A caraterização de Silvestre Pinheiro Ferreira, cuja investigação respeitante à sua vida e à sua obra, se vem desenvolvendo, ao longo do presente trabalho, parece suficientemente consensual e relativamente pacífica, nomeadamente quanto à influência que teve na cultura luso-brasileira, quer ao nível das elites, quer no seu empenhamento e preocupação em relação à juventude, pese, embora, a sua obra ser complexa e com elevado grau de dificuldade de compreensão, possivelmente por se tratar de um autor não clássico.

 Na verdade: «A leitura das Prelecções Filosóficas e a tentativa de a situar no complexo quadro filosófico, científico, cultural e social dos fins do século XXVIII, princípios do século XIX, suscitou-me estas considerações preambulares, que se apresentam como uma justificação das dificuldades com que se depara qualquer leitor. Não há dúvida que a obra de Pinheiro Ferreira reflecte bem este encontro-desencontro com o espírito do tempo e simultaneamente um grande esforço – sobretudo de ordem filosófica e didáctica...» (SOARES, 1998:31).

E para se reforçar mais o grau de complexidade da obra Silvestrina, invoca-se, também, o período histórico-cultural e os locais em que, e por onde passou o autor, respetivamente, dos quais se pode retirar a ideia sobre as dificuldades que as populações do Brasil e Portugal sentiam no começo do século XIX: «... Silvestre Pinheiro Ferreira, figura singular e complexa de filósofo e homem público, cujo saber enciclopédico abarcou todo o conhecimento do seu tempo, da matemática à pedagogia, do direito à economia, da mineralogia à botânica, representa no pensamento português, de forma particularmente expressiva o trânsito da fácil e serena confiança do século XVIII para a austera e dramática inquietação do séc. XIX.» (TEIXEIRA, 1981:87).

Figura importante, cuja influência na cultura bem como na educação, revelou uma grande compreensão pelos jovens, aos quais incentivava para uma maior dedicação e aprofundamento nos estudos, como forma de uma melhor preparação para a vida, porque isso é óbvio em toda a sua obra, quando analisada pelos autores que se lhe seguiram e o estudaram: «Silvestre Pinheiro Ferreira foi, predominantemente um pedagogo, sempre voltado para a juventude com o intuito de nela acordar seriedade e real interesse pelos temas de Cultura...» (SANTOS, 1983:42).

A partir da sua imensa cultura, pode-se afirmar que Pinheiro Ferreira é, nos domínios filosófico-político, jurídico-social, da educação e cultura, como pensador do séc. XIX, possivelmente, o primeiro em Portugal e no Brasil que determinará, ainda que parcialmente, o rumo do pensamento do século de oitocentos. A sua obra viria a influenciar as orientações do pensamento filosófico brasileiro, no período que se seguiu à Independência, encaminhando, de alguma forma, as gerações seguintes para a meditação, para os valores da liberdade e de uma cultura de verdadeira cidadania.

Se no espaço luso-brasileiro, do século XVIII, educação e cultura caminhavam juntas e os acontecimentos, então verificados, afetavam a ambas, tais como: a expulsão dos jesuítas e a secularização do ensino, determinados pelo Marquês de Pombal, verificando-se uma reformulação da educação formal, ao nível do ensino secundário; já o século XIX seria especialmente profícuo no âmbito da educação e da cultura.

Certamente que tais alterações, para melhor, ficam a dever-se à ida da Corte Portuguesa para o Brasil em 1807, e não se pode dissociar deste facto a circunstância de Silvestre Pinheiro Ferreira ter sido, durante os cerca de 11 anos que permaneceu no Brasil, praticamente sempre ao serviço de D. João VI, um fiel conselheiro do monarca.

A propósito desta sua atitude de fidelidade ao Rei, anlise-se a seguinte passagem: «Quanto a Silvestre Pinheiro Ferreira, demonstrou simultaneamente, de forma concreta a sua fidelidade a D. João VI e ao liberalismo, regressando com ele para Portugal (ambas as coisas explicando as dificuldades que veio a ter com o governo reaccionário então instalado).» (MARTINS, 1977:46).

Uma das muitas razões pela qual Silvestre Pinheiro Ferreira, influenciaria, durante longo tempo, a cultura Brasileira, poderá encontrar-se na grande admiração que, tanto ele como D. João VI, tinham pelo Brasil, e pelos brasileiros, conforme e com frequência, se encontra na História dos diversos aspetos do Brasil, sendo de realçar uma conversa comovente entre o soberano e Pinheiro Ferreira, a propósito do regresso (ou não) da corte, a Portugal, em 1821.

Assim: «Seria o da aquiescência à imposição do Povo, a brandura para as futuras composições, a constitucionalização da monarquia, como desde 1814 lembrara Silvestre Pinheiro Ferreira.» e, mais adiante: «Silvestre Pinheiro insistia sempre... Perdia-se o Brasil! As últimas palavras com que D. João VI lhe selou os argumentos foram molhadas de lágrimas: Isto já agora não tem remédio. A Providência que tão maravilhosamente tem protegido a monarquia portuguesa, é quem só a pode salvar. Somente Deus.» (CALMON, 1935:249 e 274).

Atitudes desta natureza, em que valores de fidelidade e lealdade são tão evidentes, certamente só vêm contribuir para se incutir na mentalidade dos povos, uma cultura da dignidade, do respeito, da observância dos valores fundamentais, porque não é só a cultura livresca, a cultura das elites, a cultura adquirida por meios financeiros que é mais importante, quando não se valoriza a cultura das atitudes nobres, leais e justas. Neste aspeto, Pinheiro Ferreira, deu muitas lições e, precisamente pelo seu comportamento frontal e claro, bondoso e humilde é que a juventude tanto o admirava.

Ao nível de uma cultura de valores, a influência Silvestrina, ainda que, em certas épocas posteriores possa ser indireta, na verdade o que se pode constatar é que considerado o valor “Justiça”, e a correspondente atitude do justo, ou o valor “Liberdade” e os atos que a confirmam, encontram-se nos grandes pensadores modernos, as mesmas preocupações já reveladas ao longo de mais de dois milénios.

Anote-se, a título ilustrativo e para valorizar, não só o sistema democrático como também a importância da filosofia da educação para a cidadania, e do Direito, o que escreve Felipe, quando analisa uma teoria da Justiça: «A Justiça, numa sociedade democrático-constitucional, resulta, pois, de uma decisão e da concordância de todos os interessados em oferecer e receber benefícios sem prejudicar-se nem a si nem aos demais cidadãos. Esse acordo prevê, ainda, a eliminação das condições que possibilitam a obtenção de privilégios não oriundos do esforço pessoal em prol da sociedade como parte do contrato constituinte da Justiça.» (FELIPE, 1997:104).

Precisamente, nesta orientação, Pinheiro Ferreira mostrava-se contra os privilégios que, num sistema constitucional, (tal como ele o defendia) devem ser negados, afirmando isto mesmo no esclarecimento que ele dá a propósito do art. 8º da Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão: «O carácter distintivo do sistema constitucional é a negação de todo o privilégio. Neste sistema, todos devem ser sujeitos à lei comum.» (FERREIRA, 1836:7).

Também aqui se destaca uma cultura de isenção e de igualdade na aplicação da lei, independentemente da condição social, económica, política ou outra, dos respetivos arguidos. É um princípio sagrado na aplicação do direito e, nessa perspetiva, Pinheiro Ferreira revela, no seu pensamento, um grande contributo para as sociedades modernas, constitucionais e democráticas, como de resto era seu desejo, ainda que o seu apego a um certo tipo de democracia, não seja, de facto, de grande entusiasmo.

Sobre uma cultura de não-violência e do exercício da autoridade, com firmeza e moderação, alguns exemplos se encontram na pessoa de Silvestre Ferreira: quando a propósito da outorga da Constituição Espanhola se discutia a quem deveria ser entregue a regência do Brasil, se a D. Pedro de Alcântara, se a pessoas nomeadas pelo povo; ou ainda que o Príncipe exercesse só a presidência do governo, com limitação de poderes. Discutia-se, então, sobre a necessidade de D. João VI se manter no Brasil, de onde governaria o seu reino europeu.

Enquanto a Assembleia assim funcionava na Quinta da Boa Vista, ocorriam tumultos graves na Praça do Comércio, tendo os ministros presentes condenado tais atos, alegadamente de insubordinação e determinando que se reduzisse tal assembleia, considerada atrevida.

A este propósito, Silvestre Ferreira não concordaria com o modo de implementar tal medida, demonstrando aqui, uma vez mais, o seu apego aos valores da democracia, designadamente o da liberdade de expressão e de reunião, para que as práticas de uma verdadeira cidadania se pudessem exercer, sem receios e, prudentemente, aconselhou o que, em sua opinião, seria o mais indicado em tal situação:

«Se restabelecesse a supremacia da autoridade punindo o descomedimento dos eleitores, mas sem esquecer-se que os excessos eram devidos à exaltação dos ânimos e que, portanto, cumpria reprimi-los sem assomos de vigor. Opunha-se a que as tropas sitiassem a Praça do Comércio, não só porque essa ostentação de força em tal momento poderia ser causa de lamentáveis conflitos, como porque não assistia ao governo o direito de cercar de forças militares uma assembleia que se reunira em virtude de um acto próprio do governo para ocupar-se de negócios públicos.» (POMBO, 1957b:41).

É bem patente, neste particular, a demonstração inequívoca de uma cultura, também democrática, porque, no momento dos eventos relatados, Pinheiro Ferreira era um dos políticos reunido com os demais e que, na circunstância viria a desempenhar as funções de Ministro da Guerra e das Relações Exteriores, portanto membro ativo e de pleno direito do governo de D. João VI, e, mesmo estando a ser criticado pelo povo na praça pública, ainda assim compreendeu, ao contrário dos seus pares, a atitude da assembleia popular, e não permitiu o uso da força indiscriminada, sem que com isso pusesse em causa a punição dos responsáveis, caso se apurasse o grau de culpabilidade de cada um.

Na sequência desta reunião, verificaram-se alterações na composição do Governo de D. João VI, conforme é referido na obra de Jaime Cortesão y Pedro Calmon: «Tomas António retirou-se para ceder as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ao liberal Silvestre Pinheiro Ferreira.» (1956:585).

Bibliografia

CALMON, Pedro, (1935). O Rei do Brasil: Vida de D. João VI. Rio de Janeiro/RJ: José Olympio-Editora.

FELIPE, Sónia Teresinha, (1997). “Justiça Íntegra – a Teoria da Justiça como Fairnesse em Jonh Rawls”, in Filosofia, Goiânia: Universidade Federal de Goiás – Instituto de Ciências Humanas e Letras, Vol. 2, (1) Jan./Jun., 1997, pp.100-107.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836) Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris: Rey et Gravier.

MARTINS, Wilson, (1977-1978) História da Inteligência Brasileira, São Paulo: Cultrix /Universidade de São Paulo. pp. 32-54.

POMBO, José Francisco da Rocha, (1957b). História do Brasil. Nova Edição Ilustrada, Vol. IV, W. M. Rio de Janeiro: Jackson. Inc.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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