Sexta Feira de Neurose.
Estava deitada no chão. Sexta - feira, véspera de natal. Um dia normal. Quando era criança minha mãe sempre me dizia que o natal foi inventado para se gastar dinheiro. Sociedade de consumo, dizia ela.Por alguns instantes refleti sobre essas sábias palavras. Por isso, resolvi fugir ao consumo. Preferi ficar em casa, no meu palácio silencioso.
Durante algumas horas permaneci sem fazer absolutamente nada. Insensato. "Tempo é dinheiro", diriam alguns capitalistas de plantão. Talvez tivessem razão. Mas o que faria em uma sexta ? feira? Boate?
De repente um ímpeto apossou-me, uma vontade tresloucada de fazer algo, lutar, sei lá!Sai!Enquanto andava, tive o cuidado de observar em meu redor. Não sei se estava me tornando neurótica, mas li em um outdoor a seguinte inscrição: "O movimento (sem consciência) é uma mera agitação. Só existe verdadeiramente ação, quando tenho consciência dos meios para atingir um fim".
Esfreguei os olhos e estava lá. Novamente a propaganda de cigarro retomou seu lugar. Mau sinal. Continuei andando, dirigia-me ao metro. Enquanto estava na fila para comprar o bilhete, um mendigo me pediu esmola. Ignorei-o.
Recordei-me de um filme: "Sem Destino".
Exatamente, era essa aminha condição? Da humanidade? Será que minha vida é um filme? Estou acordada? O fato que a semelhança com o filme é imensa, só me falta a moto, pois nesse momento viajarei de trem e, alem do mais, não compreendi se gostaria de seguir minha viagem, ou estava seguindo determinações do filme.
A porta se abriu. Logo me sentei no lugar indicado aos idosos, ao meu lado havia duas pessoas, um alto e magro usando uma camiseta do Chicago Bulls o outro, não reparei. Vestia algo branco. Simples. Observei que os dois não dominavam nosso idioma. Aquela velha e boa herança dos portos. Indiscretamente tentei ouvir o que diziam. O Bulls falou primeiro:"As mulheres brasileiras são vulgares."Aquelas palavras doeram-me, no entanto, contive-me, poderia me indignar de ouvir uma conversa, mas nunca rebaixar-me a escândalos, ainda mais no trem, o que as pessoas iriam pensar? Retomei a compostura, fechei a cara e ainda ouvi:"País de terceiro mundo."Filho da...A Divina Providência me silenciou.Estava ferida, duas vezes, isso é uma afronta!
Comecei a ruminar impropérios. No entanto, fui me acalmando, fogo morto, me senti! Infelizmente não conseguia compreender o que leva o ser humano a fazer considerações depreciativas sobre tudo e todos e o pior: em frente aos réus. Porém, meu ódio tem que ser vingado, jamais acreditei na doutrina cristã que diz para oferecer a outra face, ou, inocentemente nos afirma que se deve pagar a mal com o bem. Deve-se pagar o mal com o mal. Lei de Talião: olho por olho e dente por dente.
É assim que deve ser."Não, não e não! Procurei escapar àqueles pensamentos, mesmo furiosa com tudo aquilo, não é de meu interesse. Devo me preocupar somente com meus problemas. Consciência de classe, nessa fase da vida! Impossível! Os pensamentos não me deixavam, tive vontade de sumir ou fazer algo que consumisse todas minhas energias.Anoiteceu. Fui rapidamente para casa, pessoas falavam comigo na rua, quando muito sorria de canto de boca. Cheguei, abri a porta, dirige-me à meu esconderijo peguei outra roupa, procurava intensamente algo. Encontrei-o. Novamente retornei à porta, mas havia esquecido a bolsa no quarto do lado da cama, corri para pegá-la. Peguei, coloquei do meu lado e comecei a chorar.

Fábio O. Santos