Rodrigo da Silva Barroso. Advogado atuante em Curitiba e Regiao Metropolitana. [email protected].

I - Considerações Iniciais

O presente trabalho tem o propósito de trazer uma analise comparativa critica a partir da leitura do texto "Os cruéis modelos jurídicos de controle social, de Roberto Kant de Lima, e o documentário "Justiça", de Maria Augusta Ramos.

Ao profissional do direito é sempre valida a experiência de discutir e pensar o direito a partir de provocações e situações cotidianas. O documentário em pauta é consagrado entre os documentários brasileiros porque traz as telas a real situação do judiciário, uma ênfase no sistema Penal brasileiro. Temos situações das mais diversas com o cotidiano dos personagens (juíza, promotor, acusado, famílias envolvidas, autoridades policiais, etc).

Como operador do direito acabamos conhecendo e nos familiarizando com a linguagem própria do "mundo jurídico", para os leigos parecem estranhos os termos e o proceder dos processos, a demora, os recursos, etc. Nos que vivenciamos este ambiente não ficamos tão abismados ao ver um membro do MP pedindo em plenário ou em audiência a absolvição do acusado, todavia ao publico leigo fica uma incógnita (qual será a função do promotor afinal?). Confesso que a primeira vez que vi um advogado em audiência falar ao juiz que ele era incompetente para julgar determinada causa, fiquei com medo do que o juiz poderia fazer ao advogado. Mas hoje entendo que não foi ofensa alguma e dentro do que aprendemos dia a dia nem poderia ser.

Todavia fica difícil explicar ao leigo como funciona a Justiça. E em alguns casos mesmo sabendo que o procedimento está todo correto ficará no leigo, envolvido diretamente na demanda, sempre um sentimento próprio de desconfiança de duvida com relação a aplicação da Justiça.

Discutir o direito no plano das idéias como bem intentam os doutrinadores e pensadores é matéria fácil. Ao nos depararmos com questões reais que a nossa sociedade vive atualmente e a grande maioria da população não vê, nasce uma necessidade única de se discutir e tentar buscar o ideal para toda a população.

II - Analise do texto base

Existem dois sistemas de controle social quais sejam: o repressivo e o preventivo. Nas sociedades igualitárias o modelo social pode ser representado pelo paralelogramo, como o caso do Brasil, conforme bem esclarece o autor, no qual a base e o topo têm a mesma largura, todos partem (em tese) das mesmas condições. Já nas sociedades desiguais o modelo social de controle social, é representado pelo triangulo, no qual a base inferior mais larga indica que a ascensão social é uma gloria, e que há sim hierárquicas sociais.

No Brasil há uma previsão constitucional que define que "todos são iguais perante a lei", é a chamada igualdade formal. Assim o autor bem alerta que as desigualdades existentes na sociedade onde todos são iguais é possível/ legitimada pelo desempenho social de cada individuo faz a desigualdade jurídica e econômica, movimento social próprio das sociedades capitalistas. O principio da igualdade é motivo de preocupação intensa em uma sociedade. Na comum law o "due processo of law" é principio que entre outros fundamenta todo o direito americano.

Nos Brasil o procedimento do processo penal é baseado no sistema de investigação chamado misto (inquisitorial + acusatório). O modelo inquisitório traz uma característica de tutela ao interesse individual, já o acusatório tem uma tendência de tutela do interesse público lesado. Neste o interesse da coletividade legitima todo e qualquer esforço.

Ainda, há no Brasil, no Processo Penal, a busca da verdade real em detrimento ao principio do contraditório. O modelo de controle social pátrio busca a repressão de medidas indesejadas, com a adoção do principio da obrigatoriedade. Assim para toda e qualquer violação existente deve-se apurar obrigatoriamente a verdade real dos fatos. Não há possibilidade de conciliação caso a caso (exceção aos crimes de competência do Juizado Especial). A busca obrigatória pela punição, demonstra a evidente opressão do estado que acaba por tratar de forma desigual situações semelhantes.

Quanto ao acesso à informação temos que este só tem garantias e validade se a informação estiver disponível a todos de maneira igual. A concessão de privilégios não pode existir, pois, ofende a igualdade de condições. Em uma sociedade de iguais qualquer desnível vem a ferir o desempenho social de cada um.

III - Analise do documentário "justiça"

O documentário "Justiça", marcou pela provocação que traz. O operador do direito ao ver tamanha provocação não pode se abster de uma atitude seja lá qual for. Devemos tomar frente pois as desigualdades ocorridas atualmente podem gerar um estado de desinteresse generalizado no futuro e ate um retrocesso histórico em nosso direito Pátrio.

Do documentário me lembro pouco todavia levanto alguns pontos que saltam aos olhos da realidade cotidiana brasileira, em matéria penal, quais sejam: Ausência de igualdade de tratamento aos réus pelo juiz de direito; ausência da presunção de inocência aos acusados; o tratamento dispensado aos acusados é desrespeitoso, humilhante; não há contraditório; o juiz é respeitado pelos acusados, a entidade estatal se demonstra no documentário como opressora.

Note que a intenção do documentário é relatar a atualidade jurídica brasileira, instigar, provocar uma discussão. Temos um confronto real de ideais (dever-ser) e realidade nua e crua (ser).

Não há no documentário nenhuma sombra de duvida de que os acusados em matéria penal no Brasil sofrem com as desigualdades de tratamento nos processos. Não há observância aos princípios bailares do processo penal.

IV - Analise critica comparativa

Temos com base nos tópicos anteriores que, há um hiato de entendimento entre a linguagem jurídica e o efetivo acesso à justiça. Acesso à justiça é entender a justiça, querer buscar o justo e ter meios de efetivamente se buscar o que se almeja. A busca da verdade real, o contraditório é previsto pela lei, mas, de fato, não é observado, como demonstrado no vídeo. Vige a regra da "in dúbio pro societatis".

Note que com base nas deficiências apontadas pelo texto base, e com base no relato do documentário, vemos que há sim uma deficiência na aplicação eficaz do princípio da igualdade, o contraditório, presunção da inocência com um dano evidente aos réus mais pobres.

O que se extrai do filme é que o réu chega ao judiciário, via de regra, como "condenado". Note que a peça que instrui a denuncia (inquérito policial) é de caráter inquisitório, e não garante a ampla defesa ou o contraditório, e mesmo assim não os violam conforme doutrina, não geram nulidades.

O judiciário, órgão que em tese é imparcial e busca a verdade real dos fatos penais condenáveis, parece aos olhos do leigo como órgão opressor, de forma que amedrontam ate mesmo as testemunhas (auxiliares da justiça), que não deveriam temer.

Em suma temos que a Justiça Brasileira busca a repressão de condutas sociais indesejáveis de forma a não observar as garantias individuais, tornando a desigualdade social cada vez mais evidente, porem não assumidamente (igualdade formal).

A obrigatoriedade da instauração das infrações penais deveria dar lugar à oportunidade subjetiva de cada caso. O aumento do trabalho em matéria penal não dá ao Estado uma imagem de justo.

O documentário demonstra que não há garantias aos direitos individuais dos acusados, não há tratamento isonômico ao MP e ao Réu, não há busca pela verdade real na pratica quando o acusado já vem previamente culpado/ condenado pelo crivo subjetivo dos juizes e promotores.

Aprendemos toda a importância e a evolução histórica que os princípios têm no direito pátrio. Todavia ao analisar o documentário tenho que de nada adianta sabermos das garantias e dos direitos se, nos operadores do direito, já pré-julgamos os acusados. O acesso a justiça só cabe aos ricos que podem pagar e se defender dignamente.

A mancha moral que o processo penal causa aos envolvidos nos processos por si só deveria ser suficiente para que a justiça se torne mais célere, e que de fato busquemos a verdade real de forma igualitária sem favorecimentos a ninguém.

A militância em prol da justiça aos desfavorecidos faz-se necessária para que a conquista histórica dos princípios prevaleça e evolua ainda mais.

V - referencia bibliográfica complementar

Junior, Nelson Nery. Princípios do processo civil na constituição federal. 5° edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.