Abel Aquino

Uma mulher pedia esmola na esquina, sentada num caixote de madeira e o braço estendido, com um prato metálico na mão. Falava alguma coisa ininteligível e olhava para todo transeunte que se aproximava. Duas crianças brincavam ao seu lado, indiferentes ao que a mãe fazia. A menina usava um vestido amarelo, sujo e amarrotado. O menino, de calça curta, vestia uma camiseta cinza, rasgada.

Parei na porta da loja e fiquei observando o comportamento da mulher. Ela agitava a vasilha e as poucas moedas que tinha, tilintavam. O barulho chamava a atenção das pessoas que passavam por perto. Um senhor bem vestido, mas sem aparência de abonado, aproximou-se de mim e puxou conversa.

  • Você acha certo dar esmola para uma pessoa assim?

  • Depende, respondi.

  • O que precisa mesmo é alguém pegar ela e os filhos e levar pra trabalhar.

  • E se ela não gostar da idéia?

  • Então, que morra de fome.

  • E se ela conseguir mais esmola que se trabalhasse?

  • Isso é que é errado. Dar esmola não é solução pra nada. É incentivo a vagabundagem. O certo é ter um jeito de tirar ela dessa vida que leva.

  • Mas quem vai poder fazer isso?

  • Pode ser o governo.... a gente não paga imposto pra isso?.... pro governo cuidar dos pobres?

  • Mas os políticos pensam nisso? Perguntei sorrindo, meio zombeteiro.

  • Ai que ´tá, respondeu o estranho. – quem vai obrigar o governo a fazer isso!?

  • A gente dá esmola para parecer que já fez a sua parte, falei provocativamente.

  • Eu não dou e não sinto remorso disso, declarou convicto.

  • Não tem dó das crianças?

  • Essas crianças estão aí pra fazer a gente sentir dó, mesmo. Eu não caio nessa!

  • Acredito que a intenção dela é essa mesma, mas, não é normal ver pessoas pedindo esmola numa esquina.

  • Normal não é, e não é culpa minha, deu de ombro.

  • Nem minha. Mas, não existe uma forma de evitar que um certo número de pessoas permaneça tão pobre que precise pedir esmola?

  • Existir, existe; bastava acabar com a preguiça dessa gente.

  • Você acha que isso é resultado da preguiça?

  • Em parte é. Eu nasci pelado, sem dente, não sabia andar nem falar, não recebi herança, não fui ajudando por meu pai e não reclamo da vida nem preciso dos outros pra viver. Não sou rico, mas fiz meu pé de meia, trabalhando duro.

  • Essa é a história de muita gente, respondi enquanto estudava a aparência do homem.

  • Pobreza é castigo de Deus.

  • Como assim?

  • Deus dá as mãos e as pernas, a inteligência e o mundo pra gente se virar. Quem não é aleijado não tem desculpa de viver na miséria.

  • Lá isso é verdade.

  • Tem mais: quem tem coragem não passa necessidade.

  • Também concordo.

O homem estava se empolgando. Falava mais alto e gesticulava, olhando para o meio da rua como que para impressionar uma platéia imaginária.

  • O problema da pobreza é que ninguém liga pro pobre, nem a igreja católica, nem a sociedade, nem os ricos, nem os políticos.

  • É, são marginalizados.

  • Mais do que isso. - São a sobra, não fazem parte de clubes, de famílias. – Pode ver: todo pobre é meio só no mundo, perdeu contato com a maioria dos familiares.

  • É triste.

  • Vamos fazer o que? O desconhecido olhou mais uma vez para a mulher sentada na calçada, agitando a latinha com moedas. – Falo uma coisa: ninguém dá jeito nisso, não. Estava desanimado.

  • Podemos cobrar dos políticos, da prefeitura. – Não é obrigação deles recolher e alimentar esses mendigos? Perguntei.

  • Recolhe um, aprece dois, deu de ombro e saiu rua abaixo.

  • Tchau!

Caminhei na direção oposta, passando em frente da mulher e seus filhos. Uma velhinha parou, abriu sua bolsa, tirou uma moeda e colocou na latinha. A mendiga agradeceu, desejando as bênçãos de Deus.