1. 1.      INTRODUÇÃO

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é um acordo com plano de integração pactuado pelos seguintes países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Possui cunho econômico, social e político, sendo acordo de natureza intergovernamental e regido pelas regras do Direito Internacional Público, que são manifestados nos órgãos que o compõem. No aspecto econômico, o MERCOSUL assume o caráter de União Aduaneira, mas seu objetivo final é constituir-se Mercado Comum, segundo os objetivos elencados no Tratado de Assunção, por meio do qual foi instituído em 1991. Os princípios e objetivos do MERCOSUL estão dispostos no artigo 1º do mesmo:

A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; o compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. ¹

Os Estados Parte, considerando os princípios do presente Tratado, após a constatação de que a evolução do MERCOSUL gerou a necessidade da criação de normas para solução de controvérsias (com objetivo de estabelecer a consolidação da segurança jurídica nas relações), acordaram regras para  dirimir os casos concretos em legislação específica.

  1. 2.      HISTÓRICO

Inicialmente, a solução de controvérsias do MERCOSUL era feita com base no  Protocolo de Brasília (PB), de 1991 , e no Anexo ao Protocolo de Ouro Preto (POP)², de 1994. Segundo Alberto do Amaral Júnior:

com a aquisição da personalidade jurídica, o Conselho do Mercado Comum passou a ter a função de negociar e firmar acordos em nome do MERCOSUL com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Centro de imputação de deveres , o MERCOSUL passou a ter a existência própria, distinta dos Estados que o constituem. (AMARAL JÚNIOR, 2011, p. 438)

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¹ Tratado de Assunção, Art 1º. Disponível em: http://www.mercosur.int, acesso em 29/05/2012 às 15:53.

²Até 31 de dezembro de 1994, o MERCOSUL possuía estrutura institucional provisória que abrangeu o período de transição . Porém, em 17 de dezembro de 1994, os países membros do MERCOSUL assinaram o Protocolo de Ouro Preto e criaram a estrutura institucional dos organismos administrativos e políticos do MERCOSUL. Ou seja, através dele o bloco criou os elementos de sua personalidade jurídica, institucionalizando o bloco.

Mas, foram detectadas algumas deficiências presentes no Protocolo de Brasília (PB) no ato dos primeiros julgamentos e a necessidade de criar uma nova maneira de solucionar os conflitos de maneira que a interpretação correta, aplicação e cumprimento dos objetivos do MERCOSUL fossem efetivos.

Essa situação levou os países parte a realizarem vários encontros e discutirem a matéria e projetaram reformas no antigo sistema de solução de controvérsias. Em 18 de fevereiro de 2002, foi assinado o Protocolo de Olivos (PO) para Solução de Controvérsias no MERCOSUL que trouxe modificações no Sistema de Soluções de Controvérsias dispostos nos protocolos anteriores de forma consistente e sistemática, conforme o seu preâmbulo. O Brasil ratificou o PO através do Decreto Legislativo 712/03 e o promulgou pelo Decreto 4.982/04. Assim, está em vigor internacionalmente desde janeiro de 2004.

  1. 3.      OS MECANISMOS PARA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DISPOSTOS NO PROTOCOLO DE OLIVOS

Foi criado para solucionar as controvérsias sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL que porventura surjam entre os Estados Parte.

Ou seja, regular a solução das controvérsias que surgem caso o Tratado de Assunção e as legislações advindas dele não sejam respeitados. O sistema criou as seguintes fases: negociações diretas entre os Estados Partes; intervenção do Grupo Mercado Comum³, não obrigatória e dependente da solicitação de um Estado Parte; arbitragem ad hoc, por três árbitros; recurso, não obrigatório, perante um Tribunal Permanente de Revisão; recurso de esclarecimento, visando a esclarecer eventual ponto controverso do laudo(cumprimento do laudo pelo Estado obrigado); revisão do cumprimento, a pedido do Estado beneficiado;  adoção de medidas compensatórias pelo Estado beneficiado, em caso de não-cumprimento do laudo; recurso, pelo Estado obrigado, das medidas compensatórias aplicadas. Segundo o Protocolo, os Estados envolvidos na controvérsia podem primeiramente tentar resolvê-la de forma direta, ou seja, em negociações que só digam questão e eles e não faça necessário o uso

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³ Protocolo de Ouro Preto Art. 3º: “O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr a constituição final do mercado comum.” Disponível em: http://www.antaq.gov.br/Portal/pdf/Mercosulprotocoloouropreto.pdf, acesso em 30/05/2012 às 22:08.

dos meios formais estabelecidos no texto. Porém, essas negociações não devem exceder o prazo de 15 dias contados a partir da data em que uma parte anuncie a outra que começou a negociar. Essas negociações devem ser informadas ao Grupo Mercado Comum (GMC) através da Secretaria Administrativa do MERCOSUL, assim como o resultado obtido. Caso não haja acordo ou a controvérsia não se seja solucionada por inteiro, qualquer um dos Estados Partes podem provocar o procedimento arbitral.

 A respeito do assunto, Welber Barral opina:

A regra ganha relevância, quando se observa que os Estados Partes do MERCOSUL participam individualmente de outros tratados multilaterais em matéria comercial com sistemas próprios de solução de controvérsias (...). Por isso, esta regra de prevenção do foro servirá principalmente para evitar decisões internacionais divergentes sobre a mesma matéria. Ao mesmo tempo, elimina-se a possibilidade de que a mesma controvérsia seja examinada por órgãos de solução de controvérsias distintos. Este risco não é irreal: em dois importantes litígios no MERCOSUL, houve recurso também aos órgãos da OMC.

Por outro lado, como a opção pelo foro será do Estado demandante (a não ser que haja acordo), pode-se prever que o foro internacional mais utilizado será aquele que apresentar, em cada caso específico, a base jurídica mais sólida para sustentar a reclamação. Em tese, o MERCOSUL deveria apresentar regras mais avançadas quanto à integração regional e ao processo de liberalização comercial. Entretanto, em algumas matérias, como é o caso de medidas antidumping, o vazio jurídico do MERCOSUL poderá conduzir os litigantes ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, cuja interpretação mais literal das obrigações assumidas nos acordos multilaterais poderá fornecer um maior fundamento a uma reclamação nacional. 4

É possível inferir que as novas mediadas aumentaram o propósito jurisdicional do sistema mantendo a importância das negociações diplomáticas. As partes formalizam a reclamação perante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum5 do Estado onde fica sua residência ou sede de negócios e juntamente fornecem componentes para determinar o verdadeiro descumprimento do acordo e o prejuízo efetivo ou iminente e caso seja comprovada verdade nos fatos a reclamação prossegue. Assim, “trata-se , como se percebe, de atividade vinculada da administração. O limite da discricionariedade da Seção Nacional encontra-se na apreciação da confidencialidade e eficácia das provas.” (AMARAL JÚNIOR, 2011, p. 451).

 Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do reclamante que verificar a procedência e reconhecer válida a reclamação estabelecerá as negociações com a Seção Naci-

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4 BARRAL, Welber. O Novo Sistema de Solução de Controvérsias do MERCOSUL. Disponível em:  http://www.camarb.com.br/areas/subareas_conteudo.aspx?subareano=2, acesso em 24/05/2012 às 17:10.

5 “Formular recomendações relativas às modalidades que considere mais adequadas para concretizar a implementação e execução do Tratado de Assunção; Manter-se informado de toda medida legislativa, administrativa ou regulamentar adotada pelos Estados Partes que tenha efeitos sobre o estabelecimento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), avaliar seu alcance e formular propostas a ela vinculadas; Coordenar e orientar as tarefas dos subgrupos de trabalho e considerar as recomendações por eles transmitidas; Coordenar e participar das reuniões de Ministros de Economia e Presidentes dos Bancos Centrais, controlando a implementação das medidas ali dispostas e elevando-as, quando pertinente, à aprovação do Conselho do Mercado Comum; Participar das reuniões de Ministros ou funcionários com hierarquia equivalente, em temas

onal da parte a quem se atribui a reclamação com objetivo de procurar solução imediata no prazo de 15 dias, salvo convenção de prazo diferente.

Os Estados gozam, entretanto, da prerrogativa de submeter à controvérsia à apreciação do GMC. Se outro Estado, que não seja parte solicitar justificadamente,

O Grupo Mercado Comum analisará o caso. De qualquer modo, o Grupo Mercado Comum, avaliará a situação, dando oportunidade às partes para que exponham as suas respectivas posições, requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de especialistas. (AMARAL JÚNIOR, 2011, p. 451)

Os especialistas ouvem os Estados e particulares envolvidos, assim como seus argumentos numa audiência conjunta composta por três membros escolhidos pelo GMC ou votados pelos integrantes, na falta de concordância.

 Caso haja um parecer unânime, por parte dos especialistas, pela procedência da reclamação, qualquer Estado pode pedir as devidas providências quanto à aplicação de medidas corretivas ou anulação das medidas questionadas. Se não houver unanimidade, os especialistas devem apresentar seu relatório ao GMC que conclui a reclamação e num prazo de 30 dias prescreve as suas recomendações para solucionar a controvérsia. Essa é a chamada via diplomática.

Caso não haja solução, os Estados Partes podem comunicar à Secretaria Administrativa do MERCOSUL6 a vontade de recorrer a solução através da arbitragem.  O tribunal ad hoc é composto por três árbitros e possui a função de conhecer e resolver em matéria de controvérsias que venham a surgir entre os Estados Partes, a pedido de um deles, ou de particulares, emitir recursos de esclarecimento, proferir medidas provisórias, resolver divergências a respeito do cumprimento do laudo e pronunciar-se sobre as medidas compensatórias adotadas pelo Estado Parte beneficiado pelo laudo na controvérsia.

Cada parte indica seu árbitro e suplente listados em uma lista da Secretaria Administrativa do MERCOSUL e de comum acordo o árbitro que não poderá possuir nacionalidade de seus Estados.

O objeto da demanda, que não comporta ampliação posterior, é fixado pelos textos de apresentação e resposta ante o tribunal ad hoc.  As manifestações iniciais dos contendores descreverão as instâncias percorridas antes de instaurar o procedimento

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vinculados ao Tratado de Assunção, assim como, das reuniões especializadas, elevando à consideração do Conselho do Mercado Comum os acordos nelas alcançados; Participar, quando necessário, de encontros que se celebrem no âmbito do processo de integração do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL); Participar da solução de controvérsias, nas condições estabelecidas pelo Protocolo Adicional para a Solução de Controvérsias do Tratado de Assunção, convocando para tanto as reuniões que considerar necessárias; Estabelecer os vínculos necessários com a Comissão Parlamentar Conjunta, prevista no artigo 24 do Tratado de Assunção; Propor medidas concretas tendentes à aplicação do programa de liberação comercial, à coordenação de políticas macro-econômicas e setoriais e à negociação de acordos com terceiros países e organismos internacionais.” Disponível em: http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=1&menu=972&refr=483, acesso em 30/05/2012 às 22:24.

arbitral e farão a exposição dos fundamentos de fato e de direito que alicerçam as pretensões em conflito. O tribunal arbitral goza da prerrogativa de determinar, por solicitações do interessado, as medidas provisórias que julgar apropriadas quando existirem presunções fundamentadas de que a manutenção da situação ameaça ocasionar danos graves e irreparáveis a uma das partes. A emissão do laudo ocorrerá em 60 dias, prorrogáveis pelo máximo de 30 dias. (AMARAL JÚNIOR, 2011, p.452)

O Tribunal Permanente de revisão7 possui função de instância recursal, é um o órgão criado como instancia jurisdicional para conhecer e resolver em matéria de opiniões Consultivas (poderão ser solicitadas por todos os Estados Partes em conjunto, os órgãos com capacidade decisória do MERCOSUL, os Tribunais Superiores de Justiça dos Estados Partes, e o Parlamento do MERCOSUL), revisão do laudo do tribunal ad hoc solicitado por quaisquer das partes, atuação em única instância em caso de controvérsias e casos nos quais os Estados Partes ativem o procedimento estabelecido para as medidas excepcionais de urgência.

Possui sua sede em Assunção e seus árbitros são juristas renomados com amplo conhecimento sobre a legislação que compõe o MERCOSUL e imparciais diante da administração pública e desinteresse na controvérsia. Pode pronunciar-se sobre o recurso, confirmar, modificar ou revogar a fundamentação jurídica e as interpretações do tribunal ad hoc, sendo sua decisão preponderante sobre o julgamento realizado anteriormente.

Os laudos são inapeláveis e obrigatórios, pois possuem força de coisa julgada com prazo para ser cumprido o disposto no laudo. Caso o Estado não o cumpra ou cumpra apenas parte do disposto, a parte contrária pode, dentro de um ano, aplicar medidas compensatórias temporárias ou obrigações que equivalham para que se cumpra o laudo.

Ao analisar a proporcionalidade das medidas compensatórias, o tribunal levará em conta, entre outros elementos o volume ou o valor do comércio no setor afetado e qualquer outro prejuízo ou fator que tenha incidido na determinação do nível ou montante das medidas impostas. (AMARAL JÚNIOR, 2011, p.454)

  1. 4.      CONCLUSÃO

O TPR permite a unificação jurisprudencial do MERCOSUL, possibilitando que haja segurança jurídica e que não haja contradições na interpretação de seus textos.

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6 Com a assinatura do Tratado de Assunção no ano 1991 estabeleceu-se a criação da Secretaria Administrativa cujas principais funções consistiam na guarda de documentos e apoio ao Grupo Mercado Comum. Sua sede permanente se encontra na cidade de Montevidéu - Uruguai. Em 1994 o Protocolo de Ouro Preto incluiu a Secretaria Administrativa do MERCOSUL na Estrutura Institucional do bloco, como órgão de apoio operativo, responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do MERCOSUL. Em resposta a evolução do processo de integração a partir de 2002 os Estados partes decidiram transformar a Secretaria Administrativa do MERCOSUL em uma secretaria técnica, passando a utilizar a denominação “Secretaria do MERCOSUL”.  Disponível em http://www.mercosur.int/t_generic.jsp?contentid=2282&site=1&channel=secretaria&seccion=2, acesso em 30/05/2012 às 21:36.

Para Barral, “esta inovação pretende claramente obter maior coerência entre as decisões adotadas pelos tribunais ad hoc que já adotaram interpretações divergentes nos casos que até agora lhes foram submetidos”. 7

A formação de jurisprudências é fundamental, pois orienta a interpretação das normas do MERCOSUL diante dos Tribunais Nacionais e possibilita com que seja dada maior credibilidade e aplicabilidade aos seus dispositivos, acima de tudo, como já referido anteriormente, segurança jurídica quanto a sua previsibilidade e correta aplicação.

O modelo adotado pelo bloco é o da intergovernamentalidade, ou seja, é uma característica que se apresenta no sentido de relacionamento entre governos, onde o Estado Parte não sofre qualquer ingerência na sua autonomia individual.

As decisões proferidas pelo tribunal efeitos erga omnes, limitando-se às partes da controvérsia e opção vinculante da regra de eleição de foro prevista no art. 1º, 2, do PO não é oponível aos demais foros possíveis na hipótese de reapresentação, por um Estado Parte, de questão já apreciada no âmbito do sistema de solução de controvérsias do Mercosul, sendo aplicáveis, nesse caso, apenas as sanções previstas no âmbito regional para o descumprimento de laudos arbitrais.

 

7 BARRAL, Welber. O Novo Sistema de Solução de Controvérsias do MERCOSUL. Disponível em:  http://www.camarb.com.br/areas/subareas_conteudo.aspx?subareano=2, acesso em 24/05/2012 às 17:10. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Curso de Direito Internacional Público. 2. ed. São Paulo(SP): Atlas, 2011.

BARRAL, Welber. O Novo Sistema de Solução de Controvérsias do MERCOSUL. Disponível em:  http://www.camarb.com.br/areas/subareas_conteudo.aspx?subareano=2, acesso em 24/05/2012 às 17:10. 

GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos Econômicos, solução de controvérsias. Curitiba (PR): Juruá, 2001, p. 242 -243.

SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2. ed. Belo Horizonte (MG): Del Rey, 2002.