a a agentes inimputáveis ou em estado de semi-imputabilidade.

A partir deste código os inimputáveis eram caracterizados por aqueles agentes portadores de doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto que, ao tempo da ação ou omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Já o semi-imputável definiu-se como aquele que em virtude de perturbação de saúde ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possui ao tempo da ação ou omissão inteira capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

O semi-imputável, também chamado de fronteiriço, é entendido como aquele que está em uma zona intermediária de sanidade mental, pois embora capaz de entender o caráter ilícito do fato, não tem total controle sobre os seus atos, merecendo, pois, a aplicação da medida de segurança, ou pena, ressaltando aqui o sistema vicariante.

O Código de 1984 veio privilegiar o principio da legalidade ao revitalizar os requisitos obrigatórios de aplicação da medida de segurança, fundados na periculosidade criminal e na prática de um fato definido como crime. Agora em hipótese alguma poderá o juiz aplicar a medida de segurança sem que o agente incida nos dois pressupostos básicos de sua aplicação. A periculosidade social que antes autorizada a presunção de delinqüência não mais tem lugar no código atual.

O Código vigente à época agora trazia apenas duas modalidades de medidas de segurança, uma privativa e outra restritiva. A primeira consistente na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e a segunda de  tratamento ambulatorial.

O critério para a aplicação de uma ou outra foi estabelecido pelo novo código, fundado na gravidade do delito praticado e não na periculosidade representada pelo agente.

Tal critério é essencialmente objetivo, posto que nos delitos punidos com detenção poderá ser aplicado o tratamento ambulatorial, para os delitos punidos com reclusão será aplicado a internação em estabelecimento especial.

Quanto ao tempo máximo de duração das medidas de segurança o Código de 1984 não fixou limite, atrelando o fim da medida à cessação da periculosidade do agente.

Quanto ao limite mínimo de aplicação da medida de segurança o legislador deixou de pronunciar-se expressamente, todavia, estabeleceu que durante a aplicação da medida de segurança o infrator se submeterá a exame pericial para apurar a cessação da periculosidade em prazo mínimo de 01(um) ano e máximo de 03 (três) anos, o que não deixa de ser formalmente um limite mínimo de cumprimento.

Possibilitou também o novo código a “regressão” do infrator, submetido a tratamento ambulatorial, a tratamento de internação, se for comprovada a necessidade para fins curativos do agente.

Para o semi-imputável é possível a substituição da pena privativa de liberdade por uma medida de segurança quando o exame pericial assim o justificar, todavia, subordinado a realização do exame no prazo supra.

 



[1] Consoante Ferrari, Eduardo Reale, Medidas de Segurança e Direito Penal no estado Democrático de Direito – São Paulo : Editora Revistas dos Tribunais, 2001, p. 07.