Sinônimo de Vida

 

Explicar o apego humano às coisas que lhe são exteriores, que necessariamente não fazem parte de sua natureza íntima parecer ser tão complexo quando explicar aquilo que está para a razão... mas nunca para os olhos. E há quem diga que o objeto de estima valha mais que a presença humana. O objeto não trai. Não vai embora nem pede a si a liberdade inoportuna à sua condição de objeto: Uma propriedade da coisa livre.

Quando aos ouvidos é ofertada alguma melodia a qual desperte um sentimento inexplicável, nos inclinamos a acreditar mais na música... que na voz magnífica da entidade que a canta. Como se o som existisse por si... e a consciência expressa fosse não mais que a própria natureza de um som que se desvela a quem possa ouvir.

Há que ame mais a roupa que a pessoa que veste; os desenhos do filho que a existência da criança. Sim. E onde a fome é contínua, a humanidade sempre perde seu valor. Chega a tão pouco que hoje já se morre e se mata por não ter o que comer... por ter medo de não ter a quem amar. Ama-se o cachorro, o manto desde a infância, o viaduto em que se mora... o ofício que nos explora à estúpida dignidade de quem trabalha 24 horas. O significado da vida... é a própria idéia de posse.

Depositamos nossa felicidade nos mais diversos pontos. Qualquer ponto é expressão do nosso afeto. Como muitas vezes amamos mais o livro que o escritor, a mesada que a presença simples dos pais. É sórdido, mas tem homens que filho coloca no mundo e omitem a contigüidade sanguínea. Já vi recém em cesto de lixo, envolto pelo bruto luxo de uma caixa de papelão. Vida nova abandonada no mato... afogando-se no lago de qualquer desprezo. Eis o humano.

Motorista que acelera enquanto alguém passa; vinte centavos a uma fome de quase mês. O casaco de pele veste a inolvidável tortura do ser. E temos a medíocre sensação de que a árvore é mais útil quando guarda alguma veste. Os escravos não poderiam não ser citados: A amizade teve como efeito o sabor do sangue e o preço da vida, a vontade de fuga... no ato impetuoso de quem postula suicídio.

O homem aprendeu bem a mal amar. Quem disse que índio queria ser catequizado? Que no corpo do negro não havia alma? Que judeu não era gente? Já me sinto arrastado por um carro de bandidos; roubado pela explícita desonestidade de quem crê que o ilusório fulgor da bijuteria vale mais que algum pedaço de mim: Era-me útil aquele dedo. Já não se doa nem boa educação. Por que o dinheiro passou a comprar o nosso respeito? Pobre fosse humano não passava fome... nem morria no chão da maldita santa casa sem nenhuma misericórdia.

É estúpido amar o objeto. Mas pensar o fim do Hubble... me faz deplorar mais que a evidente morte recente daquele amigo. Aquele calvo, de baixa estatura e aparência cansada, olhar modesto. De lábios simples, muitas vezes entregue a um silêncio descomunal. Vestia-se mal, mas pensava bem; tinha o costume de bem dizer os novos, memorar seus velhos: Os pais. Acordava cedo, dormia tarde; vivia triste, mas se dizia contente; não tinha muito... nem tinha ninguém; Não era casado. Não tinha prole... e já não era filho. Era muito... mas nunca o bastante para ser verdadeiramente amado.

Aquele homem estimado...

Cinzas cujo nome... definitivamente, esqueci...


Autor: David Guarniery

Idade: 23 anos

Início: 21:00

Término: 21:13

Tempo Gasto: 13 minutos

Dia: Sábado

Data: 16 de maio de 2009

Obra: 001

Classificação: Crônica Lírica

In Memoriam:

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Brasil/ Paraná/ Cambé.