INTRODUÇÃO

• A obra apresenta quatro artigos do autor:

1º) “As pedagogias do aprender a aprender e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento”, escrito em 2001;

2º) “Relações entre ontologia e epistemologia e a reflexão filosófica sobre o trabalho educativo”, escrito em 1997;

3º) “A anatomia do homem é a chave da autonomia do macaco: a dialética em Vigotski e em Marx e a questão do saber objetivo na educação escolar”, escrito em 2000 e

4º) “Ideal e idealidade em Ileynkov: contribuições para a reflexão filosófico-educacional contemporânea”, escrito em 2002.

• Esses quatro ensaios têm em comum a adoção da perspectiva crítico-dialética na análise de questões educacionais postas à sociedade contemporânea.

• A reflexão filosófica crítico-dialética não pode fazer qualquer tipo de concessão às concepções filosóficas pós-modernas.

• Segundo Marx, “conclamar as pessoas a acabarem com as ilusões sobre uma situação é conclamá-las a acabarem com uma situação que precisa de ilusões”.



CAPÍTULO 1 - “As pedagogias do aprender a aprender e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento”

• Philippe Perrenoud afirma que “a abordagem por competências junta-se às exigências da focalização sobre o aluno, da pedagogia diferenciada e dos métodos ativos”.

• Ele ainda afirma que “a formação de competência exige uma pequena ‘revolução cultural’ para passar de uma lógica do ensino para uma lógica do treinamento (coaching), baseada em um postulado relativamente simples: constroem-se as competências exercitando-se em situações complexas.

• Esse aprender a aprender é também um aprender fazendo.

• O autor focaliza quatro posicionamentos valorativos presentes no lema ‘aprender a aprender’:

1º - são mais desejáveis as aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e experiências. O construtivista espanhol César Coll apresenta o ‘aprender a aprender’ como finalidade última da educação.

• Nessa perspectiva, aprender sozinho contribuiria para o aumento da autonomia do indivíduo, enquanto que aprender como resultado de um processo de transmissão por outra pessoa será um obstáculo para alcançar a autonomia.

• As pedagogias do ‘aprender a aprender’ estabelecem uma hierarquia valorativa, na qual aprender sozinho situa-se em um nível mais elevado que o da aprendizagem resultante da transmissão de conhecimentos por alguém.

2º - é mais importante o aluno desenvolver um método de aquisição, elaboração, descoberta, construção de conhecimentos, do que esse aluno aprender os conhecimentos que foram descobertos e elaborados por outra pessoa. É mais importante adquirir o método científico que o conhecimento científico já existente.

• Piaget defendeu tal idéia ao contrapor a transmissão de conhecimentos existentes ao oferecimento de condições que permitam ao aluno construir suas próprias verdades: “o problema da educação é direcionar o adolescente não para soluções prontas, mas para um método que lhe permita construí-las por conta própria.

• Piaget afirma que “nós os provamos de um método de pesquisa que lhes teria sido bem mais útil para a vida que o conhecimento correspondente”.

3º - a atividade do aluno, para ser verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada e dirigida pelos interesses e necessidades da própria criança.

• Além de o aluno buscar por si mesmo o conhecimento e nesse processo construir seu método de conhecer, é preciso também que o motor desse processo seja uma necessidade inerente à própria atividade do aluno, é preciso que a educação esteja inserida de maneira funcional na atividade da criança.

4º - a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança. A nova educação deve pautar-se no fato de que vivemos em uma sociedade dinâmica, na qual as transformações em ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais provisórios.

• Um conhecimento é tido como verdadeiro quando pode ser superado em poucos anos.

• O autor português Vitor da Fonseca afirma que “a miopia gerencial e arrogante e a resistência à mudança [...] devem dar lugar à aprendizagem, ao conhecimento, ao pensar, ao refletir e ao resolver novos desafios da atividade dinâmica.”

• O ‘aprender a aprender’ deve ser apresentado como um arma na luta contra o desemprego.

• Essa criatividade não deve ser confundida com busca de transformações radicais na realidade social, mas sim criatividade em termos de capacidade de encontrar formas de ação que permitam melhor adaptação à sociedade capitalista.

• A sociedade do conhecimento é uma ideologia produzida pelo capitalismo, é um fenômeno no campo da reprodução ideológica do capitalismo.

• A sociedade é uma ilusão que cumpre determinada função ideológica na sociedade capitalista contemporânea.

• A função ideológica desempenhada pela crença na sociedade do conhecimento é a de enfraquecer a luta por uma revolução que leve a uma superação radical do capitalismo.

• A chamada sociedade do conhecimento apresenta cinco ilusões:

1. O acesso ao conhecimento foi democratizado pelos meios de comunicação.

2. A habilidade de mobilizar conhecimentos é muito mais importante que a aquisição de conhecimentos teóricos.

3. O conhecimento não é a apropriação da realidade pelo pensamento, mas sim uma construção subjetiva resultante de processos semióticos intersubjetivos, nos quais ocorre uma negociação de significados.

4. Os conhecimentos têm todos o mesmo valor.

5. O apelo à consciência dos indivíduos constitui o caminho para a superação dos grandes problemas da humanidade. Esta ilusão contém uma outra: esses grandes problemas existem como conseqüências de determinadas mentalidade, a guerra é vista como conseqüência do despreparo das pessoas para conviverem com as diferenças culturais.

• Conclusão: é preciso estar atento para não cair na armadilha idealista que consiste em acreditar que o combate às ilusões pode transformar a realidade que produz essas ilusões.



CAPÍTULO 2 - “Relações entre ontologia e epistemologia e a reflexão filosófica sobre o trabalho educativo”

• Este capítulo parte de um conjunto de estudos voltados para a elaboração de uma teoria do trabalho educativo.

• Esta reflexão é limitada a uma questão do campo da filosofia da educação; a das relações entre ontologia (parte da filosofia que parte da natureza do ser) e epistemologia (teoria da ciência) em uma perspectiva histórico-social e suas implicações para a reflexão filosófica sobre o trabalho educativo.

• Fernando Becker desenvolveu um trabalho fundamentado na classificação epistemológica de Piaget, que divide as concepções sobre o processo de conhecimento em três grandes grupos: o inatismo ou apriorismo, o empirismo e o interacionismo.

• Essa argumentação do autor é concentrada no argumento de que uma concepção histórico-social do processo de conhecimento e do trabalho educativo precisa fundamentar-se na análise das especificidades ontológicas do mundo social perante as características ontológicas do mundo da natureza.

 O interacionismo e a biologização do processo de conhecimento

• O modelo interacionista-construtivistatem sua expressão maior na obra de Piaget e se opõe a dois outros modelos epistemológicos: o empirismo e o apriorismo, também denominado inatismo ou pré-formismo.

• Há algo que pode unir pré-fosmistas, empiristas e interacionistas: o modelo biológico, naturalizante, com base na qual é assumida uma posição perante essa questão.

• Esse modelo biológico, em que se apóia o interacionismo-construtivista de Piaget é o da interação entre organismo e meio-ambiente.

• No processo biológico intervém dois mecanismos: a organização do ser vivo e a adaptação dele ao meio.

• Existe uma grande diferença entre adotar-se o modelo interacionista e considerar-se a importância das interações no processo de conhecimento.

 Em busca dos fundamentos ontológicos: a dialética entre objetivação e apropriação como dinâmica essencial da produção e da reprodução da realidade humana

• Defender a necessidade de buscar-se a compreensão das especificidades do processo de produção e reprodução da realidade humana não significa estabelecer uma rígida oposição entre o mundo da natureza e o mundo social.

• O salto da história da natureza sobre a história social não estabelece uma ruptura total, mas configura o início de uma esfera ontológica qualitativamente nova, a da realidade humana.

• Uma teoria de Marx diz que o processo pelo qual o ser humano foi se diferenciando dos demais seres vivos tem seu fundamento objetivo no trabalho, atividade pela qual o homem transforma a natureza e a si próprio.

• Essa teoria precisa ser analisada mediante a dialética entre objetivação e apropriação.

• O processo de apropriação surge na relação entre o homem e a natureza. O ser humano apropria-se da natureza incorporando-a à vida social.

• No processo de objetivação, o ser humano produz uma realidade objetiva que passa a ser portadora de características humanas, pois adquire características socioculturais, acumulando a atividade de gerações de seres humanos.

• Para assegurar a sobrevivência o homem produz os meios que permitem a satisfação de suas necessidades, ou seja, ele cria uma necessidade humana, o que significa a transformação tanto da natureza como do próprio ser humano.

• Este humaniza a si próprio, na medida em que a transformação objetiva requer dele uma transformação subjetiva.

• Ele cria uma realidade humanizada tanto objetiva quanto subjetivamente ao se apropriar da natureza, transformando-a para satisfazer suas necessidades, isto é, ele deve apropriar-se aquilo que de humano ele criou.

• A atividade de produção de instrumentos é tanto um processo de apropriação da natureza como um processo de sua objetivação.

• Um instrumento é algo que passa a ter uma função que não possuía como objeto natural, é um objeto de transformação para servir a determinadas finalidades no interior da prática social.

• O homem precisa conhecer a natureza do objeto para adequá-lo ás suas finalidades, um objeto só pode ser considerado um instrumento quando possui uma função no interior da prática social.

• Para poder transformar um objeto em instrumento, o homem precisa conhecer as características naturais do objeto, não importa que tipo de conhecimento seja esse, podendo ele ser científico ou empírico.

• O ser humano não cria a realidade humana sem se apropriar da realidade natural, o objeto em seu estado natural é resultante da ação de forças físico-químicas e de forças biológicas.

• Como instrumento, ele passará a ser resultante também da vontade e da atividade do ser humano.

• A objetivação e a apropriação como processos de reprodução de uma realidade não se separam de forma absoluta da objetivação e da apropriação enquanto produção do novo.

• Seja na produção de um conhecimento socialmente novo, seja na apropriação dos conhecimentos já existentes, a análise epistemológica precisa caracterizar justamente os elementos que configuram a inevitável historicidade da relação entre sujeito e objeto.

 A apropriação da cultura pelos indivíduos é um processo educativo

• A relação entre objetivação e apropriação realiza-se sempre em condições determinadas pela atividade passada de outros seres humanos.

• O psicólogo russo Alexis N. Leontiev analisa o processo de apropriação da cultura pelos indivíduos a partir de três características:

1. O indivíduo precisa realizar uma atividade que reproduza os traços essenciais da atividade acumulada no objeto.

2. A mediação entre o processo histórico de formação do gênero humano e o processo de formação de cada indivíduo como ser humano.

3. O processo de apropriação é sempre mediatizado pelas relações entre os seres humanos.

• Segundo Leontiev, o processo de formação do indivíduo é um processo educativo, no sentido lato do termo.

• A formação do indivíduo realiza-se por meio da relação entre os processos de objetivação e de apropriação, sempre num processo educativo, mesmo quando essa educação se realiza de forma espontânea.

• A educação escolar deve desempenhar um papel decisivo na formação do indivíduo, a apropriação em qualquer uma das esferas da prática social assume sempre a característica de um processo educativo.

 O que é o trabalho educativo?

• O trabalho educativo produz no indivíduo a humanidade e alcança sua finalidade quando cada indivíduo se apropria da humanidade produzida histórica e coletivamente e dos elementos culturais necessários à sua formação como ser humano.

• Tal conceito de trabalho educativo aponta na direção da superação do conflito entre as pedagogias da essência e as pedagogias da existência.

• Esse conflito é entre educar guiado por um ideal abstrato de ser humano e educar para a realização dos objetivos imanentemente surgidos na vida de cada pessoa, na sua existência.

• O conceito de trabalho educativo formulado por Demerval Saviani situa-se em uma perspectiva que supera a opção entre a essência humana abstrata e a existência empírica.

• Saviani critica a pedagogia escolanovista pelo fato desta, em nome da democracia e do respeito às diferenças individuais, acabar por legitimar desigualdades resultantes das relações sociais alienadas.

• O trabalho educativo é uma atividade intencionalmente dirigida por fins, daí ele se diferenciar de formas espontâneas de educação, ocorridas em outras atividades, mas que não são os de produzir a humanidade no indivíduo.



CAPÍTULO 3 - “A anatomia do homem é a chave da autonomia do macaco: a dialética em Vigotski e em Marx e a questão do saber objetivo na educação escolar”

 Dialética de Vigotski

• Vigotski argumenta em suas “obras Escolhidas” sobre a necessidade de uma teoria geral da psicologia marxista, superando a crise existente nesse campo da ciência, crise essa caracterizada pela contradição entre o acúmulo de dados obtidos por meio das pesquisas empíricas e a total fragmentação da psicologia em uma grande quantidade de correntes teóricas.

• Vigotski entendia ser necessária uma teoria que realizasse a mediação entre o materialismo dialético e os estudos sobre os fenômenos psíquicos concretos.

• Ele criticou aqueles que pensavam estar construindo uma psicologia marxista justapondo dados psicológicos empíricos a citações dos clássicos no marxismo.

• Entendia, também, que a clareza quanto aos fundamentos centrais do marxismo pode possibilitar aos psicólogos marxistas não se fecharem ás questões formuladas por correntes não-marxistas da psicologia.

• Vigotski não pretendia adotar de Marx apenas aquilo que fosse imediatamente útil à pesquisa no campo da psicologia, mas sim fundamentar nele a construção da psicologia, construir uma psicologia marxista e para isso fazia-se imprescindível a adoção do método de Marx em sua globalidade.

• Para Vigotski, o desenvolvimento da psicologia como ciência estaria condicionado ao avanço do processo de construção de uma sociedade socialista.

• Disse ele: “ser donos da verdade sobre a pessoa e da própria pessoa é impossível enquanto a humanidade não for dona da verdade sobre a sociedade e da própria sociedade”.

• Paráfrase de Marx: “a natureza psicológica da pessoa é o conjunto das relações sociais, transferidas para dentro e que se tornaram funções da personalidade e formas de suas estruturas”.

• Para Vigotski, para que ocorra o desenvolvimento sociocultural é necessário que o indivíduo se aproprie dos produtos culturais, da cultura material e da cultura intelectual. Essa apropriação da cultura pela criança é mediatizada pelos adultos que já se apropriaram da mesma cultura. Esse processo exige a interação entre adultos e crianças.

• Vigotski cita que Piaget entendia que a “transmissão social” seria um dos três fatores clássicos do desenvolvimento, sendo os demais a hereditariedade e o meio físico.

• Piaget acaba por transformar o social em algo externo ao desenvolvimento do indivíduo num componente secundário desse desenvolvimento.

• Vigotski afirma que a interação entre o ser em desenvolvimento e o ser desenvolvido não é necessária para o desenvolvimento do embrião humano, mas é fundamental para o desenvolvimento cultural do indivíduo humano.

• Isso remete a um aspecto do método dialético de Marx que é adotado por Vigotski, sintetizada na famosa metáfora de Marx, adotada neste artigo de que “a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco”.

• A essência do objeto se apresenta de maneira mediatizada, realizada pelo processo de análise, o qual trabalha com abstrações.

• Trata-se do método dialético de apropriação do concreto pelo pensamento científico por meio da mediação do abstrato. O processo do conhecimento conteria três momentos: síncrese, análise e síntese.

• Sem a mediação da análise, o pensamento científico não seria capaz de alcançar a síntese, isto é, alcançar a compreensão da realidade investigada em seu todo concreto.

• Em “Psicologia da Arte”, Vigotski teve o objetivo de descobrir a essência da reação estética. Para isso, ele recorreu ao método da análise., buscando detectar aquilo que constituiria a unidade mais essencial da reação estética: nunca aparecer na forma pura, abstrata, mas sim na forma concreta.

• Ele recorreu também ao método inverso, ou seja, buscou analisar formas desenvolvidas de arte, pressupondo que seu estudo revelaria aspectos válidos também para formas menos desenvolvidas.

• Isso soa estranho àqueles que buscam em Vigotski apoio para posições pedagógicas que postulam um multiculturalismo relativista para o qual não existiriam saberes mais desenvolvidos que outros; existiriam apenas saberes diferentes.

• Esse psicólogo soviético mostra que os conceitos científicos, ao serem ensinados à criança por meio da educação escolar, superam os conceitos cotidianos, ao mesmo tempo em que a aprendizagem daqueles ocorre sobre a base de formação destes.

• Vigotski dava grande valor à existência das formas culturais mais desenvolvidas, essa é uma questão fundamental para os educadores, pois ela toca nas questões do que ensinar, a quem ensinar, quando ensinar, como ensinar e por que ensinar.

• Ao defender a necessidade da análise para compreensão de determinado fenômeno psicológico, esse pesquisador diferenciava claramente entre a análise que se reduz à descrição do mais imediatamente visível e a análise que vai além das aparências.

• A compreensão dialética e materialista que Vigotski tinha do conhecimento científico estava concretizada na adoção do método de análise, que utiliza a mediação das abstrações para chegar à essência real e objetiva daquilo que está sendo investigado.

• Há que se desenvolver todo um complexo de mediações teóricas extremamente abstratas para se chegar à essência do real.

• O conhecimento construído pelo pensamento científico a partir da mediação do abstrato não é uma construção arbitrária da mente.

• A epistemologia materialista e dialética de Vigotski este em perfeita consonância com a dialética presente na obra de Marx, já que sua dialética também se apoiava no princípio de que a abstração é uma mediação indispensável por meio da qual a ciência chega à essência da realidade concreta.

• Vigotski citava Marx com freqüência para defender a importância do “método de abstração” também na psicologia, assim como em toda a ciência.

• A análise das unidades de um todo não substitui a compreensão da sua totalidade, já que a unidade é objetivamente parte de um todo e o processo de conhecimento deve caminhar da análise abstrata dessa unidade para a síntese concreta do pensamento.

→ A dialética de Marx

• Marx estabelece relações entre o todo e as partes, entre o abstrato e o concreto e entre o lógico e o histórico.

• Essas relações são analisadas por ele no que se refere ao pensamento e à realidade histórico-social.

• Esse autor afirma que o pensamento não pode se apropriar do concreto de forma imediata, não pode reproduzi-lo por meio do contato direto.

• O concreto é reproduzido pelo pensamento científico, que reconstrói, no plano intelectual, a complexidade das relações que compõem o campo da realidade, o qual constitui o objeto de pesquisa.

• Muitos pesquisadores rejeitam a perspectiva da totalidade, limitando-se ao micro, ao caso isolado, ao particular transformado em única instância real.

• O singular só pode ser entendido em toda sua riqueza quando visto como parte das relações por meio das quais se compõe o todo.

• Esse é um dos principais problemas de boa parte daquilo que no campo da pesquisa em educação é chamado de “metodologias qualitativas”.

• Marx afirma que o concreto só pode ser adequadamente captado pelo pensamento não como ponto de partida, mas como ponto de chegada, enquanto síntese.

• Muitos intelectuais pós-modernos e construtivistas rejeitam a idéia de que o conhecimento seja a reprodução da realidade pelo pensamento, por considerarem tal idéia positivista e mecanicista.

• Marx esclarece que o caminho das categorias mais simples, abstratas e unilaterais para a complexidade e concreticidade do todo é o caminho do pensamento e não o da realidade, pois nela as categorias simples só têm existência no interior de um todo já existente.

• Tem sido muito freqüente nos estudos educacionais a interpretação de que considerar o indivíduo como um ser social seria sinônimo de considerar as relações imediatas entre dois indivíduos.

• Os estudos no campo da educação, que reduzem a sociabilidade humana aos desdobramentos de características individuais, seguem a mesma linha de raciocínio dos economistas clássicos, criticados por Marx.

• Esse autor faz uma crítica a todo tipo de idealismo que trate os conceitos e seu desenvolvimento como algo desvinculado dos sujeitos humanos reais, histórica e socialmente situados.

• Marx defende dois princípios materialistas e, por isso, antiidealistas

1º - o concreto real e objetivo, com toda sua complexidade, existe antes do pensamento realizar o movimento da reprodução ideal desse concreto e continua a existir durante essa reprodução; 2º - o processo de elaboração da síntese do todo no pensamento é um processo desenvolvido por indivíduos concretos, processo de conhecimento esse que consiste na elaboração da intuição e da representação em conceitos.

• Pode-se afirmar, portanto, que o processo histórico caminha do simples para o complexo.

• Marx atribui significados às expressões “categorias concretas” e “categorias abstratas”: as categorias abstratas são relações simples, unilaterais, parciais, enquanto as categorias concretas são mais complexas, mais ricas e multilaterais.

• Pode ocorrer historicamente o processo pelo qual uma categoria mais concreta vai tornando-se uma categoria mais abstrata e uma categoria mais complexa vai se tornando uma mais simples.

• Para exemplificar essa idéia, Marx analisa a evolução da categoria trabalho como categoria do pensamento econômico e também como categoria da realidade econômica.

• Foi necessária a evolução do pensamento econômico para que este considerasse a produção da riqueza como resultado do trabalho em geral e não como resultado de algum tipo específico de trabalho.

• A evolução do pensamento econômico é caracterizada por Marx como passando do monetarismo para o mercantilismo e deste para a fisiocracia, até se chegar à idéia de que a riqueza é produzida pelo trabalho em geral.

• A fisiocracia evoluiu de forma significativa porque defendeu que a riqueza é produzida pelo trabalho agrícola, sendo constituída pelo produto em geral desse trabalho.

• Ela limitava a riqueza aos produtos de um tipo específico de trabalho e Marx mostra que o trabalho abstrato é produto de uma sociedade mais complexa, na qual existe uma diversidade maior de trabalhos concretos.

• Somente no capitalismo o trabalho pode existir em sua forma mais abstrata, e essa forma ele não mostrou no início da história, mas apenas com o surgimento do capitalismo.

• A análise de Marx acerca das relações históricas entre as categorias abstratas e as categorias concretas leva à formulação da famosa tese sobre as relações entre o lógico e o histórico: a análise da lógica é a chave para a análise do processo histórico de desenvolvimento desse fenômeno.

• Os economistas são criticados por Marx por acharem que as características próprias da sociedade burguesa, próprias do capitalismo, já estavam presentes nas formas mais primitivas de vida social.

• Marx via a história como um processo em desenvolvimento e essa idéia atualmente é muito contestada pelos intelectuais pós-modernos e mesmo por certos neomarxistas.

• É um grande equívoco contrapor a idéia de desenvolvimento a uma visão crítica da história, como se ela tivesse que necessariamente negar o desenvolvimento e o progresso.

• A afirmação que aparece no título deste artigo, de que “a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco” significa que a pesquisa deve partir da fase mais desenvolvida do objeto investigado para a análise de sua gênese e, depois dessa gênese, retornar ao ponto de partida, ou seja, à fase mais evoluída do objeto.

• Para concluir, Marx chama a atenção para o fato de que, embora o conhecimento científico caminhe do abstrato para o concreto, da parte para o todo, é preciso nunca esquecer que na realidade objetiva o todo já existe antes que ele seja reproduzido no plano do pensamento.

• Quando o conhecimento científico parte da premissa de que o objeto já existe como um todo com determinadas características, a lógica do percurso que vai do abstrato ao concreto não pode tomar qualquer abstração como ponto de partida.

• Vigotski afirmou que a interação entre a criança enquanto ser em desenvolvimento e o adulto enquanto ser desenvolvido é a principal fonte impulsionadora do desenvolvimento cultural da criança.

• O adulto desenvolvido é a chave para a compreensão do desenvolvimento da criança, por isso não se deve esquecer que esse desenvolvimento infantil se dá pela interação com o adulto já desenvolvido.

• Tanto Marx quanto Vigotski não só defendiam que o saber é objetivo como também defendiam que existe um processo de desenvolvimento do saber, o que resulta na existência de formas mais evoluídas do saber.

• Assim como a concepção pedagógica de Demerval Saviani, também a psicologia vigotskiana apóia-se no método dialético de Marx, em cujo âmbito não há margem nem para o evolucionismo ingênuo, nem para o subjetivismo, nem para o relativismo.

• É comum condenar como autoritária, etnocêntrica, falocêntrica e racista a defesa de que existam saberes mais desenvolvidos, que passaram a ter validade universal para o gênero humano e que devam ser transmitidos pela escola.

• Vigotski aborda o princípio do pensamento como reflexo da realidade objetiva, mostrando que é um equívoco pensar que esse princípio implica passividade do sujeito perante essa realidade.

• Esse autor afirma, ainda, que o reflexo da realidade objetiva é fundamental para que o indivíduo se torne sujeito de suas ações e da construção de sua personalidade.

• Na concepção vigotskiana do desenvolvimento da personalidade por meio do conhecimento mais profundo da realidade objetiva, evidencia-se a importância da educação escolar, da transmissão do saber objetivo pelo trabalho educativo na escola.

• Ao conseguir que o indivíduo se aproprie desse saber, convertendo-o em “órgão de sua individualidade”, o trabalho educativo possibilitará ao indivíduo ir além dos conceitos cotidianos, superá-los, os quais serão incorporados pelos conceitos científicos.



CAPÍTULO 4 – “Ideal e idealidade em Ileynkov: contribuições para a reflexão filosófico-educacional contemporânea”

• Nas publicações brasileiras no campo da Filosofia da Educação não se encontram menções aos trabalhos do filósofo russo Evald Vasilyevich Ilyenkov (1924-1979). No exterior, Ilyenkov tem sido citado principalmente por autores que desenvolvem estudos e pesquisas no âmbito de uma abordagem multidisciplinar no campo das Ciências Humanas.

• Neste artigo, de maneira introdutória, será feita a análise filosófica que Ilyenkov desenvolveu acerca dos conceitos de ideal e idealidade.

• Faz-se necessário um esclarecimento preliminar sobre a acepção da palavra “ideal”, qual seja, a de algo relativo às idéias, diferenciando-se do que é material, isto é, relativo à matéria.

• A palavra “ideal” não será utilizada como sinônimo de algo perfeito, um modelo. Também não será usada como sinônimo de uma “causa” seguida por indivíduos.

• A palavra idealidade será usada em referência à qualidade dos fenômenos ideativos, diferenciando-se de materialidade, que seria a qualidade dos fenômenos materiais. Ilyenkov também usa a palavra idealidade para referir-se à esfera dos ideais.

• Para Ilyenkov aquilo que é ideal pode ser tão objetivo quanto aquilo que é material, o grau de idealidade de um fenômeno não mantém obrigatoriamente uma relação de proporcionalidade inversa ao grau de objetividade desse fenômeno.

• Duas observações são necessárias:

1ª - na filosofia de Ilyenkov, o que é ideal não pode ser visto como pertencendo a um mundo separado e absolutamente distinto do mundo material.

2ª - não se trata de classificar de um lado, os fenômenos ideativos e, de outro, os materiais.

• Um fenômeno social pode possuir a idealidade e a materialidade.

• Numa abordagem dialética, o ideal e o material não mantém entre si uma relação de rígida oposição e sim de interação dinâmica.

• Ilyenkov diz que é necessário reconhecer que o significado mais comum de ideal é o de um fenômeno mental, algo no âmbito do pensamento, interno à consciência.

• Se esse significado é aceito, tem-se como conseqüência que não se pode falar da “idealidade” de algum fenômeno fora da consciência humana. A “idealidade” seria um atributo exclusivo dos fenômenos internos à consciência humana

• Ilyenkov mostra a inconsistência dessa abordagem a partir dos próprios pressupostos que ela pretensamente adotaria, ou seja, os pressupostos de uma concepção epistemológica materialista.

• No que se refere aos fenômenos ideais, um pressuposto materialista é o de que as idéias não podem existir sem a atividade material do cérebro humano.

• Iyenkov apresenta sua crítica ao materialismo simplista e não dialético. Para tanto ele recorre ao conceito trabalhado por Marx, de valor em geral, isto é, valor abstrato, valor de troca da mercadoria.

• Ilyenkov conclui que a forma do valor é algo ideal e, entretanto, existe fora da consciência humana individual e independentemente dela, isto é, ela existe mesmo que os indivíduos não tenham conhecimento disso.

• Para o materialismo não dialético, afirmar que exista um fenômeno ideal situado externamente à consciência individual significaria afirmar que exista um espírito supra-individual, à maneira do “idealismo objetivo” de Hegel, assim chamado por diferenciação em relação ao idealismo subjetivo para o qual a idéia estaria sempre situada no interior das mentes dos indivíduos singularmente considerados.

• Ilyenkov aborda a diferença entre o que é ideal e o que é material, defendendo que uma consistente concepção epistemológica materialista não pode adotar como critério diferenciador o de que material seria tudo aquilo externo à consciência do indivíduo, pois tal critério não resolve o problema da objetividade de algo.

• Para Marx, a objetividade do valor de troca é uma objetividade não física, não natural, mas sim social. A objetividade física está contida na mercadoria enquanto corpo físico, já a objetividade social não é acessível aos órgãos dos sentidos, como o tato, a visão ou o olfato.

• Ela existe na forma de uma relação social e isso é de extrema importância na análise desse tipo de objetividade. A objetividade social do valor de troca da mercadoria é determinada pela quantidade de trabalho humano em geral contida na mesma.

• Assim, o valor de troca de uma mercadoria é nada mais nada menos do que uma quantidade de trabalho humano em geral, trabalho abstrato, essa “simples gelatina de trabalho humano indiferenciado”.

• O valor de uso e o trabalho abstrato possuem aquela qualidade chamada por Ilyenkov de idealidade, ou seja, são fenômenos ideativos. É por isso que Ilyenkov insiste em afirmar que é preciso abandonar o princípio segundo o qual os fenômenos ideativos seriam aqueles que têm existência exclusivamente dentro da mente dos indivíduos.

• Mas a pergunta é: o que assume essa forma ideativa? A consciência? A vontade dos indivíduos?

• A resposta de Ilyenkov a essa questão é a seguinte: o que assume a forma ideativa não é consciência ou a vontade dos indivíduos, mas sim sua atividade.

• O produto da atividade de trabalho passa a ser portador dessa atividade, a qual transferiu-se do sujeito para o objeto.

• Mas esse processo não se realiza, segundo Marx, sem a utilização de instrumentos e sem a consciência do que se pretende produzir com a atividade de trabalho. O processo pelo qual a atividade se transfere do sujeito para o objeto é também o processo pelo qual a idéia se transfere da mente para o objeto.

• Não haveria aqui uma contradição com o que afirma Ilyenkov, isto é, a idealidade dos fenômenos sociais não seria uma resultante da consciência dos indivíduos, de sua vontade? A idealidade não estaria, então, na mente dos indivíduos? A resposta é negativa porque é necessário analisar a atividade de cada indivíduo não como um fato isolado, mas como um momento de um conjunto de relações sociais e de um processo histórico.

• O indivíduo atua utilizando-se de todo um conjunto de fenômenos que resultaram da atividade social que precedeu sua ação.

• Há, por assim dizer, todo um universo ideativo corporificado na cultura humana. Os indivíduos utilizam-se dos meios de produção, mas não podem fazê–lo sem adequarem sua atividade às características objetivas desses meios de produção.

• E mesmo quando o indivíduo não está produzindo ele se depara com uma “lógica” social que não é resultante da vontade individual ou da consciência individual, mas sim uma resultante da totalidade das relações sociais.

• O dinheiro é algo ideal, é um conjunto de relações sociais que o indivíduo por assim dizer carrega em seu bolso. O dinheiro representa a troca de mercadorias, a qual, por sua vez, representa uma comparação de quantidades de trabalho abstrato. O dinheiro é a representação de relações sociais.

• Ilyenkov, ao tratar da idealidade dos fenômenos sociais, insiste na função de representação. Aquilo que representa não tem existência própria, sua existência só se justifica na relação que mantém com o que é representado.

• O dinheiro não existe em si e por si mesmo, mas como uma representação altamente abstrata de determinadas relações sociais. Mas não por acaso o dinheiro, ao longo da história humana, ter permanecido para a maioria dos seres humanos como algo absolutamente misterioso, que parece ter vida própria. • O dinheiro tem uma existência ideal mas totalmente objetiva, no sentido de que sua existência em nada depende de uma consciência individual ou de uma vontade pessoal. Trata-se aqui daquilo que poderia ser chamado de existência objetiva daquilo que é ideal ou, simplesmente, objetividade da idealidade. P

• A diferença entre o materialismo e o idealismo é a de que o primeiro considera que essa existência objetiva do ideal é produzida pela atividade social humana.

• Ilyenkov explicita as conseqüências de sua análise filosófica do ideal e da idealidade para a questão da formação do indivíduo humano. Como se formam a consciência e a vontade no plano mental individual?

• Elas se formam a partir da apropriação, por meio das atividades sociais de cada indivíduo, da idealidade objetivamente existente na cultura humana.

• É por essa razão que Ilyenkov insiste que a idealidade não é resultado da consciência e da vontade, mas sim o contrário, ou seja, a consciência e a vontade do indivíduo se formam a partir de sua inserção no mundo social, no mundo da cultura.

• O mundo da consciência individual é construído a partir da apropriação dessa idealidade existente nos fenômenos sociais.

• Ocorre que a existência objetiva da idealidade não tem como única conseqüência a de que os indivíduos tenham que dela se apropriarem. Outra conseqüência, que não pode ser de forma nenhuma secundarizada, é a possibilidade dos seres humanos se relacionarem de forma alienada com essa idealidade.

• Mas a tarefa de uma educação que pretenda lutar contra a “coisificação dos seres humanos” e o “fetichismo das coisas criadas pelos homens”, não consiste nem em negar a existência da idealidade, nem em tentar fazê-la brotar espontaneamente do interior dos indivíduos.

• O ser humano precisa tornar-se senhor tanto da materialidade quanto da idealidade que constituem o mundo da cultura humana, o mundo criado pelo trabalho humano. Trata-se aqui da luta, por certo árdua, pela superação das relações sociais que transformam essa materialidade e essa idealidade em forças inimigas do próprio ser humano.

• Nesse sentido, uma educação que se proponha a desenvolver a consciência autônoma dos indivíduos, teria como um de seus pressupostos, o de que tal desenvolvimento não ocorre a não ser na atividade voltada para o exterior, para a realidade social, para o outro.

• Ilyenkov desenvolve toda uma argumentação voltada para a tese de que há uma verdade no idealismo, especialmente na versão do chamado “idealismo objetivo”, isto é, há uma verdade na concepção defendida por tantos filósofos, segundo a qual existiria um mundo das idéias situado fora da mente dos indivíduos.

• E o tipo de materialismo defendido por Ilyenkov, longe de adotar a fácil, porém infrutífera atitude de reduzir o idealismo a uma simples miragem, procura explicar a existência desse “mundo das idéias”, ou seja, a existência da idealidade, recorrendo ao processo histórico de produção, pela atividade social humana, da cultura material e intelectual.

• Por fim, é importante salientar que o objetivo aqui não foi e não poderia ser o de abordar todas as facetas da obra desse filósofo. O intento foi unicamente o de iniciar um diálogo com outros pesquisadores no campo da filosofia da educação, sobre a filosofia de Ilyenkov, tomando como ponto de partida esse seu texto sobre ideal e idealidade. Isto porque, procurando ser coerente com aquela idéia de que o indivíduo reconhece a si mesmo através do outro, pode-se avançar no estudo da obra desse filósofo dialogando com educadores voltados para outros estudos e outras perspectivas filosóficas.



REFERÊNCIA



DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Coleção Polêmicas do Nosso Tempo. 1ª Ed. Campinas, SP; Autores Associados, 2003