278 – “Só me faltava essa!”  Capítulo 3

 

 

Numa hora em que se impõem grandes decisões, você acaba tomando a primeira que lhe vem à cabeça – ou à mão. E não fica examinando razões e consequências.

 

Foi assim que Teresa atravessou a rua, entrou sem muita cerimônia na sala da amiga Felícia, sentou-se na primeira cadeira e  perguntou, sem preliminares: “Você é feliz?”

-“ Como assim? “- respondeu a outra, surpresa. -“Como você quer que responda a uma pergunta dessas?”

- “ Só me diga se é feliz, ou não!”

- “ Deixe-me ao menos um minuto para pensar!”

- “ Mas você deve saber: pergunta simples, resposta simples: você é feliz ?”

-“ Agora que perguntou, acho que não sou, não. O Jorge ganha menos do que merece e muito menos do que precisamos. Isso me deixa infeliz. É isso que você queria saber?”

- “ Não. Quero saber de sua vida sentimental. Porque a minha está uma droga!”

– “Bem pensando melhor, eu achei que tinha encontrado o par ideal; confiei-lhe minha vida;  vejo agora que ele me decepcionou. “

- “ Os homens são fracos, frouxos, comodistas, hipócritas e mentirosos; Daniel não está nem aí, só pensa na satisfação dele. Eu recebo migalhas. Quando fica acordado.”

- “Tem razão. Minha vida toda é sem graça, sem esperanças!”

- “ Eu não me conformo com isso. E o pior é que não vejo saída; não posso abandoná-lo, só porque não me agrada mais. Fui eu que o aceitei e agora tenho que agüentar. Como você com o seu. “

 

Felícia parou um pouco, tamborilando com os dedos na mesa; uma vaga dúvida

estampava-se nas suas faces ruborizadas.

Pediu um minuto para coar um café – precisamos mesmo, disse entre si – e voltou em seguida.

 

- “Pensei que você tivesse vindo só para conversar, trocar idéias, jogar conversa fora; agora estou percebendo que tem algo muito pior, soprando por aqui!...”

- “Não, não. Eu estava apenas correndo atrás do fio do meu  pensamento...”

- “E que fio, ehm? Fio de navalha, isso é que é! Ou será de serra elétrica?

   Mas continua, Teresa: agora você me atiçou e quero saber tudo o que você pensa, até o fim!...”

- “ Amiga; estou apenas pensando, não tenho nenhuma segunda intenção... A não ser que você tenha pescado alguma coisa em você mesma, que combina com o meu pensamento...”

- “ O caso é que com esta pergunta você me pôs uma pulga atrás da orelha. O que você está tentando fazer? Sugere que compremos outros maridos?”

- Não, não exatamente. Mas veja: percebi que o seu amado Jorge anda tão distraído como o meu Daniel; os mesmos trejeitos, as mesmas expressões cansadas. Parece que está carregando você nas costas....”

- Quem está cansada, hoje em dia, sou eu, Teresa. Mas....meu Deus! Será que interpretei bem? Ou estou imaginando coisas?

- Não está imaginando nada! Não estava pensando nisso quando entrei aqui; eu juro! ,mas agora tenho uma idéia bem clara, Felícia! Escute com atenção!

A tensão entre as duas podia ser tocada. Era uma corda tensa de violino.

- Sou toda ouvidos, fala, fala!”

- Vamos trocar de marido! Vamos simplesmente trocar de marido!

A frase caiu como uma bomba. Felícia quase desmaiou. Faltou-lhe o ar, teve que sentar na cadeira mais próxima.

Imediatamente começou a imaginar:

Seria uma bela vingança sobre aquelas mocinhas de cabeça oca, que cercavam o Jorge na fábrica, o dia inteiro, com remelexos e atenções, enquanto ela suava lavando e passando as roupas de baixo  dele.  

Também a idéia de ficar com o Daniel assim, em princípio, era atraente, muito atraente; mas seria muito imoral. Uma grande sujeira!

Por outro lado, ela sentia desde sempre uma quedinha por ele.

Mas não seria justo com o Jorge.

Porém o Daniel também mostrava sentir uma atração por ela.

Errado, errado! De onde saiu uma idéia dessas?

Só pode ser armação do diabo.

Ou daquela cabecinha tonta da Teresa!

 

Enquanto isso, Teresa também organizava seus pensamentos.

Ficou aterrorizada por ter iniciado uma conversa deste tipo, e justamente com a Felícia, sua inimiga potencial, sua concorrente mais próxima.

Mas, se não puder lutar contra eles, junte-se a eles.

Neste caso, junte tudo e faça uma salada!...

Meu Deus, que pensamentos impróprios, que idéias imorais, que tendências...

O que diria minha mãe? Lavaria a minha boca com sabão!...

 

Mas aos poucos, no meio dessas ondas de dúvidas, que vinham ameaçar sua consciência , viram claramente uma coisa:  Se houvesse uma saída, não estaria muito longe dessa idéia maluca.   

 

As moças ficaram pensando, pesando causas e consequências, e por fim, não mais que quinze minutos depois, aceitaram a hipótese.

Só como hipótese, sujeita a mil modificações ou até a uma suspensão definitiva.

Elas ficariam em suas casas. Os homens é que deveriam mudar-se.

Seria a única “coisa” a sofrer alteração nesse período.

Toda a rotina continuaria igual.

Elas se contariam diariamente tudo – absolutamente, completamente tudo .o que tinha acontecido.

Seriam confessoras e confidentes uma da outra.

Assim aprenderiam a conhecer melhor seus homens e a corrigir os erros que tivessem cometido desde o início dos respectivos casamentos.

A qualquer ameaça de reinício de uma rotina, se avisariam, discutiriam e junto encontrariam as soluções. 

A solução seria por tempo limitado.

Quatro meses, disse Teresa (que queria aproveitar bem o tempo).

Seis meses disse Felícia (que receava custar mais a se adaptar).

Apesar de a situação ser absolutamente inusitada, sentiram-se aliviadas, quase contentes, como se tivessem saído de um longo túnel escuro.

Naquela noite, Felícia convidou o outro casal para um bom jantar.

Correu também um bocado de vinho, mas sós serviu para adoçar o choque que Daniel e Jorge receberiam.

Será que a coisa funcionou?

Eu penso que deveríamos esperar que o prazo se  completasse.

Mas, se acharem que é muito tempo para esperar, podemos falar nisso na próxima semana.

Até logo!