SILÊNCIO IMPRECISO

  I

 

Vagando pela orla municipal um homem avista avantesmas mudos que habitam o cais. São seus mortos particulares que lhe surgem vomitados do Rio Oiapoque. Uma brisa leve lhe banha face distorcida como uma tela de Dalí. Oiapoque lhe surge entre risos e preces. Ais e ave Marias ressoam da igreja das Graças. As horas estacionadas lhe assombram e ele emurchece. O indivíduo submerge e seu passo espera o silencio impreciso.

 II

 À tardinha, catraias multicoloridas sobem e descem em frente à cidade coberta de nuvens gris. Em Oiapoque a chuva parece conter garras de aço inox a querer nos degolar! Da rampa da plataforma de embarque até São George, habitantes de outros tempos abrolham imponentes. Sentado defronte ao rio, o homem espera o abrigo do acaso. O Entardecer lhe chega mórbido. Nada permanecera igual. A rua deserta se traveste de dia. O ocaso lhe permanecerá até que ele morra pra esse espaço descolorado.

 III

 A antemanhã sucumbi perante aos olhos esmaecidos do homem. Seu corpo desperta em delírio morto. A solidão lhe diz bom dia e ele esboça um suspiro com lágrimas densas nos olhos. Domingo deve iniciar a nova ordem que dirigirá seus últimos minutos. Seguindo pela Rua Joaquim Caetano até a Casa da Mistura almas em decomposição esboçam devorar seu coração de vento. Olhos e formas lhe espreitam. A partir dali ele não ouvirá mais as lamentações que outrora lhe acompanhavam. Agora o homem jaz, enterrado na vala comum da indiferença humana.

 

Oiapoque, 2015