Edéia GO, 21 de fevereiro de 2011
Alexandre Hercos

SOBRE CARROS, MORTE E VIDA
Certo dia, minha filha Ana Luiza, que chamo de Aninha, então com 5 anos, me assaltou com perguntas sobre a morte. Acho que naquela época respondi coisa triviais como "vai pro céu", "está com os anjinhos". Lembro que senti desconforto pois não me imaginava sem resposta adequada para uma criança. Desde então vivo um constante despertar.
Pensando hoje, talvez ainda não conseguiria dar aquela resposta de maneira eficiente e conclusiva. Talvez porque ainda encaramos a vida e morte igual aos egípcios de 2.000 anos antes de Cristo, talvez porque tenhamos nos perdidos nas inúmeras teorias religiosas que afloraram século após século; mas o fato é que estamos tão envolvidos nas tramas diárias da vida que ficamos anestesiados aos fatos sublimes e quintessenciados desta maravilhosa e dura jornada que chamamos de Vida.
Hoje, observo o nosso modo de ver as pessoas e comparo como se estivéssemos nos olhando de dentro de carros. Como se vivêssemos dentro de automóveis o dia todo e víssemos uns aos outros também dentro de seus veículos. Na realidade veríamos somente os veículos e raramente conseguiríamos enxergar o rosto do motorista atrás do parabrisas devido aos reflexos do Sol ou simplesmente devido a imponência, a cor e a potencia do automóvel. Então a grande Obra Divina, cantada em prosa e verso, seriam meros motoristas presos nessa atraente massa de ferro moldado. Nossos conceitos dos outros seriam tão somente o que enxergamos neles, ou seja, as linhas, os formatos e as cores de seus carros. Imagina que quando o veiculo fundisse o motor de forma irreversível, choraríamos de pena, em cima do capô do carro morto sem sequer perceber que o motorista, aquele da Obra de Deus, está vivo! Talvez ao lado do seu carro nos olhando incrédulos devido a nossa tamanha insensatez, ou quem sabe, compreendendo nossa pequenez, tentam nos consolar. Certo! Mas e o que aconteceria com os motoristas desses carros descartados enferrujando ao relento? Pelas teorias existentes: ou estariam apodrecendo dentro de suas armaduras de ferro, ou seriam doravante apenas pedestres, ou estariam internados em novos e diferentes carros ? logo, desconhecido dos antigos companheiros. Perdoem-me a fraqueza de espírito, mas me incomoda a primeira opção, por isso vou aceitar como verdadeira as duas últimas.
(Jeito estranho de enxergar as pessoas, porque nessa visão os carros são como nossos corpos, as oficinas seriam como os hospitais e os cemitérios como ferro velhos e o motorista é a alma que inclui os pensamentos, virtudes, vícios, desejos, crenças, paixões e ilusões, enfim a pessoa em si.)
De certo modo essa fábula vem de encontro aos nossos conceitos e deficiências cotidianas em enxergar o que é verdadeiro ou ilusão. Vimos na maioria das vezes apenas as vestes, os carros, o status e o suposto poder das pessoas em detrimento do que as almas delas realmente carregam dentro de si. Quem de nós nunca olhou tão somente as "latarias" dos "carros" dos outros? Quem de nós consegue realmente ver e deixar ser vistos fora de nossas máscaras? Será que para sermos Livres não seja necessário deixarmos de ser escravos dessas ilusões materiais, usando do poder dos bons costumes, por exemplo? Por que ainda não conseguimos interiorizar o fato de que por de atrás dessas carcaças somos realmente iguais perante a Suprema Luz? E por que não percebemos que quando rezamos e dizemos "Pai Nosso" estamos nos comprometendo com Deus e com todos os homens de uma maneira salutar? Sim, pois dizendo "Pai" estamos exaltando e glorificando um ser supremo, o Arquiteto do Universo; e quando dizemos "Nosso" colocamos nós e todas as outras pessoas (boas ou más, poderosas ou humildes, queridas ou repugnantes) como filhos d?Ele, portanto nossos irmãos. Assim pude entender o quão pesada é a nossa missão de viver as palavras Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
No fundo eu gostaria que todos tivessem uma Aninha em suas vidas, que os fizessem pensar. Espero que quando eu e a minha filha crescermos, tenhamos uma visão mais clara e reconfortante dos sublimes mistérios da vida, mas por enquanto somos apenas pequenos aprendizes.