"Por muito tempo, o sangue constituiu um elemento importante nos mecanismos do poder, em suas manifestações e rituais. Para uma sociedade onde predominam os sistemas de aliança, a forma política do soberano, a diferenciação em ordens e castas, o valor das linhagens, para uma sociedade em que a fome, as epidemias e as violências tirnam a morte iminente, o sangue constitui um dos valores essenciais; seu preço se deve, ao mesmo tempo, a seu papel instrumental (poder derramar o sangue), a seu funcionamento na ordem dos signos (ter um certo sangue, ser do mesmo sangue, dispor-se a arriscar seu próprio sangue), a sua precariedade (fácil de derramar, sujeito a extinção, demasiadamente pronto a se misturar, suscetível de se corromper rapidamente). Sociedade de sangue - ia dizer de 'sangüinidade': honra de guerra e medo das fomes, triunfos da morte, soberano com gládio, verdugo e suplícios, o poder falar através do sangue; este é uma realidade com função simbólica. Quanto a nós, estamos em uma sociedade do 'sexo', ou melhor, 'de sexualidade': os mecanismos do poder se dirigem ao corpo, à vida, ao que a faz proliferar, ao que reforça a espécie, seu vigor, sua capacidade de dominar, ou sua aptidão para ser utilizada."(FOUCAULT, 2006: 160)

O que Foucault apresenta e chama de Sociedades de Sangue, brilhantemente, demonstra sim um generalismo acerca de uma pré-disposição simbólica, mais que se pauta em uma análise não muito longe de uma realidade primeva. Observa-se, remontando a tais sociedades, a gênese do mito do vampiro, não aquele vampirismo romântico que nos deparamos em filmes norte-americanos e considerados mais relacionados a um estereótipo burguês. O vampirismo a que chamo de "clássico", se pauta na mitificação sanguínea, onde temos o sangue como o grande agente da sociedade, daí inclusive o papel diferenciado que assume em primeiro lugar os "guerreiros" que promovem a guerra e ritos de sangue, que alimentavam por exemplo, os Astecas, em seus rituais de sacricífio. A consanguinidade que eleva-se até as sociedades aristoráticas, com sua herança genealógica. Chama atenção uma figura que possui um papel de grande importância nesse contexto, inclusive com seu auge nas chamadas sociedades matriarcais, a "mulher", pois esta com seu ciclo menstrual de sangue, exercia grande fascínio neste ambiente de adoração sanguínea, destacando inclusive, como em determinados momentos, portadora de atributos divinos por essa associação. Outro exemplo que poderia ser citado, em caráter alegórico, seria a idéia do vampiro enquanto morto-vivo, associado ao ciclo feminino, o considerado morto (embrião) por não ter nascido, acreditando-se no poder de morte da mulher, além do sangue vivo que era externado após o não-nascimento. Claro que tal visão encontra-se afastada das demonstrações de nossas ciências biológicas e fisiológicas que não mais se pautam em algo tão simplista e inverossímel.
Em seguida, Foucault menciona uma nova tendência da sociedade, em que qualifica de Sociedades de Sexualidade, estas pautadas no sexo, levando em consideração não mais a morte, mais sim a reprodução e consequentemente a vida. Este novo modelo serve-se de tudo aquilo que possa prolongar, fortalecer ou revigorar a vida, lutando contra o que contraria este objetivo, armando-se inclusive de teorias que possam embasar esta relação de poder, como o famigerado darwinismo social.
O sexo, antes restrito a certa ritualística, agora será enquadrado em uma vontade de higienização, assim como a responsabilidade do médico em a todo custo, preservar a vida, o que favorece as trécnicas que visam o aumento da longevidade.

Referência Bibliográfica:

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: a vontade de saber. 17. ed. tradução: Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2006.