SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR: o seu abrandamento pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[1]

 

Adriana Pereira Bosaipo Guimarães[2]

Hugo Passos[3]

 

 

RESUMO

Realiza-se um estudo acerca da supremacia do interesse público sobre o privado, de forma a observar a tendência de abrandamento do mesmo, a partir de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Para isso, faz-se também algumas pontuações, que dizem respeito ao regime jurídico administrativo e suas características com o advento da CF de 88, e conseguinte entendimento sobre interesse público.

Palavras-chave: Supremacia. Interesse Público. Regime Jurídico Administrativo

 

1. INTRODUÇÃO

 

Administração Pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos preordenados à execução das decisões políticas. Essa é uma noção simples de Administração Pública que destaca, em primeiro lugar, que é subordinada ao Poder Político; em segundo lugar, que é meio e, portanto, algo que se serve para atingir fins definidos e, em terceiro lugar, denota seus aspectos: um conjunto de órgãos a serviço do Poder Político e as operações, atividades administrativas. (SILVA, 2002)

 

2. REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO

 

 

Celso Antonio Bandeira de Mello considera o regime jurídico administrativo como “conjunto de princípios singulares que tornam metodologicamente possível descrever a unidade de regime jurídico a que está submetida a Administração Pública.” (BANDEIRA DE MELLO, 2007, p. 52) O regime jurídico administrativo consiste, em verdade, na ordenação de uma forma sistemática daquelas normas fundamentais as quais irão incidir em qualquer manifestação normativa ou concreta da atividade administrativa, dotando-a de legitimidade constitucional, já que é na Magna Carta que se alocam os seus princípios fundamentais. É, pois, o sistema delimitador (vertente positiva) e limitador (vertente negativa) do manuseio das competências assinaladas pela Administração, fundadas na Constituição e nas leis. (OLIVEIRA, 2009, p. 161)

O regime jurídico a ser aplicado a determinadas relações, em regra é definido pela Constituição Federal de 88. Assim, a Administração pode submeter-se a regime jurídico de direito privado ou a regime jurídico de direito público. No entanto, o mais comum é que as  relações jurídicas da Administração ficam submetidas a regime jurídico administrativo, de direito público, que coloca a Administração numa posição privilegiada, de superioridade em relação aos particulares, uma relação vertical.

Conforme destaca Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a expressão regime jurídico administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o direito administrativo colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa. A autora ainda sustenta que o regime jurídico administrativo pode ser resumido a duas únicas realidades, ou seja, por prerrogativas e sujeições à Administração Pública. (DI PIETRO, 2011, p. 42)

No palco que traz o Direito Administrativo e regime jurídico administrativo, é possível observar duas idéias opostas, ficando de um lado a proteção aos direitos individuais frente ao Estado, os quais possibilitam a fundamentação ao princípio da legalidade, que é uma das bases ao Estado de Direito, a liberdade do indivíduo; do lado oposto, a idéia da necessidade de satisfação dos interesses coletivos, que conduz a outorga de prerrogativas e sujeições para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços públicos, ou seja, a autoridade da Administração.

Luis Roberto Barroso discorre trazendo dois tipos de regimes:

No regime jurídico de direito privado, vigoram princípios como os da livre iniciativa e da autonomia da vontade. As pessoas podem desenvolver qualquer atividade ou adotar qualquer linha de conduta que não lhes seja vedada pela ordem jurídica. O particular tem liberdade de contratar, pautando-se por preferências pessoais. A propriedade privada investe seu titular no poder de usar, fruir e dispor do bem. As relações jurídicas dependem do consenso entre as partes. E a responsabilidade civil, como regra, é subjetiva. Violado um direito na esfera privada, seu titular tem a faculdade de defendê-lo, e para tanto deverá ir a juízo requerer a atuação do Estado no desempenho de sua função jurisdicional.

Já o regime jurídico de direito público funda-se na soberania estatal, no princípio da legalidade e na supremacia do interesse público. A autoridade pública só pode adotar, legitimamente, as condutas determinadas ou autorizadas pela ordem jurídica. Os bens públicos são, em linha de princípio, indisponíveis e, por essa razão, inalienáveis. A atuação do Estado na prática de atos de império independe da concordância do administrado, que apenas suportará as suas competências, como ocorre na desapropriação. Os entes públicos, como regra, somente poderão firmar contratos mediante licitação e admitir pessoal mediante concurso público. E a responsabilidade civil do estado é objetiva. Violada uma norma de direito público, o Estado tem o poder-dever – não a faculdade – de restabelecer a ordem jurídica vulnerada. Além disso, normalmente os atos do Poder Público são auto-executáveis, independendo de intervenção judicial. Os atos públicos sujeitam-se a controles específicos, tanto por parte do próprio Poder que o praticou como dos demais. (BARROSO, 2009, p. 56-57)

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é preciso ainda fazer uma diferenciação acerca do regime jurídico da Administração Pública e regime jurídico administrativo, assim a doutrinadora tece o seguinte comentário,

a expressão regime jurídico da Administração Pública é utilizada para designar, em sentido amplo, os regimes jurídicos de direito público e de direito privado a que pode submeter-se a Administração Pública. Já a expressão regime jurídico administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa. (DI PIETRO, 2009, p. 60)

Dessa forma, há que se perceber que o regime jurídico utilizado pela Administração Pública é mais amplo, pois abrange tanto as normas de direito público quanto as de direito privado.

3. O QUE É OU NÃO INTERESSE PÚBLICO

 

Marçal Justen Filho entende que

o interesse público não se confunde com o interesse do Estado, com o interesse do aparato administrativo ou do agente público. É imperioso tomar consciência de que um interesse é reconhecido como público porque é indisponível, porque não pode ser colocado em risco, porque suas características exigem a sua promoção de modo imperioso.

Afirma-se que o principio da supremacia e indisponibilidade do interesse publico é o alicerce fundamental do Direito Público, o que seria suficiente para legitimar as decisões adotadas pelos administradores.

Ora, juridicamente o titular do interesse publico é o povo, a sociedade (no seu todo ou em parte). Mas os governantes refugiam-se neste principio para evitar o controle de seus atos pela sociedade.

Fundamentar decisões no “interesse público” produz adesão de todos, elimina a possibilidade de critica. Mais ainda, a inovação do interesse público imuniza as decisões estatais ao controle e permite que o governo faca o que ele acha deve ser feito, sem a comprovação de ser aquilo, efetivamente, o mais compatível com a democracia e com a conveniência coletiva. (FILHO, p. 39-40)

Interesse público é o interesse de determinada coletividade, formalmente categorizado pela Constituição e pelas Leis, cuja defesa e realização o ordenamento atribui ao Estado, a título de obrigatória satisfação de necessidade dos indivíduos. São interesses dos membros da coletividade, nesta exata condição jurídica. Neste diapasão, mantém uma vinculação umbilical com os interesses de cada indivíduo, de sorte que toda lesão àquele com repercussões na esfera jurídica individual (de caráter material ou moral) ensejam o direito público subjetivo de defesa, em juízo, da sua realização contra o Estado descumpridor da norma jurídica violada. (OLIVEIRA, 2009, p.161)

Conforme observado a doutrina voltada a esfera administrativa, menciona dois tipos de interesse público, o primário e o secundário. Acerca disso Luiz Roberto Barroso trata do assunto demonstrando a diferenciação entre os dois:

O interesse público primário é a razão de ser do Estado, e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União, do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas.

... essa distinção não é estranha à ordem jurídica brasileira. É dela que decorre, por exemplo, a conformação constitucional das esferas de atuação no Ministério Público e da Advocacia Pública. Ao primeiro cabe a defesa do interesse público primário; a segunda, a do interesse público secundário. Aliás, a separação clara dessas duas esferas foi uma importante inovação da Constituição Federal de 1988. É essa diferença conceitual entre ambos que justifica, também, a existência da ação popular e da ação civil pública, que se prestam à tutela dos interesses gerais da sociedade, mesmo quando em conflito com interesses secundários de ente estatal ou até dos próprios governantes. (BARROSO, 2005, p. 14)

REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo : Malheiros, 2007.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo. São Paulo: Saraiva, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Prefácio à obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público, 2ª tiragem, Lumen Júris, 2005.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2011.

FILHO, Marçal Justen. O Direito Administrativo Reescrito: problemas do passado e temas atuais. Revista Negócios Públicos, ano II, nº 6. Disponível em : < http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/Supremacia%20do%20Interesse%20P%C3%BAblico%20%20-%20Alice%20Gonzalez%20Borges.pdf. > Acesso em: 23 de outubro de 2011.

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O regime jurídico administrativo e os princípios da finalidade e da razoabilidade. Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, fevereiro /2009. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/30226-30943-1-PB.pdf>. Acesso em: 22 de outubro de 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21 ed. Malheiros: São Paulo, 2002.


[1]Paper apresentado à disciplina Direito Administrativo, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Aluna do 7º período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, orientador.