1. Introdução

O CTN utiliza o termo “responsável” para referir-se a uma das categorias de sujeito passivo da obrigação principal, art. 121, parágrafo único, inciso II.

Dessa forma, aquele que não possui relação direta com o fato gerador, sendo apenas vinculado à situação que o configura, mas que tem obrigação de pagar o tributo por expressa determinação legal é chamado de responsável tributário.

A doutrina divide hipóteses de responsabilidade, baseada na relação entre o momento do surgimento da obrigação do responsável e momento de ocorrência do fato gerador, conforme essa divisão, a responsabilidade pode ser por transferência ou por substituição.

A responsabilidade por transferência se caracteriza por existir no momento da ocorrência do fato gerador, apenas o contribuinte, sendo ele, nesse momento, o único obrigado ao pagamento do tributo.

A outra divisão da responsabilidade é por substituição, que como tema do presente trabalho, merece uma análise mais detalhada.

É de se notar que embora o sujeito passivo previsto pela norma não realize o fato gerador, a obrigação tributária surge diretamente para a pessoa que substitui o contribuinte. Nesses casos, por razões de praticidade e economicidade, prefere o legislador exigir o tributo de pessoa alheia à realização do fato gerador. Há duas hipóteses de substituição tributária, denominadas “para trás”, regressiva e “para frente”, progressiva. Na primeira alei atribui ao sujeito passivo a responsabilidade pelo recolhimento de tributo cujo fato gerador ocorreu no passado. Não obstante prefere o legislador concentrar a exigência em um único sujeito passivo, tornando-o responsável por substituição pelo pagamento do tributo, que em tese seria devido pelo pela pessoa que praticou o fato gerador.

Na segunda hipótese, substituição tributária “para frente”, ou progressiva, a regra se altera, atribuindo a lei ao substituto o dever de recolher o tributo devido em razão de fato gerador que provavelmente irá ocorrer no futuro. Nesta hipótese há que se fazer maiores considerações, posto que a exigência de tributo sobre fato gerador futuro importa presumira ocorrência do mesmo. 

2. Substituição Tributária Regressiva

A substituição tributária regressiva está regrada no artigo 128 do Código Tributário Nacional:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Essa substituição opera-se após a ocorrência do fato gerador, não provocando, assim, quaisquer discussões acerca de sua constitucionalidade. Neste caso, o pagamento do tributo é efetuado posteriormente à ocorrência do fato gerador. Ocorre postergação do pagamento do tributo, para uma etapa seguinte à ocorrência do fato gerador. O vínculo obrigacional tributário já se estabeleceu e a hipótese de incidência já ocorreu, porém, o retido tributário (crédito tributário) ira extinguir-se na operação subseqüente, via deferimento. Nesse caso, o responsável será terceira pessoa vinculada ao fato gerador anteriormente ocorrido.

Nessa espécie de substituição tributária, também conhecida como “deferimento”,o ressarcimento financeiro do substituto se dá imediatamente na nota fiscal, descontando-se do valor da mercadoria a ser paga ao substituto, a quantia referente ao tributo recolhido ao Fisco.

Para exemplificar a substituição tributária “para trás”, no âmbito das relações agrícolas, nas quais o industrial recebe os produtos de vários produtores, sendo responsável pelo recolhimento do tributo devido naquelas transações de fornecimento dos produtos, citamos o óleo de soja, cujo respectivo ICMS fica diferido para a saída do produto industrializado.

3. Substituição Tributária Progressiva

 

Afirma o doutrinador Marcelo Alexandrino, que se a lei antecipa o surgimento da obrigação trata-se de substituição tributária “para frente”, usando de uma outra nomenclatura para o presente tópico.

O objetivo em qualquer caso de substituição é facilitar a fiscalização, concentrando a cobrança na etapa em que houver o menor número de sujeitos passivos.

A substituição “para frente” ou progressiva, atribui a um sujeito passivo a obrigação de pagar tributo relativo a uma operação futura, que será realizada por outra pessoa, qual seja o contribuinte, que é o substituído.

Segundo Marcelo Alexandrino, “é uma obrigação de pagar surgida antes mesmo da ocorrência do fato gerador.”

O instituto jurídico que justifica o surgimento dessa obrigação é o denominado “fato gerador presumido”,termo essa utilizado pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 150, § 7:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).

A substituição tributária progressiva é muito útil para o fisco nas cadeias de produção-circulação em que há concentração em determinada etapa e dispersão nas etapas posteriores. É fácil verificar que a produção de combustível nas refinarias é mais facilmente fiscalizada e tributada se compararmos com os postos varejistas.

Desde antes da CF/88 é praticada no Brasil esse tipo substituição, sendo prevista originalmente no DL º 406/1968, para o antigo ICM, atual ICMS, mas sofreu fortes críticas da doutrina e de parcela da jurisprudência, e logo, como se verifica na transcrição do artigo acima, a EC/ 3/199, visando por fim às controversas, acrescentou o § 7 na constituição.

É de grande valia esclarecer que, essa autorização expressa na CF/88 só abrange impostos e contribuições, e não as taxas, sequer aos empréstimos compulsórios. Possivelmente essa separação se deu pelo entendimento de que, sendo a taxa um tributo que tem como fato gerador uma atividade estatal específica relacionada aos contribuintes, seria inadmissível cogitar de taxa originada de “fato gerador presumido”. Outrossim, segundo o STF, a cobrança de taxa só é legítima quando o órgão ou entidade que deva exercer a atividade estatal efetivamente existe, está estruturado e em funcionamento regular.

A crítica que se faz, é que há entendimentos de que também não seja legítimo pretender exigir uma contribuição de melhoria com base em “fato gerador presumido”, uma vez que o constituinte originário explicitou que a instituição desse tributo deve ser ”decorrente de obras públicas”.

Um dos pontos mais importantes relacionados à sistemática desse tipo de responsabilidade, diz respeito às situações em que é cabível a restituição de valores pagos com base no fato gerador presumido. A CF/88 somente prevê a restituição caso venha a não ocorrer o fato gerador futuro e é omissa sobre a hipótese de o fato gerador efetivamente ocorrer em valor inferior àquele que foi presumido e que serviu de base à cobrança do tributo.

Destarte, o STF decidiu essa questão no julgamento da ADIN 1851, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, 08/05/2022, que trata da substituição tributária do ICMS sobre combustíveis, em que os postos são os substituídos e as distribuidoras os substitutos. Nesse instante, foi afirmado a orientação de que na substituição progressiva, não cabe devolução de diferença de tributo quando a saída efetiva de produto do estabelecimento substituído ocorrer por valor menor do que aquele que foi utilizado para determinação do tributo devido pelo estabelecimento substituto.

Demonstra-se também, a barreira encontrada, quando se aduz sobre restituição de valores a maior ou a menor que o presumido, através do julgado da ADI- 1851 proferida pelo STF:

INFORMATIVO Nº 267

TÍTULO Substituição Tributária: EC 3/93

PROCESSOADI-1851

ARTIGO Concluído o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio - CNC contra a Cláusula Segunda do Convênio ICMS 13/97 que, disciplinando o regime de substituição tributária, não admite a restituição ou a cobrança suplementar do ICMS quando a operação ou prestação subseqüente à cobrança do imposto se realizar com valor inferior ou superior ao anteriormente estabelecido. Sustentava-se, na espécie, ofensa ao § 7º do art. 150 da CF (na redação introduzida pela EC 3/93), sob a alegação de ser devida a restituição do imposto sempre que o fato gerador ocorresse em montante menor daquele que fora presumido. O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação e declarou a constitucionalidade do dispositivo impugnado por entender que a restituição assegurada pelo § 7º, do art. 150, da CF, restringe-se apenas às hipóteses de não vir a ocorrer o fato gerador presumido, não havendo que se falar em tributo pago a maior ou a menor por parte do contribuinte substituído, porquanto o sistema da substituição tributária progressiva é adotado para produtos cujos preços de revenda final são previamente fixados ou tabelados, sendo, por isso, apenas eventuais as hipóteses de excesso de tributação. Salientou-se, por fim, que a admissão da possibilidade de restituição implicaria o retorno do regime de apurações mensais do imposto, o que inviabilizaria o próprio instituto da substituição tributária progressiva. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello e Marco Aurélio, que julgavam procedente a ação, ao entendimento de que a norma impugnada, ao excluir a possibilidade de restituição na hipótese de imposto pago a maior, violaria o § 7º, do art. 150, da CF ("A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido."). Precedente citado: RE 213.396-SP (DJU de 1º.12.2000). ADIn 1.851-AL, rel. Min. Ilmar Galvão, 8.5.2002.(ADI-1851)  

Em outros termos, se ocorrer efetivamente o fato gerador presumido, não cabe cogitar de devolução de eventuais diferenças entre o tributo que foi pago pelo substituto, calculado sobre a base de cálculo presumida, e o tributo que teria sido devido se o cálculo fosse feito tomando por base o valor real da operação que efetivamente ocorreu. Ou seja, uma vez ocorrido efetivamente o fato gerador presumido, a base de cálculo presumida é definitiva, ou que a presunção é absoluta.

O último ponto a ser apreciado diz respeito à determinação da pessoa que seria legitimada a pleitear a restituição quando não ocorre efetivamente o fato gerador presumido. O problema decorre do estabelecimento no art. 166 do CTN, por força do qual somente o denominado “contribuinte de direito” pode pleitear a repetição do indébito, desde que consiga provar que não transferiu o ônus do tributo, ou seja, expressamente autorizado por quem suportou o encargo financeiro, ou seja, o contribuinte de fato, a requerer a restituição.

Apesar do disposto no art. 166 CTN, no caso específico da substituição tributária progressiva do ICMS, a Lei Complementar 87/1996, chamada Lei Kandir, afastou qualquer dúvida que pudesse ser aventada, dispondo, em seu art. 10, que o legitimado para pedir a restituição, caso não se realize efetivamente o fato gerador presumido é o substituído.

Há entendimentos de que essa é a melhor opção para resolução do impasse, ressaltando que, o problema foi solucionado pela lei Complementar, somente para o ICMS, ou seja, para outros tributos, inexistindo disposição expressa sobre o legitimado a pleitear a restituição, o que respalda incertezas  solução referentes a interpretação ou aplicabilidade do mencionado art. 166 do CTN.

Podemos citar Hugo de Brito que defende:

“As pautas fiscais elaboradas pelas fazendas só podem servir como parâmetro para os agentes do fisco nos casos de ausência ou de inidoneidade do documento legalmente exigível. Dessarte, demonstrada a realidade do preço de venda, não poderia prevalecer a presunção estabelecida na pauta de valores elaboradas pela fazenda. Nesses casos, seria ônus do fisco provar que o valor da operação informado no documento formal não corresponde ao valor real.

Marco Aurélio Greco, expõe em relação apenas ao ICMS: 

“Seria ônus da autoridade fiscal comprovar a compatibilidade dos valores de pauta com a média ponderada dos preços usualmente praticados no mercado."

Nas palavras de Angelo Melo:

Se a não-realização do fato presumido fosse uma prova suficiente à desconfirmação da presunção (prova contrária), necessário seria admitir-se a inexistência do fato presumido nos casos de sua não realização no futuro.

E se o fato presumido não existisse, em nome de que teria havido a constituição do crédito e até mesmo o seu pagamento no passado, quando da venda feita pelo substituto”

                                                          

3.1. Entendimentos Acerca da Substituição Tributária Progressiva

                   Há entendimentos que criticam esse tipo de substituição, uma vez que afirmam a violação dos princípios:

* princípio da tipicidade tributária, porquanto importa exigência do imposto antes da ocorrência do seu fato gerador.

* princípio da capacidade contributiva, Argumenta-se que, no sistema tributário brasileiro, o destinatário da carga tributária é a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência do tributo, (como inferida da Constituição) ou quem tenha relação pessoal e direta (art. 121, parágrafo único, I, do CTN) com essa materialidade. Por isso, não pode o Estado deixar de colher uma pessoa, como sujeito passivo, para discricionária e arbitrariamente, colher outra, por simples comodidade ou por qualquer outro motivo da espécie. -(Sasha Calmon).

                        A adoção da substituição tributária progressiva constitui exigência da sociedade moderna, visando à aplicação do princípio da praticabilidade da tributação. Apóia-se, aqui e alhures, em dois valores básicos: necessidade de evitar a evasão fiscal (segurança fiscal) e de assegurar recursos com alto grau de previsão e praticabilidade (certeza fiscal) - (Sacha Calmon).

4. Conclusão

Diante do exposto no presente artigo, depreendemos que a substituição tributária centraliza o recolhimento do imposto devido por terceiros no contribuinte substituto, facilita a fiscalização e estimula a igualdade na tributação, impedindo a concorrência desleal entre contribuintes que recolhem e os que não recolhem regularmente seus tributos.

                        O sistema da substituição tributária é uma importante ferramenta utilizada pelo Estado no sentido de ampliar sua base de arrecadação, facilitando a fiscalização e diminuindo a sonegação de impostos, gerando receitas para benefícios à sociedade.

4. Referências bibliográficas

Coêlho, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro, Editora Forense, 9ª Edição: 2006.

Spagnol, Werther Botelho, Curso de Direito Tributário – Conforme a EC n. 42/03, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2004.

MACHADO, Hugo de Brito. Ob cit. pgs. 104-105.

GRECO, Marco Aurélio. Substituição tributária: antecipação do fato gerador. 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001. pg. 115. 

MELO, Ângelo Braga Netto Rodrigues de. Substituição tributária progressiva no ICMS: teoria e prática. Núria Fabris, Porto Alegra, 2008

ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito Tributário, 4ª edição, revista e atualizada 2007.