Sobre a Formação e a Informação na Doutrina Espírita : Pensando em algumas questões para se formular uma proposta para o Desenvolvimento da Educação Mediúnica.

Marco Aurélio Faria Rezende

"Espíritas, amai-vos! Este o primeiro ensino! Instrui-vos, este o segundo."

João .Cap. V1, 5.

"Estudar e servir são rotas inevitáveis na obra de elevação."

Emmanuel

No mundo inteiro , todas as sociedades estão correndo para entrar numa nova fase da história do homem . Nesta fase, o essencial é que a Informação passou a desempenhar um papel importante no cotidiano da humanidade .É fundamental , então , que todos nós que compomos muitos grupos sociais passemos a nos articular com todo o Conhecimento produzido , afim de que possamos alcançar uma relativa igualdade de condição na árdua tarefa de nos mantermos atuantes e vivos enquanto sujeitos no processo de Desenvolvimento que deve estar disponível para todo mundo. Essa articulação é essencialpara sustentar todos os dias as novas formas de relação entre os diversos grupos de indivíduos que compomos e gerar o entendimento de que a Informação , o Conhecimento e o Desenvolvimento devem ser alvos comuns de todos .

Dentro dessa visão , podemos perceber duas possibilidades predominantes- a primeira que estabelece ummonopólio para o uso de todas as tecnologias decorrentesdesse processo por poucos e a segunda que propõe a criação de uma sociedade globalizada onde todos os seus indivíduos se utilizariam igualmente de toda a produção que o Conhecimento pudesse gerar. No entanto , não podemos ignorar que nós - os seres humanos , somos ativos, reflexivos e capazes de resistir aos arranjos sociais e tecnológicos. Ou seja , devemos nos lembrar que , pela nossa própria natureza ,estamos a cada dia (re) criando as nossas próprias alternativas na busca das necessárias melhorias para a nossa existência no planeta.De uma forma geral, todas as áreas do Conhecimento têm sido desafiadas a se aproximar dos movimentos sociais , acenando com a criação de novas situações de aprendizagem. Nesse ponto, é interessante perceber que o nosso desafio mais concreto aponta para a formação de novas aptidões que sejam capazes de atinar para a compreensão de que existe uma relação entre as formas de aprendizagem e as formas de vida , já que , nos dias atuais não é mais possívelseparar os processos mentais dos processos biológicos nem estes dos processos sociais.

No que diz respeito a essa questão , pensamos que nós , espíritas , temos muito a refletir e discutir. Primeiramente, é de grande importância que tomemos para nós mesmos , a responsabilidade de meditar sobre a nossa condiçãoe as conseqüências que essa ação traz para a nossa vida de relação. Na prática , o que propomos é que para que nos sintamos verdadeiramente espíritas , é necessário que nos apropriemos dessa condição . E o passo inicial que devemos dar nessa direção é buscar e conhecer todo o Conhecimento produzido que gerou o alicerce da nossa Doutrina. Mais precisamente , estamos falando do esforço que devemos empreender para conhecer e aprofundar o desenho das Obras Básicas de Allan Kardec [1] . Acreditamos que essa preocupação deveria ser extensiva a qualquer um de nós pelos motivos já apresentados anteriormente. É necessário que façamos essa apropriação , justamente para evitar algum monopólio causado pelo domínio fechado desses conteúdos . Mesmo porque , em sua gênese ,a Doutrina criada pelos Espíritos , traz em sua base o fortalecimento dos preceitos fundamentais dos ideais cristãos em todos os seus aspectos. Então , compreendemos que está nas nossas mãos , desenvolver as inúmeras possibilidades que pudermos imaginar para criar e recriar as condições necessárias para que todos nós possamos incorporar todos esses conteúdos ao nosso dia-a-dia.

Neste caso , podemos pensar em pelo menos duas estratégias . A primeira é a de estimular de forma bem significativa à criação , a estruturação e a manutenção de núcleos permanentes de evangelização de crianças e das juventudes nas Casas Espíritas. Essa é, sem duvida a mais consistente ação para o futuro . A outra , também essencial , a que mais nos deteremos por ora é a de disseminar o estudo sistemático e permanente dessas obras entre os indivíduos que se colocam espíritas e que se disponibilizam para as diversas atividades laborativas dentro da Casa Espírita , a fim de possibilitar através dessa ação , a apropriação da condição espíritaa cada um desses sujeitos. Julgamos que assim poderemos impregnar toda a nossa vivência dos conteúdosfundamentais da Doutrina , fazendo uma espécie de aprendizagem significativa desses princípios através de uma mobilização vivencial , tomando por base as histórias de vida de cada um dos envolvidos , onde ao final , alcançaríamos e apreenderíamos em um nível individual , o necessário para a nossa ação que se mostraria mais qualificada. É um jeito de começarmosa exercitar a necessária transformação das nossas atitudes na direção da reforma que precisamos empreender , além de possibilitar Conhecimento e fundamentação à prática mediúnica. E nesse caso , estaríamos mais seguros do nosso ato , pois compreenderíamos mais e melhor – por conta do estudo e da identificação , cada uma de suas conseqüências.

Acreditamos firmemente que éo Conhecimento que sustenta e embasa a nossa ação e modela o nosso discurso . É esse discurso que nos qualifica paraa vida de relação , para o trabalho e até para a sobrevivência no planeta. É importante quecompreendamos que é esse discurso que fortalece a nossa ação porque está fundado no Conhecimento que ooriginou . Por isso ,precisamos conhecer sobre o que falamos e precisamos falar sobre o que realmente conhecemos . Devemos reconhecer nas nossas ações o Conhecimento que as produziu. A nossa prática / discurso deve ser o produto da maneira como nos apropriamos da realidade que nos cerca . A nossa realidade é permanentemente construída pela forma como produzimos a nossa sobrevivência . E é a nossa sobrevivência que nos impele a transformação desta realidade . Para tal , produzimos permanentemente estratégias – a produção e a apropriação do Conhecimentosão algumas delas , que nos sustentam hegemonicamente num grupo social.

Para começarmos a falar especificamente no uso e na apropriação de toda produção do Conhecimento no campo da Doutrina Espírita,precisamos primeiramente reconhecer que é esse Conhecimento que sustenta a práxis no interior deste grupo . Devemos compreender que é o verdadeiro domínio desse conhecimento queconstrói e legitima os procedimentos , as falas e as posturas entre os indivíduos pertencentes a esse meio . No nosso caso , por exemplo , podemos citar a crençana Comunicação entreos Encarnados e Desencarnados, a Reencarnação e a Lei de Causa e Efeito como premissas básicas à prática espírita . No entanto , precisamos sair desse nível de superficialidade para pensarmos no aprofundamento das nossas reflexões e atitudes , com vistas a uma ação verdadeiramente comprometida com o ideal transformador contido nas bases da nossa Doutrina. É fundamental também que comecemos a externar o compromisso que assumimos com o desenvolvimento da prática espírita em nós [2]. Do mesmo modo , precisamos compreender que é essa apropriação que sustentará o nossodiscernimento frente às questões que se apresentam no nosso dia-a-dia. Mais ainda , é esse Conhecimento que sustentará o "saber legitimado" pelo reconhecimento e identificação das nossas ações.

Antes de começarmos a pensar especificamente no tema principal, esclarecemos que o nosso entendimento sobre Educação Mediúnica abarca o conjunto de todas as ações relativas ao envolvimento do individuocom a Doutrina e não apenas o domínio e o desenvolvimento das práticas mediúnicas . Nesta oportunidade, aprofundaremos então alguns aspectos que precisam ser pensados e podem servir para o amadurecimento de algumas impressões acerca da questão principal que ora estamos tratando. O primeiro deles diz respeito as possíveis mudanças nanossa conduta causadas por nossas atitudes e comportamentos . Podemos pensar , por exemplo na qualidade dessas mudanças como decorrentes da nossa transformação , dando a elas significados especiais . Para o caso que estamos tratando , podemos pensar em mudanças simples ou radicais , mas significativas . E , se observarmos com calma , poderemos concluir que em todos essas oportunidades , a nossa mudança para ser consistente precisa estar fundamentada no que passamos a dominar . Podemos dizer então que ampliamos a nossa visão e o nosso entendimento acerca de uma questão , de um tema e até do mundo que nos cerca , na medida que nos apropriarmos do conjunto de informações que subsidiarão o nossonovo comportamento .Reforçamos , assim , a importância fundamental do estudo sistematizado e permanente das Obras Básicas da Doutrina a todo postulante espírita .

O outro aspecto que devemos observar está diretamente ligado ao primeiro, sendo mesmo conseqüente a elee trata do uso prático deste Conhecimento – da base de nossa Doutrina , como verdadeiro sustentáculo da postura do espírita . Propomos que a partir da apropriação desta bagagem , nós passemos a nos esforçar para desenvolver uma atitude comprometida verdadeiramente com os ideais que passamos a professar . Ou seja , se somos espíritas , devemos agir como espíritas . Se escolhemos nos apresentar como espíritas , precisamos entender o significado desta autodenominação para a nossa vida de relação , afastando os possíveis conflitos decorrentes do pouco conhecimento que possuímos acerca da questão. Sem dúvida alguma , precisamos compreender mais e melhor a opção que estamos fazendo e as conseqüências práticas dessa posição. Teremos , então , a possibilidade mais concreta de desenvolvermos uma postura mais propositiva , consciente e crítica no trato com o desenvolvimento das nossas ações - tanto na Casa Espírita como em todos os outros lugares de convívio e relação , porque estaremos mais seguros . Como decorrência desse processo , as nossas atitudes estarão mais fundadas no Conhecimento que formos adquirindo e ao poucos passaremos a ser mais disciplinados , coerentes e claros em nossas atitudes e intenção. Na medida em que o aprofundamento do nosso compromisso for mais intenso – um outro aspecto que precisa ser trabalhado na construção da proposta que pensamos ,as nossas atitudes estarão sustentadas por uma segurança conquistada pelo conhecimento de que estivermos nos apropriando. E assim , estaremos reforçando conscientemente o conjunto das atitudes dos nossos pares – sujeitos que compõem conosco o coletivo do grupo que pertencemos. Contudo, cabe ressaltar que , longe de criar uma igualdade de pensamentos ,a nossa ação estará reforçando a nossa identidade social, produto dos nossos conflitos , das nossas discussões , das nossas ponderações e das nossas reflexões .

No entanto , precisamos observar um aspecto fundamental para o desenvolvimento desta proposta . Estamos falando do uso ilimitado do Amor . O Mentor de Chico Xavier , Emmanuel[3], para justificar o caminho que o homem deve percorrer para chegar à presença de Deus , fala da Sabedoria - vista aqui por nós como a apropriação do Conhecimento e do Amor como duas asas quenos conduzirão por esse caminho. Para ele ,é peloAmor que nós nos iluminamos e nos melhoramos por dentro . É o Amor que faz com que nos liguemos ao Alto e pensemos nos outros como nossos irmãos . É pelo Amor que nos valorizamos para a vida . É o Amor que nos aponta e ensina o caminho que devemos percorrer nas nossas oportunidades na vida . Mais ainda , para Emmanuel , se conseguirmos juntar as duas possibilidades , estaremos , pela divina reflexão, orientando a nossa conduta para a construção do Reino de Deus em nós . Por isso, para a efetiva aplicação dessas idéias precisamos compreender que a Doutrina Espírita é , antes de tudo, obra da Educação, integrando a alma humana nos padrões do Divino Mestre . Quando pensamos nos ensinamentos de Jesus , somos levados à imediata constatação que em cada um deles existia o Amor por cada um dos que conviviam com Ele . Mais ainda , porque as suas idéiastransformaram o mundo , o seu Amor tomou uma proporção universal e atemporal . Assim , podemos compreender que quanto mais ascendermos e nos depurarmos – no nosso caso , pelo estudo e pela renovação , mais direto será o nosso contato com sua mente poderosa e com seu coração afetuoso. É nesse Amor - despojado de personalismo e egoísmo , que não se interessa em obter recompensas pessoais , mas procura apenas doar e passar ; em que não se misturam desejos doentios do orgulho de se querer modelar o outro à nossa imagem e jamais se preocupa com exigências ou cobranças de impostos de gratidão ; que vive com descontração, espontaneidade e leveza , mas quesabe se tornar sério e enérgico no momento de gravidade, não para obter algo em seu próprio proveito, mas ainda e sempre em benefício do ser amado ; que é acima de tudo, engajado na felicidade alheia e que não mede esforços, sacrifícios e oferendas para proporcionar todas as oportunidades de crescimento espiritual do outro , Herança do Cristo , que devemos sustentar a nossa proposta .Assim , se juntarmos Conhecimento e Amor , poderemos pensar em ações que extrapolarão em muito a concepção do processo educativo tradicional , já que estarão apoiadas em bases mais autênticas às nossas necessidades .

A primeira dessas bases diz respeito à indispensávelvontade de todos os indivíduos envolvidos no processo . Afinal,conforme falamos no início , é fundamental que nos apropriemos desses conteúdos , já que eles dizem respeitoao Conhecimento produzido na nossaDoutrina.A segunda marca para a possibilidade de se pensar em espaços ampliados- locais aonde essas ações poderão se realizar . A nossa concepçãode Educação propõe que não nos prendamos em reproduzir os espaços e as estruturas formais da Escola , observando principalmente as oportunidades ,as situações e o contexto aonde estas ações poderão se dar. Afinal , não estaremos apenasconferindo conteúdos prontos e acabados , mas acima de tudo estaremos compartilhando processos de evolução com entusiasmoe reconstruindo o nosso estado de espírito na busca de novas experiências . A terceira aponta para o desempenho dos indivíduos , neste processo .Todos nós deveremos ser sujeitos atuantes , vivos , participativos e críticos . Devemos nos lembrar quetodos nós estaremos em busca da melhora e da renovaçãoe então , (re) inventaremos juntos a alternativa que seja capaz de valorizar a contribuição que cada um de nós – individual e coletivamente puder apresentar . Todos , independentes de idade, profissão, condição social ou grau de instrução , poderemosser sujeitos desse processo , na busca de apreender e construir em nós, o Conhecimento que trará a nossa transformação e afastará a acomodação, a mesmice e a rotina tão comuns aos processos tradicionais . Acreditamos que , desta forma , estaremos permanentemente estimulados ao estudo , a pesquisa e ao desenvolvimento das nossas melhores aptidões, partilhando uns com os outros um ideal de permanente progresso.

Para terminar a nossa contribuição , reforçamosmais uma vez a imperiosa urgência com que devemos nos debruçar a esta tarefa . Entretanto , ressaltamos que para a sua execução bastam apenas a vontade e o compromisso . A nosso ver , precisamos(re) começar esse trabalho , reforçando o que nos une – no nosso caso , a crença na Doutrina dos Espíritos , ao invés de avigorar possíveis e/ou eventuais diferenças que possam nos afastar desta tarefa tão promissora para a nossa causa.Acreditamos firmemente que a nossa vontade e o nosso compromisso serão os responsáveis pelas nossas atitudes e apontarão para caminhos pautados no diálogo , na compreensão e no desenvolvimento do nosso grupo , reforçando as nossas experiências , apontando as nossas dificuldades , promovendo a auto-educação , desenvolvendo a criatividade , valorizando o tempo e a dedicação de cada um , afastando o tédio e a insatisfação , criando apreço entre todos, melhorando o entendimento e a amizade , atraindo simpatia e colaboração e estabelecendoo respeito mútuo entre os indivíduos .



[1] O livro dos Espíritos de 1857 , O Livro dos Médiuns de 1861 , O Evangelho segundo o Espiritismo de 1864, O Céu e o Inferno de 1865 e A Gênese de 1868.

[2] Ver "Não basta que eu seja Espírita .Tenho que parecer Espírita", do mesmo autor.

[3] Ver "Pensamento e Vida - Francisco Cândido Xavier - Ditado pelo espírito EMMANUEL".