INTRODUÇÃO

Os contratos de adesão são um recurso muito utilizado, atualmente, para regular as obrigações entre as pessoas. Todavia, eles sempre tendem a beneficiar os fornecedores de bens ou de serviços, em detrimento dos consumidores. Como eles são a via mais comum de contratação para o fornecimento de bens essenciais, é praticamente impossível evitá-los. Por isso, o Direito tem se preocupado em regular esses contratos, de forma a minimizar o desequilíbrio que eles causam entre as partes.
Da mesma forma, nos contratos de locação têm se tornado cada vez mais freqüente a presença dos contratos de adesão. A tendência também é, como nas demais relações contratuais, o desequilíbrio em desfavor do locatário. Neste caso, porém, o STJ tem compreendido que esses contratos devem ser regidos pela Lei de Locação, deixando o CDC à margem dessas relações contratuais.

1 DOS CONTRATOS DE ADESÃO

Nem sempre os contratos de adesão fizeram parte do Direito brasileiro, regulando as relações obrigacionais entre as partes. Nas últimas décadas, porém, o intenso volume de negócios realizados entre as pessoas ? físicas e jurídicas ? fez surgir a necessidade de existência de um instrumento que levasse agilidade às contratações, além de uniformizá-las. Nascem assim os contratos de adesão, onde uma das partes os produz em série, ao estilo do fordismo. Uma das principais características desses contratos é a uniformidade. Assim, os contratos de adesão feitos por determinada empresa serão todos iguais. Terão o mesmo conteúdo.
Com os contratos de adesão foi possível alcançar os objetivos pretendidos de agilidade e uniformidade, simplificando e barateando os processos de contratação em todas as áreas, sobretudo nas relações de consumo. Porém, perdeu-se uma das maiores virtudes antes existentes nos contratos: O consenso. Este, antes dos contratos de adesão, era atingido após plena discussão entre as partes interessadas em realizar o pacto contratual. Por isso, em geral, ambas tinham que ceder em alguns de seus interesses, de forma a satisfazer os da outra. Havia uma tendência ao equilíbrio entre os contratantes.
Na hipótese de as partes estarem em iguais condições de negociação, estabelecendo livremente as cláusulas contratuais, na fase de puntuação, fala-se na existência de um contrato paritário, diferentemente do contrato de adesão, que pode ser conceituado simplesmente como o contrato onde um dos pactuantes predetermina [ou seja, impõe] as cláusulas do negócio jurídico.

Nos contratos objeto de nosso estudo, o consenso significa a aceitação da outra parte ao conteúdo proposto, tornando-se mais fraca. Se levarmos em consideração que muitos desses contratos regulam relações com o objetivo de prover recursos essenciais, como o fornecimento de água e energia elétrica, facilmente se chega à conclusão de que se trata de conteúdo imposto. Desta forma, a pessoa é obrigada a contratar, sob as condições exclusivas da outra parte, podendo estar sujeita a possíveis abusos. "Vivemos a era da contratação em massa, em que o contrato de adesão é o maior veículo de circulação de riquezas, e, paradoxalmente, o mais eficaz instrumento de opressão econômica que o Direito Contratual já criou."
Cientes dessa possibilidade, os legisladores brasileiros têm se preocupado em produzir normas específicas para os contratos de adesão, de forma a coibir, ou ao menos diminuir, as lesões aos direitos das partes mais fracas.
Do papel plenipotenciário assumido pela lei, produto do modelo liberal-burguês, passa-se a uma nova concepção acerca das fontes do direito; do mesmo modo, da velha teoria da norma, salta-se em direção aos princípios e o que eles representam para o direito a partir do advento do neoconstitucionalismo. Com isto, as relações privadas, antes protegidas/encasteladas na norma jurídica codificada que as protegia contra os ?indevidos? ataques do direito público, passam a estar submetidas ao público (leia-se à Constituição), fragilizando-se, em boa hora, essa velha dicotomia.

Muitas delas estão previstas no Código de Defesa do Consumidor, de 1990: Os contratos de adesão podem conter cláusulas resolutórias, porém estas serão alternativas, tendo o consumidor o direito de escolha (Art. 54, §2º, CDC); deverão ser escritos de forma clara e legível, com as cláusulas que limitam os direitos do consumidor em destaque (Art. 54, §§ 3º e 4º, CDC); são nulas as cláusulas que asseguram ao credor o direito às parcelas pagas na venda de móveis ou imóveis mediante pagamento por prestações, quando este pleitear a resolução do contrato em decorrência de inadimplemento do devedor (Art. 53, CDC).
Pelo exposto, podem-se notar as principais características dos contratos de adesão: Uniformidade, predeterminação unilateral, rigidez (porque não é possível discutir e alterar suas cláusulas sem descaracterizá-lo) e posição de vantagem da parte que o criou.




2 DAS BENFEITORIAS E DO DIREITO DE RETENÇÃO

As benfeitorias sempre são acessórias ao bem principal (Art. 92, CC). "Pode-se definir a benfeitoria como sendo a obra realizada pelo homem, na estrutura da coisa principal, com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la." Obviamente, as benfeitorias são obras realizadas em coisa já existente. Por serem acessórias, têm, em geral, o mesmo destino do bem principal. Sendo assim, em um contrato de locação de imóvel, as benfeitorias, com exceção das voluptuárias, não são da pessoa que as realizou, mas fazem parte do imóvel, que é do locador. Por isso, em regra geral, o locatário tem direito à indenização pelas benfeitorias que realizou.
A natureza de uma benfeitoria é determinada por sua utilidade. Desta forma, as benfeitorias essenciais são aquelas cuja realização é indispensável para a própria manutenção do bem. As úteis, por sua vez, agregam valor e/ou utilidade ao bem principal, enquanto as voluptuárias são para puro deleite e desfrute de quem as construiu. É importante ressaltar que nem sempre é fácil determinar o tipo de benfeitoria, pois os bens nem sempre têm uma única utilidade: Uma piscina é uma benfeitoria necessária em uma escola de hidroginástica, útil em uma escola e voluptuária em uma mansão.
Conforme o Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o locatário tem direito à indenização referente às benfeitorias necessárias e úteis − se estas últimas foram feitas com a aprovação do proprietário do imóvel −, podendo levantar as voluptuárias (Art. 578, CC e Arts. 35 e 36, Lei 8.245/91) conforme explanação de Silvio de Salvo Venosa:
O contrato pode dispor diferentemente, mas a regra geral determina que as benfeitorias necessárias feitas pelo inquilino, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis, permitindo direito de retenção. As voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel.

O direito de retenção corresponde à possibilidade de o credor manter em seu poder a coisa que possuía de boa fé, sendo ela do devedor, até que este lhe satisfaça a obrigação devida. Com efeito, se o locador se recusar a indenizar seu inquilino pelas benfeitorias realizadas − nos termos do Art. 578 do Código Civil e Arts. 35 e 36, da Lei 8.245 de 1991 −, este tem o direito de se manter na posse do imóvel, até ter a obrigação satisfeita.

3 DAS CLÁUSULAS DE RENÚNCIA À DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS E DE RETENÇÃO

Os contratos de locação são disciplinados pela Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, onde está expresso, em seu Art. 35, que o locatário tem direito à indenização relativa aos gastos com benfeitorias necessárias e úteis, nas condições já explanadas. Todavia, no mesmo artigo, há a condicionante "salvo expressa disposição contratual em contrário". Isto quer dizer que é possível a existência de cláusula de renúncia sobre esses direitos. Nos contratos paritários, criados a partir das vontades partes, isso não causa maiores inconvenientes. Convém se debruçar melhor sobre a presença dessas cláusulas nos contratos criados unilateralmente.
Por meio de Acórdão, já transformado na Súmula 335, o STJ fixou que essas cláusulas de renúncia também são válidas nos contratos de adesão. Como argumento para fundamentar essa decisão, utilizou o critério da especialidade. Sendo assim, as locações não podem ser regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, mas exclusivamente pela Lei 8.245/91. Esse raciocínio, no entanto, dá ensejo a muitas lesões aos direitos dos inquilinos, nos casos de contratos de adesão, porque estes não tiveram a possibilidade de expressar a sua vontade.
A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu Art. 184, § 1º, a indenização, em dinheiro, das benfeitorias úteis e necessárias, em casos de desapropriação de imóvel rural para reforma agrária. Tal artigo prevê a desapropriação para o imóvel que não esteja cumprindo sua função social, prevista no Art. 186 da Constituição. Percebem-se, neste caso, duas particularidades que, apesar de presentes, não retiram o direito à indenização pelas benfeitorias construídas e, consequentemente, conferem direito de retenção, caso não sejam indenizadas: Em primeiro lugar, se tratam de benfeitorias erigidas pelo próprio proprietário. Isso quer dizer que foram construídas para seu próprio benefício, conservando seu imóvel ? benfeitorias necessárias ? ou lhe agregando valor e utilidade ? benfeitorias úteis. Afora isso, ele, por ser o proprietário, em geral, terá mais tempo para usufruir dessas benfeitorias que um inquilino.
Em segundo lugar, a propriedade foi desapropriada porque não cumpria seu valor social. A Constituição Federal de 1988 introduz no Direito brasileiro um legitimante para o direito de propriedade. Todo proprietário precisa conferir a seu bem um valor, uma utilidade social. Com isso, se objetiva que as propriedades, a despeito de serem privadas, beneficiem a sociedade na qual estão inseridas. Trata-se de um conceito novo para o Direito nacional e fundamental para a manutenção das propriedades. Ele dá ensejo a uma série de medidas, que visam a assegurar que o proprietário não será displicente, dotando seu imóvel de valor social.
O não atendimento à função social da propriedade poderá acarretar como sanções: o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano, a aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, e a desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública, de acordo com a Lei 10.257, de 10.07.2001.

Todavia, mesmo sem observar esse requisito fundamental, que beneficia toda a sociedade, o proprietário tem direito à indenização, por parte da União, pelas benfeitorias úteis e necessárias.
Semelhantemente, No Art. 231, a Carta Magna assegura a posse das terras ocupadas pelos índios e seus direitos decorrentes dessa ocupação, in verbis: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." O § 6º desse mesmo artigo garante a indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias feitas por ocupante de boa-fé dessas terras, apesar de elas serem de uso exclusivo dos índios.
Voltando às clausulas de renúncia à indenização e do direito de retenção, no caso dos imóveis rurais, o Acórdão do STJ se mostra visivelmente inconstitucional. Na desapropriação de que trata o Art. 184, CF/88, é assegurada ao antigo proprietário a reposição aos gastos realizados com as benfeitorias, a despeito da não observância do valor social da propriedade. Por essa perspectiva, o inquilino, que atribuiu função social ao imóvel e ainda despendeu recursos para garantir a sua conservação e/ou lhe acrescentar melhorias, beneficiando direta ou indiretamente o proprietário, também tem direito a essas mesmas indenizações. Ressalte-se novamente que, além de tudo, em regra o inquilino terá menos tempo para desfrutar dessas melhorias realizadas.
Em se tratando de ocupação de terras indígenas, às quais se refere o Art. 231, CC, o ocupante de boa-fé dessas áreas também tem direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias realizadas, muito embora tenha ocupado reservas para o uso exclusivo de povos indígenas. O Código Civil compreende que é justo repor ao ocupante da terra os valores que ele gastou com as benfeitorias, embora tenha sido uma ocupação ilegal, se ele desconhecia tratar-se de reserva indígena.
A utilização do critério da especialidade, como quer o STJ, fere profundamente a Constituição Federal e não deve ser adotado nos casos de obrigações de locação pactuadas por meio dos contratos de adesão. Como demonstrado, o locatário tem direito à indenização pelas benfeitorias que prestou nos imóveis rurais (Art. 51, XVI, CDC), podendo exercer o direito de retenção, se de boa-fé. Sendo assim, deve ser nula a cláusula que determina a renúncia aos direitos de indenização e de retenção, nos contratos de adesão referentes a esses imóveis (Art. 51, I, CDC). Nos contratos de locação cujo objeto é imóvel urbano, o raciocínio deve ser o mesmo, porque semelhantes são os direitos do locatário, como o são os riscos de abuso em virtude dos contratos de adesão.
Por último, a não indenização do inquilino caracteriza enriquecimento sem causa do locador, porque à sua propriedade foi acrescido valor pecuniário que não foi fruto de seu próprio esforço. Aqui, o enriquecimento de um foi causado pelo empobrecimento do outro. O Código Civil determina, nestes casos, o ressarcimento dos valores indevidos, com correções monetárias (Art. 884, CC). O Código estabelece ainda que a restituição seja devida não apenas quando não tenha havido causa para o enriquecimento, mas se esta deixou de existir (Art. 885, CC). Apenas não haverá a restituição por enriquecimento sem causa quando a lei conferir ao lesado outras formas para se ressarcir do prejuízo sofrido (Art. 886, CC). Por isso, a única forma de não ser cabível a indenização é quando houver abatimento nos valores do aluguel, referentes às despesas tidas pelo inquilino para erigir as benfeitorias.

CONCLUSÃO

Muito embora os contratos de adesão tenham sua utilidade e importância, conferindo celeridade e economia, é evidente sua possibilidade de malefício para a parte mais fraca da relação contratual, o consumidor. Isso não quer dizer, no entanto, que ele só o prejudique. Com efeito, a economia de tempo e de recursos beneficia também ao consumidor. Quando esse contrato é escrito utilizando-se a boa-fé e a lealdade, dificilmente lhe causará prejuízos.
Nos contratos de locação, feitos via contrato de adesão, embora a Lei de Locação consinta na utilização de cláusula de renúncia a direito de retenção e de indenização por benfeitorias realizadas, isso é, claramente, uma deficiência da legislação brasileira. Tal permissão pode lesar diretamente o locador, ao não permitir que ele reaveja o montante gasto em benefício do locatário. Por isso, é de bom entendimento a invalidação desse tipo de cláusula, conforme o CDC.
BIBLIOGRAFIA

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