Bicho-homem ou homem-vira-bicho. Seria a indiferença a maior degola da humanidade? Ou seria o egoísmo o maior risco da nação?

A injustiça está lado a lado com a fome e a dureza do coração. Mas duros somos todos, cada um a sua maneira, pois o maior contentamento do homem é saber que ainda existe alguém na linha trágica da miséria; portanto pior do que ele, já dizia Schopenhauer. Infeliz constatação essa. Quanto mais maltratado, subjugado, abnegado, sobejado que ele próprio; tão invariantes são as possibilidades de melhora. Mero fatalismo inconteste e que não se limita a desumanidade de cada ato inumano, indo à sombra da mesquinharia fria, até congelante, de não se querer a mudança. Isso porque, o muito se dá quando o outro tem pouco, e o feliz se torna quando o contraste se revela.

Para a jogada final, a matança se faz sem fim e até justificável. Nisso a força da verdade se desfaz mediante a mentira sem nexo, mas reflexo da baixeza do sentimento humano. E quantos privados são da minha falta de ação! E quantos sem parcela, despotencializados, fragilizados e sem forças para opor-se ao poder circundante que os maltrata e que os suga até as últimas gotas! Sem espaço de ação, o viés da insignificância os abate, quando não os elimina, os descarta tão excluídos estão do mundo comum.

Essa é a paixão de uma sociedade monstruosa. Impossível guardar silêncio quando tudo ao meu lado me sufoca! Impossível diante dessa não-existência social contentar-me com meus próprios desejos e ambições!

Como explicar a nossa passividade? Como aceitar o inaceitável? Como representar o irrepresentável? Como dizer o indizível? Como amar alguém se antes não amo o mundo? O contrário do amor ao mundo é o próprio vazio. E politicamente o que dá sentido ao mundo é o viés da ação para acabar com as injustiças diante da inconformidade de um mundo cruel, desumano e acima de tudo dominado por paixões, desejos; um mundo extremamente consumista e globalizante que aliena a minha maneira de sentir, de pensar e de agir.

Por essa via, acredito que só a política¹ transformará o mundo, pois é resultado do meu amor ao mundo, da minha maneira de querer preservá-lo.

Avante, pois, a transformação pela política!


¹ Entendemos por política a forma de organização do convívio humano e o aprender a viver a pólis grega, como ação plural e espaço da participação e liberdade. Por isso, Hannah Arendt (2007) fala da volta da dignidade na política mediante a decepção da mesma na atualidade, já que os espaços públicos estão cada vez mais restritos e a população cada vez mais passiva.