Tempos atrás escrevi um comentário sobre esse programa que atropela a sanidade e o bom senso em nome do voyeurismo declarado, consentido e defendido como valor. Pior, ainda, explicita uma categoria de brasileiros: os que pagam para outros ganharem dinheiro; pagam por que assistem ao programa e pagam quando ligam, dando seu voto. O que acaba sendo mais um retrato do país do Carnaval.

O programa em questão, mostra a mesquinharia e a malandragem da espécie humana num jogo cuja estratégia é tirar proveito da ingenuidade do outro; um jogo em que usar os sentimentos do outro em proveito próprio acaba passando como algo positivo, pois ajuda a se aproximar do grande prêmio final; um jogo em que a sutileza das meias verdades, da enganação das parcerias interesseiras são critérios para a vitória. Trata-se de um programa que mostra de que é capaz a mente humana, não para a solidariedade, para a cidadania, para o altruísmo, mas para organizar maldades em função do bem pessoal. Onde o bem coletivo é apenas um degrau para o bem pessoal (quem se lembra da lei do Gerson?).

Trata-se de uma vitrine em que as pessoas acabam se expondo como realmente são. E do outro lado, a platéia, abobalhada, fazendo torcida por alguém que não conhece. Torcendo por alguém que é capaz das maiores malandragens...

Do outro lado da vitrine está a sua majestade o público que se vê, como num espelho, e toma partido defendendo seu ídolo que, na realidade, representa um aspecto da personalidade de quem assiste e vota. E vota pela eliminação daquele traço de sua personalidade que deseja não mostrar e que vê estampada naquele a quem quer eliminar do jogo. E paga para que permaneça aquele que, para aqueles que votam, representa o traço de sua personalidade; vota naquele com quem se identifica. Ou seja, o trouxa, que vota, vota não pela eliminação ou permanência dos competidores, mas primeiro, para dar dinheiro aos organizadores do programa; segundo, para defender seus valores pessoais; terceiro, para esconder traços da própria personalidade que vê retratada nos competidores, mas que não quer mostrar; quarto, para evidenciar algum aspecto que quer valorizar e; quinto, para manter o show de mau-caratismo que assola o país.

Esse é um programa que mostra o ser humano em sua essência: enjaulado manifesta-se uma fera ardilosa. A fera mostra não a humanidade que dizemos prezar, mas a animalidade que realmente nos caracteriza. Nossa animalidade que nos tirou da caverna e nos colocou nesse amontoado de caixotes de concreto, aos quais chamamos de arranha-céus. Tudo em função e em nome dos nossos interesses particulares. Do lado de fora os expectadores mostram a capacidade de se enganar e tentar passar uma imagem de bonzinho. Além de mostrar o que realmente pensam e como agem aqueles que se aboletam nas poltronas ou nos cantos da sala para fazer torcida, enganando-se num sonho de estar no lugar do seu ídolo momentâneo.

Não é exagero dizer que a história da humanidade se fez na mesma proporção em que as pessoas souberam se aproveitar dos outros, como pudemos ver nas várias edições desse programa. Na medida em que as pessoas e grupos souberam tirar proveito pessoal, ou souberam usar os grupos que estão ao seu redor, ou souberam se defender, colocando o outro numa situação de desconforto, de dor ou de morte, tudo para proveito pessoal.

Não é demais destacar que as escolhas que somos levados a fazer, raramente são em nome do bem estar da coletividade, mas em nosso proveito pessoal. Isso é o que ocorre no momento de cada jogador eliminar um parceiro da casa-gaiola em nome da permanência na casa-vitrine, joga o outro na berlinda, para que sua majestade o público decida.

E o cinismo chega ao ponto de o cara-de-pau que está votando pela eliminação de um colega da casa-vitrine, dizer que "gosto muito do fulano, mas hoje vou votar nele por que conversamos pouco durante a semana". Não se dando conta, ou fingindo não perceber, que sua cafajestice está sendo avaliada e ensinada num horário em que grande parte da população está vendo: o chamado horário "nobre", como a dizer que até o tempo tem distinções da classe, pois os demais horários devem não ter nobreza.

E é esse horário "nobre" que, infelizmente, tem ditado as normas de conduta da população do país do carnaval.

Isso que os jogadores fazem naquela casa nada mais é do que uma reedição do que os magnatas do petróleo fizeram, no inicio do século XX, ao optar pelo desenvolvimento dos veículos a gasolina criando falsas acusações contra os veículos movidos à eletricidade ou outros combustíveis menos ou não poluentes. O fato é que, se é para uma empresa, corporação ou um grupo de pessoas ter lucro, então que se danem os valores sociais, humanos, ou qualquer outro. O que importa são os lucros.

Você deve estar se perguntando, agora: se esse programa tem tudo isso de negativo, por que continua com tanto sucesso?

Respondo com prazer e tristeza: Porque é um programa que retrata fielmente as características do ser humano: mesquinho, maldoso, interesseiro, dissimulado... O programa retrata a sociedade como ela é. Retrata a mim e a você: nós somos aquilo que a casa-vitrine apresenta. Duvida, discorda? Então, para você aqueles versos do Raul Seixas: "Você já foi ao espelho, nego? Não? Então vá!"

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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