SÓCRATES, HERÁCLITO E PARMÊNIDES: A POSIÇÃO ONTOLÓGICA DO HOMEM

Prof. André Gustavo Mendes da Silva*

Diante do olhar que temos em relação à existência e a tudo aquilo que diz respeito ao homem, faz bem salientar que não se pode esquecer da condição que nos faz inseridos como seres que tem um espaço na pólis, na sociedade. Estamos falando da essência, que fora – e continua sendo – um empecilho em nossos debates acerca desta temática. Mas, afinal, a nossa essência é mutável, como afirmava Heráclito, ou apenas a camada superficial é que muda, e não a essência, como defende Parmênides? Pois bem, tentaremos apenas nos debruçar nestas duas vias possíveis de interpretações a seguir.

Mas, antes de iniciarmos, é bom estar a par sobre o que estes dois grandes filósofos concordam. Para eles, a única coisa que se tem em mente nas diversas pesquisas já feitas, a partir da leitura de seus fragmentos, é que o conhecimento só pode ser alcançado, palpável por meio do empirismo. Sem este fator, é impossível haver qualquer produção a que se possa chamar de ciência.

Iniciemos, portanto, com Heráclito de Éfeso (séc. V a.C.). Certa vez, disse algo que marcou o seu pensamento e a filosofia, mesmo em dias atuais. Assim o disse:

Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários.[1]

 

Este fabuloso filósofo grego, também conhecido como o “pai da dialética” e o primeiro a fazer uma elucidação provável que o universo teria sido feito pelo fogo, e não pela água, como defendia Tales de Mileto, diz no trecho acima, que a essência é mutável, e tudo o que por ela circunda, poderá também ser mutável. Ora, este foi o primeiro filósofo que vem fazer um discurso que rompe com a tradição, onde é possível mudar a história sem a intervenção dos deuses. Este filósofo da Era pré-socrática enaltece que a mutabilidade ao longo da vida, amadurece o homem. É o que vemos, por exemplo, quando diz:

Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a mudança de um dá o outro reciprocamente. Para aqueles que estão em estado de vigília, há um mundo único e comum.[2] 

Deste modo, encontramos aqui mais um fragmento que mostra a concepção heraclitiana no que tange à posição do homem no universo: a mutabilidade como forma de saber ou da própria condição da existência no pensamento deste filósofo. O homem e o universo que o cercam, estão em constante mudança. Todavia, o que Heráclito propõe não é o perecimento de tudo, ou que as realidades e essências sejam como “fagulhas do tempo”[3], como diz Agostinho, mas sim, uma espécie de renovação. De um olhar sempre direcionado à esperança.

No processo educativo atual, vigente em diversas nações, este pensamento cai bem. É o caso do Brasil, por exemplo, que mesmo precisando melhorar o seu índice educacional na educação básica, adota a didática de Paulo Freire como a renovação da educação, que diríamos fazer um paradigma com a filosofia heraclitiana. Mas, voltando a Heráclito, ele foi sem dúvida alguma uma chave essencial em todo o percurso filosófico, que se estreita em marcar o espaço do homem como um ser que nunca está acabado.

Agora voltemos nossa atenção para Parmênides. Este, por sua vez, se uns dizem que respeita em demasiado a tradição, a moral, a ética, para outros, no entanto ele é um dos grandes realistas, observa que a mutabilidade existe, mas que não consegue alterar a capacidade da essência ser o que é ou que está sendo neste exato momento.

É típico em toda a história da filosofia ter ideias opostas e de grande peso, como é este, onde Parmênides dá um freio ao pensamento heraclitiano ao afirmar, em outras palavras, que a imutabilidade é o que existe. Não pode acontecer um evento onde aquilo que é seja constantemente alterado, isto é, a sua essência. Bem, aqui estamos falando do primeiro grande embate filosófico, onde para Heráclito de Éfeso, o ser, para ser tal, necessitava alterar a sua essência. A este respeito, Parmênides salienta que somente o ser é uno, imutável e eterno. Do contrário, como as coisas poderiam estar em ordem? Tal contradição destes pensamentos faz com que a nossa produção seja ainda mais cautelosa e discreta quando fizer alguma referência ao ser. Heráclito também fala a respeito da geração do ser, se isto é possível. Assim diz Parmênides de Eleia:

Como poderia perecer o que é? Como poderia ser gerado? Pois se gerado, não é, e também não é, se deveria existir algum dia. Assim, o gerar se apaga e o procedimento se esquece. Também não é divisível, pois é completamente idêntico.[4] 

Bem, aqui já vimos outras duas teses do filósofo de Eleia: o ser que não pode ser gerado, e a de que ele é indivisível. Visto assim, podemos racionar, com tamanha capacidade de argumento lógico pela empiricidade dos fatos: nascemos, envelhecemos e morremos, mas o nosso legado permanece, e mesmo em vida, podem se passar anos, décadas, que não consegue apagar a identidade de uma pessoa, a cultura que a mesma se insere decorrente de uma herança deixada pela própria memória.

Na contemporaneidade, há um certo debate de alguns mestres e doutores de filosofia antiga entre si, ou com cientistas e outras ilustres personalidades de cada nação, no que se refere à liberalização de certas drogas entorpecentes. É possível liberar estas drogas, diminuir o tráfico e, consequentemente, a violência, sem que o usuário (agora lícito) possa ter a sua saúde psicológica em equilíbrio? Como as famílias irão se comportar com essa nova realidade? Bem, vemos que os fragmentos de Heráclito e Parmênides podem auxiliar a este debate, mesmo sabendo que qualquer resposta passe a veicular por este círculo vicioso.

Edmund Husserl é considerado como o “pai da fenomenologia”, talvez pelo fato de ser o primeiro a ter utilizado este nome e ter aprofundado a temática sobre o assunto. Contudo, Parmênides também mergulha nesse sistema filosófico, afinal ele não dá crédito suficiente àquilo que se vê. Mas parece ser um tanto ousado fazer tal comparação, visto as épocas e momentos que viveram. No entanto é sempre bom frisar estes dois pensadores.

Desta forma, podemos dizer que tanto para Parmênides, quanto para Heráclito, o que realmente importa é o debate deste “nós somos” ou “deixamos de ser” o ser que somos. As contribuições ontológicas aqui postas destes dois grandes gênios da filosofia, só enaltecem a nossa capacidade de pensar e de estimular a nossa mente ao saber propriamente dito.

Agora vamos a uma tarefa não tão agradável: assemelhar estes dois grandes nomes da história da filosofia, a um outro que veio depois deles, e que de algum modo, mudaria a face da filosofia drasticamente. Aqui nos referimos à Sócrates. Sem dúvida alguma, foi um elemento – e continua sendo – aos estudos acerca do homem.

Sócrates deu um salto em relação aos gênios de Éfeso e Eleia, pois se antes havia uma preocupação exacerbada com a natureza, e até hipóteses levantadas por alguns de que o mundo fora criado por certos elementos da natureza, agora a sua inclinação reflexiva, volta-se para o homem como o centro das atenções. Sem nenhum exagero, podemos até afirmar que ele fora um dos pioneiros do humanismo, que somente tomaria corpo em pouco menos de 20 séculos.

Bem, é bom destacarmos três aspectos da filosofia socrática que o marcaram profundamente, a saber: crítica ao sistema sofista, vigente na época, depois certa evolução ao sofismo que ele mesmo instaurou: a fabulosa arte de pensar. Por fim, Sócrates coloca o homem como o palco das realizações cosmológicas, e não de elementos da natureza, como ar, fogo, água, ar, etc., como defenderam os filósofos naturalistas que o precederam, como, por exemplo, Heráclito e Parmênides.

Nesta ambiência, vejamos como o pensamento socrático se pode ousar em descrevê-lo por estas três vias que iremos trilhar. Sócrates faz uma forte crítica quanto ao sistema sofista impregnado na época, pois para ele o conhecimento não deveria ser uma espécie de transação financeira, onde para que o mesmo pudesse ser externado, devesse antes pagar por ele. O filósofo ateniense dá uma reviravolta, dizendo que a publicidade do conhecimento, sem que passe pela via tributária, financeira é o que o caracteriza como sendo tal. A liberdade aqui é um elemento que iremos encontrar no pensamento socrático, e liberdade em todos os meios e aspectos possíveis de se imaginar.

O segundo caminho da característica socrática, se dá pelo simples fato de ele abrir as mentes das pessoas com algo que hoje nós muito bem sabemos que funciona, mas nem em todos os momentos assim vivenciamos: a arte de perguntar. Os porquês são importantes, que descobrimos que é possível chegar a várias respostas, como o de refutar matemáticos, quando dizem que somente 2+2=4. Outras fórmulas são encontradas, como 2², 2 x 2, 1+1+1+1=4, 7-3, enfim... a várias possibilidades de se chegar ao conhecimento, e não somente por aquelas propostas pelos sofistas. Epistemologicamente, é muito autoritário e opressivo afirmar que apenas um caminho é científico.

Mas voltando ao método da pergunta que Sócrates utiliza antes nos lembremos do grande embate filosófico travado por Heráclito e Parmênides, quando o primeiro afirma que a mutabilidade é presente na humanidade. O homem é um ser que altera a capacidade de viver na pólis e, ao mesmo tempo, se deixa transformar por ela, mas não permanece o mesmo. A primeira prova é biológica, pois nascemos, vivemos, nos tornamos jovens, adultos, idosos e, inevitavelmente, morremos. Vimos também no segundo, que existe uma dada importância em dizer que a essência humana é o que não muda. O fator biológico, sim, mas quanto a sua existência, o homem é um ser que é imutável. Entretanto, para Sócrates o que realmente muda ou não, é o fato de a pessoa se deixar abrir ao novo, de acolher a liberdade, e os diversos porquês que ele mesmo utiliza, são recursos para abrir a mente humana ao diálogo, de se por em questionamento, de se descobrir, conhecendo as suas i/mutabilidades da vida. A pergunta é um método muito pedagógico, visto que liberta a consciência humana, transformando em algo ainda mais louvável e sacro à sua existência: a autonomia.

A terceira e última estrada que iremos percorrer, talvez seja a que mais a distingue, dando a ele tributo em fazer uma das mais importantes rupturas da história da filosofia: trazer a consciência humana nos altares da liberdade, igualdade e justiça. Ora, estas três últimas virtudes são o que realmente formam, ontologicamente, a consciência humana. Sócrates não fora uma egoísta quando disse a célebre frase do Oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Era um costume até mesmo entre os gregos fazer isso, a paresia, isto é, um dizer verdadeiro. Ora, fazer com que os jovens tivessem autonomia, refletissem sobre a sua existência, se posicionassem no cosmos, além de fazer com que as pessoas pudessem controlar suas paixões, desejos, seja por meio de uma visão do Eros, ou da própria sophia, é um modo de fazer com que as pessoas cuidassem do outro, expandissem a alteridade que está em cada sujeito.

Nesse ínterim, isso só é possível se o próprio sujeito conhecer a si próprio, em seus dons e defeitos, isto é, tudo o que o atribui para ser o que é no mundo que habita. O que Sócrates almejou, era uma liberdade, algo que tornasse uma pólis mais participativa nos campos da justiça, reflexão e trazer a realidade em que vive à importância da ética.

Desta feita, as contribuições ontológicas e o legado deixado por estes três grandes nomes da filosofia, nos fazem penetrar na imensidão da existência, a ponto de termos ciência de nossa participação na sociedade e na ágora de nós mesmos, a nossa própria consciência. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Paulus, 1997. 

BORNHEIM, Gerd. (Org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 2005. 

<http://pensador.uol.com.br/frase/OTY1MTA3/>

Acesso em: 12 de setembro de 2012 


* Licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia (INSAF), Recife – PE. Especializando em Filosofia e Ensino de Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano. Especializando em Psicopedagogia Institucional pela Faculdade Escritor Osman da Costa Lins, em convênio com a Autarquia Educacional da Mata Sul (FACOL/AEMASUL), em Palmares – PE. É professor de filosofia no ensino fundamental e médio pela rede particular de ensino, no Colégio & Curso Real, em Palmares – PE.

[1] Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/frase/OTY1MTA3/> Acesso em: 12 de setembro de 2012

[2] BORNHEIM, 2005, 41.

[3] Cf. AGOSTINHO, 1997.

[4] BORNHEIM, op. cit., 56