Sobre as nuvens brancas

   A tu Zacarias meu amigo que tanto bem me fizeste.   Ainda me lembro do porre que tomamos, afim de dissolver as amarguras nefastas do nosso destino!   Devo salientar que ponho sobre este papel tudo que aprendi e lembro!

   Diferente era, de quando o sorriso me estampava a cara, e ninguém como tu Zacarias, para tão bem realizar esse feito!    Primeiro vou te contar o que aconteceu à Djair, e seu amor de portão Isabel, depois de tanto eles romperem acabaram quase se casando, seria um casamento de eternos poucos minutos, mas em fim quase casaram-se!   Djair com cara de velório por ter que deixar sua vida canalha, morreria naquela cerimônia histórica o boêmio sonhador, se não fosse por um circo que há pouco tempo havia chegado na cidade, trazendo as fantasias de Djair que nós conhecíamos muito bem!

   A cigana Molina, cheia de encantos e bijuterias, seus olhos quase derretiam por sua cor de mel, enormes cabelos negros cacheados, traziam mistérios em suas costas, pele parda significativa, confesso não acreditar que aquela moça de sorriso inebriante, e tão jovem quanto eu, carrega essa beleza a cinqüenta anos, no entanto continha uma jovialidade, que você trocaria seus vinte anos por aquele espírito recém nascido.   Era demais para o nosso amigo Djair, que corria atrás até de dona Ana, à quem apelidamos de dona padaria, e que padaria!

   O que aconteceu a Djair?          

   Na bendita hora em que o padre Walmir perguntou:   Se tiver alguém que tenha algo a dizer, que possa interromper esse casamento, que fale agora, ou cale-se para sempre!

   E todos como se desejassem tal desgraça, olham-se espantosos, mas não tão espantosos quanto olharam para as portas da igreja católica, que se abriram aos pares pela força daquela mulher, a jovem cigana Molina, com sua voz aldaz replicou:   Este homem não pode se casar, pois ele me ama, antes que o pobre boêmio pudesse se explicar, foi sugado pelas calças para fora da igreja e levado para sabe lá Deus onde!

   Sorte de Djair, azar de Jesus cristo.   O pai de Isabel desengata um trabuco em sua direção, que se esquiva, e o tiro arranca a cabeça da estátua de Jesus Cristo crucificado, que ficava bem atrás do altar, filho da mãe esse nosso amigo, sumiu sem  deixar rastros.

   Nos éramos um grupo, eu você Djair e Pedrosa, este pois bem, vou te contar em detalhes o que aconteceu.   Era manhã de sexta-feira, e como de costume Pedrosa me acorda, com uma folha escrita em mãos, e curiosidade peculiar de um poeta à saber, o que eu mero leitor e admirador de suas obras, acharia de mais daquele raciocínio fascinante onde ele mantinha em seus escritos.

   Este se intitulava TRÊS PÊSSEGOS!       


Três pêssegos.


  Verdugo homem, que de passos se realiza

Passos iluminados por três pêssegos,

Porque estes são pêssegos e não homens.

Pêssegos são frutas cegas

Se fossem frutas vistas seriam Vêssegos.

E se os homens cegos

Ao comerem Vêssegos vissem

Estes não seriam homens.

Ver há cegos que lêem,

Ver há cegos que amam,

Ver há cegos que não são menos homens por isso,

Ver há cegos que aceitam a cegueira ,

Ver há cegos que vêem mais que homens.

   E então o que você achou?   Pergunta-me sinicamente o nosso amigo Pedrosa e eu fico sem palavras, também porque caro Zaca, não quero lhe influenciar com minhas interpretações!

   Pedrosa é um sábio de nossa época, digo isso por você, ainda posso recitar minuciosamente, aquele poema dele, você não gostava muito por que se sentia o personagem principal.   Seu título era, PRESIDENTE, e ele começava mais ou menos assim:


Presidente


Ele oscila entre os mundos

Troquem a fechadura dessa porta,

Vai chover agulhas no seu lombo

O presidente é culpado sempre

Por culpa própria,

Onde está o desfecho?

Calem a boca carrapatos parasitas

Há um acidente aqui não percebeu?

O acidente esteve no meu quarto!

Ok!  Está arrombado,

Entrem senhores melhores

Deixem os carrapatos fazerem política,

Tirem o país do gabinete

Ou você não está lembrado,

A fechadura estava trocada

Por isso foi arrombada,

Pare no seu lugar de seu lugar momento

Pare de oscilar entre os mundos.    

Não quero  diminuir a honra dos poetas e críticos.   Mas este poema do Pedrosa, é o que deveríamos chamar o primeiro mandamento da república, isto me lembra algo intrínseco, se você acha que ele encerrou seus poemas muito te enganas, tive o privilégio de conhecer o seu maior segredo, e como já era de se esperar, sinto-me intimado a te revelar também, AS DEZ PARTES DE UM SER, simultaneamente...


As dez partes de um ser,  primeira parte.


O louco toma seu lugar de pequeno

Procurando a imensidão que não acha,

E com suas partes nada de especial

Outras até esquecidas,

Expõe a primeira delas que já se encontrava empoeirada

Seu país,

Eis o seu pedaço,

São amigos

São vizinhos

São irmãos,

A que grau de parentesco ou semelhança pertencem

Não importa, maioria das vezes somos só nós que existimos,

O destino nos ligou por coincidência?

O que sabemos?  Além de atomizarmos os nossos papéis

E expressar nossos sentimentos?

Alguns nem se conhecem

Outros não tiveram oportunidade,

Certas coisas permanecem ignoradas para sempre!

Santo Agostinho em sua infância temia a Deus,

O medo o fez  entender que tinha que ser santo!

Hoje temos medo,

Mas se ele tiver que defendê-lo o defenderá,

É que o Brasil está em seu sangue

E por menos patriota que sejas

Ainda assim arrumará um desculpa,

 E o medo nos torna patriota,

Eu penso nisso todos os dias.

   Estávamos sentados, próximo a antiga estrada que agora se orgulha por ser BR-101, vendo os carros passarem em alta velocidade, carregando em sua interior, um  monte de estranhos para nós! Quando Pedrosa ressuscita a sua mais antiga frase: um dia, eu vou embora daqui amigo, e será sem freios como esses carros, será de carona! __ Havia dor nas palavras dele, e embora não quisesse acreditar, nós sabemos que ele é capaz! Retruquei, quando você vai me revelar a sua segunda parte?

__ A natureza humana é um verdadeiro palco de romances, caríssimo! __ O que você quer dizer com isso? __ Quero dizer que compus essa minha segunda parte como arte, e como toda arte, para senti-la, peço, feche os olhos e ouça! 


As dez partes de um ser, segunda parte
.


Marchando para o sol,

Numa seca imprudência, o céu nuclear vomita seus cogumelos,

Um manjar de cores e explosões radioativas,

Como se não bastasse a primeira guerra mundial, veio a segunda.

Em quanto coronéis davam as ordens à seus heróis suicidas,

A humanidade se alarmava

Pintores se inspiravam,

Poetas escreviam suas cartas com a mesma força e habilidade,

Que disparavam seus revólveres,

E suas esposas enamoradas liam e reliam,

Porém antes de saber se estavam vivos ou mortos

Cada letra metralhava seus corpos

Fragilizados pelo genocídio,

E se a carta matasse seus poeta

Matava também a ela, era tão simples e fatal,

Pois a corda que enrolava seu pescoço não a sufocava, mas a aliviava.

   Atordoei-me Poe uns instantes, e pedi que ela ignorasse minha comoção, continuando suas poesias!  Tentei manter  minha atenção em suas palavras como um bom padre dentro  de um confessionário, e Pedrosa passou adiante, como se lê-se um livro, ou melhor, o livro de sua vida, compulsivamente continuou!


As dez partes de um ser terceira parte.


Falo de um amor que tive

Com a condição de que quem sentiu algo semelhante

Me avise, para assim tomarmos uma solução,

Não fiz outra coisa durante séculos desde o meu início,

Se não amar incondicionalmente a mesma pessoa,

Devo poupar o tempo já que a gentil esperança me acompanha

Logo será ao meu lado em carne viva que estarás,

E quase tão vibratório são os meus princípios

Que não posso admitir ser verdade esse o meu desejo,

Já que tão bem te desejo e tão bem te quero,

Sou vidente em esperar por um mal que ignoro

Porém antes estar ao teu lado como um objeto qualquer,

Que servir de alimento para os porcos meus irmãos.


As dez partes de um ser quarta parte.


Sonhar é tornar real as peripécias da vida

Com tantos contornos ela deixa sua superficialidade

E assume uma realidade

Que nada de concreto chegaria

tão perto desse sólido sonho

para existir basta estar feito antes de tudo!

   __Depois de ler para mim sua quarta parte, parou me olhou nos olhos e disse:

   __Amigo, agora vou te revelar algumas crônicas depois eu volto a ler poesias, é pra que não fique tão cansativo para nós, certo?

__Errado!   Como poderia ser cansativo te ouvir meu caro, mas faça como quiseres!

__Mesmo assim prefiro dessa forma!   __É incrível dizer isto, mas é fascinante como esta pausa para esse pequeno comentário, em nada mudou a fragrância e estilo, de sua leitura.    


As dez partes de um ser quinta parte.


Exceto a religião sumariamente

São tantas fantasias meu anjo

São tantas fantasias meu santo

Vou pegar meu carro lilás e ir pro céu

Cantarolando um hino para fazer bonito diante do senhor

Levar anotado a última esmola que dei

Este é o meu comprovante de bom

Coisinha santa vou ouvir.

Mas se alguém  se meter a besta comigo      

Eu rodo a baiana

Vou no laguinho cor de rosa e pego o ganso pela goela

Faço um churrasco

Arranco as asas do cavalo alado, pois hô coisinha besta

Um animal com quatro patas ainda precisa de asas,

Pra quê?

Pego o rebente e iscataplaf!!  Iscataplaf!!

Rapto o santo mais queridinho do céu e peço resgate!

O que iria querer, dinheiro não preciso

Aqui é tudo de graça,

Outro dia fui comprar uma maçã

E o dono da quitanda não me vendeu, fez pior

Deu-me sacos dela, onde eu iria botar tanta maçã

Aqui no céu não tem faminto pra eu doar

Tive que comer, aliás o dono da quitanda me alertou!

Coma todas pois eu acho que minha bondade em te dá-las

Só estará concluída quando você comer uma por uma,

Eu comi,

E fiquei sem cagar por uma semana,

Vai ser bom assim só aqui no céu,

Eu raptei o santo

E daí!

Fui pedir resgate e me disseram,

Você já está perdoado não importa o que faça.


As dez partes de um ser sexta parte.


Todo sofrimento deveria ser encarado com coragem

Como se estivéssemos esgrimindo,

O corpo afastado

Mas a mente centrada,

As mãos hábeis podendo do adversário tirar vantagens,

Dois seres a se enfrentar

Um desses é você, e outro

A tua dor...

Afaste-se quando estiver sendo atacado

Mas não pare de enfrentá-lo,

Não use os dois braços para uma só espada

Pois você pode perdê-lo.

Não sinta ódio do seu adversário

O ódio leva a movimento desordenados

Que podem decidir o duelo,

E se o ataque for feroz e o deixar em desespero

Não, não se desespere o odei,

Antes o ódio que o desespero

E contra ataque.

As dez partes de um ser sétima parte.

A sogra de são Pedro permanecia doente

Vivendo ambos sobre o mesmo teto,

Mas se são Pedro encontrasse

Um enfermo estranho na rua

Bastar-se-ia que este fosse tocado por sua sombra

Sarava.

A sogra doente escolhe um canto da casa

Estando de perfeita saúde não sei se todos os cantos

Lhe serão o bastante.

A esposa, a sede pelo domínio

Apossa-se de algumas mulheres,

E faz o homem perder a liberdade conquistada

Que antes era sua falecida mãe que o tinha,

E se for a infelicidade do homem

Casar-se com uma mulher má

Excepcionalmente má,

Só se reconciliará

Com a melhor metade do gênero humano

Quando sua amada morrer,

Embora acredite realmente amar sua esposa

Aceitar sua irremediável posse e defeitos

Estando cego de paixão

Se aborreceria seriamente ao vê-la ressuscitar.



As dez partes de um ser oitava parte.


A prostituta acordava pela manhã sem roupas só,

O rosto desfigurado pelas fantasias eróticas do parceiro,

Do seu lado a quantia em dinheiro combinada

E um pouco mais, a bolsa pelo avesso

A alma do seu lado,

A senhora de meia idade cuspiu ao ver-te

E o senhor fez gestos obscenos,

Cama lhe espera

A cama é sua cúmplice,

Pode agora dormir moça

O seu sonho é normal,

Ela sonha estar acordando,

Agora veste uma roupa delicada e cheirosa

A senhora de meia idade sorrir simpaticamente,

E o senhor faz um inocente elogio sobre seus cabelos verdadeiros,

Devemos entender que

Em todo ser há uma prostituta

Mas nem todos estipulam um valor.


As dez partes de um ser nona parte.


Costumeiramente devo seguir um via

Paramentos e desigualdades

Regras por cima das estrelas

Sobre as nuvens brancas

Existe um território minado de força

Segurando o mundo

Traço um destino difícil

Me embriago todos os dias com palavras

Sigo este caminho estranho

Porque foi esse que escolhi.


As dez partes de um ser décima parte.


Havia um brio de vaidade em teu olhar

Mesmo ainda mastigando o passado

Lutando contra caminhos bifurcados

Não são os primeiros passos que me ensinam a andar

Enterro nesta terra meu espírito aventureiro

Finco a cruz

Apago a luz

Acendo o isqueiro

Passo o fogo pelo meu corpo nu

Afim de espantar o urubu

Do meu corpo só quero as cinzas

Percebo no estalar da pele exposta as chamas

Que vez ou outra ela reclama

E não sofreu nada ainda.

__Se bem te conheço vou tentar te descrever neste momento meu amigo Zacarias.

   Você está tomando um vinho, fumando um charuto e cheio de inspiração!   É, devo admitir,

as poesias de nosso amigo Pedrosa também me inspiram, seja para pintar uma tela ou compor uma canção, Pedrosa sempre foi a nossa essência!

__Agora vem chegando o momento que venho tentando adiar ao máximo, falar de mim, costumavas dizer que éramos um quarteto perfeito, você representava o nosso mundo, Pedrosa  como já havia dito é a nossa essência, Djair a nossa boemia, e eu as nuvens que todo mundo tem que ter, sendo estas as que ficam sobre as nuvens brancas, seria a poluição que todo Pedrosa tinha, e todo Djair precisaria para se proteger.

__Eu não me envolvi com movimentos políticos da época, nem sobrevivi digno e resignado das decepções, um dia um professor me perguntou o que eu queria ser quando crescer e eu respondi, quero ser Zacarias Pedrosa e Djair, hoje o que sou causa impacto em certas visões, um garoto austero, e maioria das vezes ausente, só me dei conta que existo quando te conheci sem barreiras, lembro de sua mão pegada na minha, de dividirmos o saco de dormir, tão bem ainda sinto, teu cheiro forte de café e fumo.   Porém além das saudades, eu vivo num mundo normal, sem paradigmas sem paradeiro, só mais um grão neste tempo, neste século, e você Zacarias onde estás?

  __Meu sinônimo, meu amigo, meu passado, foi o tempo que te transformou.

   Espero que esta carta chegue à você, remeto para o dia cinco do mês de abril do ano de mil novecentos e quarenta e quatro, alguns anos atrás, provavelmente deve chegar aí numa sexta-feira junto com as poesias de Pedrosa, pois esse era o dia do carteiro em nossa vila, também espero que a mesma mude alguma coisa, e eu possa ser diferente!  

Com os atenciosos cumprimentos de: Zacarias Luis Simões Lopes.     

 autor: Jonas Mello