Vox populi, vox dei. Conhecemos bem essa máxima. “A voz do povo é a voz de Deus.” Num mundo globalizado, as pesquisas de opinião propiciam instrumentos para que tenhamos uma idéia de como nossos semelhantes “enxergam” o mundo, e assim como a atividade da imprensa, disponibilizam dados para a interpretação dos fatos passados, do presente e perspectivas para o futuro. Entretanto, a grande responsabilidade que advém da atividade de informação é a ética que deve reger nossos posicionamentos, pois corremos o risco de dar vasa a nossos preconceitos até mesmo quando fazemos análises que acreditamos bem centradas. É o que vemos na matéria de Thaís Battibugli, veiculada neste periódico em 21 de setembro de 2007.

De modo geral, a articulista comenta dados obtidos em pesquisa realizada pelo Ibope, que estabelece uma relação inversamente proporcional entre renda e escolaridade versus confiança na polícia. Ao interpretar os dados, a autora afirma taxativamente que “a população de baixa renda e escolaridade está mais exposta e vulnerável aos abusos de poder de policiais”, que essas pessoas têm “uma percepção mais tolerante em relação às ilegalidades cometidas” e que “a história da polícia brasileira está fortemente atrelada ao uso arbitrário da violência.” Tentaremos esboçar em poucas palavras os motivos de nossa discordância em relação aos argumentos citados.

Em primeiro lugar, tenhamos em mente que as classes menos abastadas também são as que mais conhecem a atuação da polícia para além das teorizações de ocasião, pois muitos dos atendimentos do serviço de 190 da Polícia Militar são de natureza social, e não policial: socorro a gestantes, a parturientes, crianças perdidas, auxílio a pessoas com problemas mentais, via de regra voltadas às comunidades de baixa renda. Logo, ao contrário do que a articulista tenta fazer parecer, o cidadão de baixa renda não confia mais na polícia porque é “mais tolerante”, mas porque ele tem motivos concretos para confiar na polícia. Isso parece muito absurdo?

Em segundo lugar, quando a autora cita a história da polícia brasileira, o faz de modo seletivo e superficial. Desde a criação daquilo que viria mais tarde a se tornar a Polícia Militar do Estado de São Paulo em1831, ainstituição (denominada então Corpo Policial Permanente) visava suprir uma carência de órgãos legalistas e confiáveis em meio à situação de desordem política quase que generalizada no período regencial. Sua confiabilidade e competência garantiram a sua sobrevivência até os dias de hoje como instituição presente no cotidiano da comunidade paulista. Não obstante, esses aspectos escapam às referências da autora.

Não se pretende aqui sustentar uma defesa cega da Corporação e a negação de seus problemas. Obviamente uma instituição quase bicentenária e que tem as árduas missões como são as da Polícia Militar é passível de errar, seja estrategicamente, seja por atitudes isoladas. Por isso, as críticas são bem vindas, para que possamos entender os anseios do público ao qual servimos, e atendê-lo de acordo com suas expectativas. O que não se pode aceitar são as posturas de maniqueísmo exacerbado e considerar apenas os constituintes negativos para a interpretação do papel social das instituições públicas.

Em suma, para obedecermos a princípios éticos na atividade de informação ao público, lembremos a “regra de ouro” de Aristóteles: não se pode pretender ser correto sem equilíbrio, equilíbrio que se traduz na moderação, na coragem e na temperança dos atos e das palavras. Certamente a abordagem do problema da aceitação da polícia por parte da sociedade nos obriga a considerá-lo como um fenômeno que não pode ser resumido unilateralmente e de maneira simplista, pois ele é bastante complexo. Se assim agirmos, estaremos dando mais espaço aos nossos preconceitos que à nossa razão.

 Jacintho Del Vecchio Junior é Capitão da Polícia Militar, mestre e doutor em filosofia pela USP

 Publicada originalmente no Jornal de Jundiaí em 16/10/2007.