No último fim de semana aderi ao Big Bother que nossa sociedade se tornou. Mandei instalar um sistema de câmeras em minha casa. Sala, cozinha, quarto da minha filha, sala de estudos, garagem. Só ficaram de fora o banheiro e a suíte do casal. Ontem, enquanto estava no trabalho, acompanhei minha filha brincando de "titibol" pelo site da empresa na internet. Como pensava, a babá não maltrata minha filha.

Mas, junto com a sensação de segurança e com a conta mensal do serviço, veio um sentimento estranho, uma melancolia, um mal estar. É estranho pensar que esse tipo de vigilância, que está em todo lugar, entrou em minha casa. Me sento tão estúpido quanto aquele aviso "Sorria, você está sendo filmado", com aquela carinha sorridente, um sorriso convenientemente amarelo. O pior é que o sorrisinho amarelo agora está em todo lugar. Dentro das lojas, nos condomínios, nos bancos, nos ônibus, nas ruas das cidades. Em todo lugar existe um olho eletrônico te olhando. Vivemos um Big Brother.

O fenômeno televisivo do Big Brother, mesmo sendo uma sucessão de inutilidades, pode nos ajudar a pensar. Pensar não apenas sobre o tempo que o telespectador da Rede Globo (dá-lhe bispo!) investe no programa, mas na idéia mesma do Big Brother, o "Grande Irmão" do romance 1984, de George Orwell e no Big Brother de verdade em que nossa sociedade está se transformando. Em 1984, todos estão sob constante vigilância das autoridades e são sempre lembradas pela propaganda do Estado de que "o Grande Irmão está te observando" (Big Brother is watching you). O mesmo acontece por todo o mundo.

A idéia do controle pela vigilância absoluta não é nova. O jurista e reformista social Jeremy Bentham, no século XIX, trouxe a idéia do Panoptismo (enxergar em toda a parte), que terminou por remodelar a arquitetura das prisões na Inglaterra. Graças à disposição das celas e torres de vigilância, quer estivessem ou não sob os olhos de um guarda, os presos tinham a certeza de serem vigiados o tempo inteiro, o que os dissuadia a tentar fugas ou rebeliões. O filósofo Michel Foucault, em seu Vigiar e Punir (Surveiller et Punir), em 1975, retomou a idéia do Panoptismo e a usou para interpretar o sistema de repressão do Estado, as empresas, a própria escola (na sala de aula, a disposição das carteiras dá visão total ao professor, ma apenas parcial aos alunos) e várias instâncias sociais onde o controle das condutas vem sendo aplicado.

Assim como a onda de sucesso dos reality shows, este fenômeno social da vigilância, cresce, ganha terreno, não apenas em cidades como Londres, onde cada passo é vigiado por câmeras, mas Brasil afora. Em Manaus, o secretário de segurança, Sá Cavalcante, se gaba de ter 200 câmeras em todas as zonas da cidade. Mesmo sem a chance de ganhar um milhão de reais e posar para revistas pornográficas, o manauara vive o Big Brother.

Mas existem algumas questões sérias acerca das câmeras de Sá Cavalcante. Uma pergunta clássica que poderia ser feita é: quem vigia o vigilante? Como a sociedade pode ficar tranqüila sendo vigiada por uma polícia cujos crimes são constantemente denunciados nas páginas dos jornais e que, pelas denúncias, dá mostras de ser corrupta, autoritária e violenta? Como as corregedorias, de modo geral, são um engodo, um caminho seria o controle externo da vigilância, um vigilante do vigilante desvinculado da polícia amazonense.

Outra questão é se é possível ter câmeras, e alguém por trás delas, olhando todos os cantos da cidade. Se não é possível, que áreas da cidade serão cobertas pelo sistema?Que critérios serão aplicados para definir estas áreas? Se o sistema privilegiar os bairros ricos e tradicionais e negligenciar as periferias, estará "empurrando" mais ainda a atividade criminosa para as partes da cidade que ficam longe do Parque dos Bilhares e do Largo de São Sebastião, repetindo o erro do policiamento tradicional. Se estiverem em todas as zonas, como garante Cavalcante, mas apenas nas artérias principais, estaremos brincando de polícia e ladrão com o dinheiro público.

Mas o manauara, assim como simplesmente se prostrou frente à televisão assistindo à oitava edição do BBB, se coloca na posição de espectador em relação às câmeras de segurança de Sá Cavalcante. A coisa está acontecendo, promete-seampliar o sistema, mas, em nenhum momento houve discussão de qualquer questão importante com a população. O manauense, a sociedade civil organizada manauense, precisa acordar para o fato de que, neste caso, ele não é o espectador, é o "expectado", o "brother" participante, mas também o patrocinador do show.