Prezado Carlos,
Envio um ensaio, fruto de anos de estudos, para sua apreciação e eventual publicação. Como é um texto grande, dividi em 4 partes. Se você achar que não é necessário, e que vale a pena para o site, pode retirar os subtítulos de partes e publicá-lo na íntegra. Abraços. Michael
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SEXO E MISTICISMO: uma abordagem histórica e cultural

Parte 1

O intuito deste ensaio é abordar as relações entre duas das mais poderosas manifestações que abordam o gênero humano: o sexo e o misticismo.
O sexo é uma das manifestações de energia criadora. Sem esta força vital não existiriam formas organizadas de vida. Por esta razão as grandes correntes religiosas e filosóficas da antiguidade trataram deste assunto com grande ênfase.
No hebraísmo estudou-se a sexualidade com minúcias, existindo mesmo um aspecto de "erotismo sagrado" na Cabala, que abordaremos a seguir. A tradição hindu, bem como a chinesa, são riquíssimas neste aspecto.
Diversas estatísticas levantadas em foros judiciais em todo o país mostram que uma expressiva parcela das ações de separação diz respeito, direta ou indiretamente a incompatibilidade sexual. O sexo é o "leit motiv" dos problemas interpessoais.
É certo que os condutores de homens, os líderes de todas as épocas sempre souberam disso e por essa razão os códigos de comportamento ético ou moral de todos os povos se preocuparam em conter a sexualidade dentro de estreitos limites.
Segundo um renomado sociólogo americano, Dr. A Willy, o comportamento do ser humano com relação a sexualidade depende de três fatores: os instintos, a sociedade e a razão.
Os instintos, comuns a todos os animais, o que inclui naturalmente o "homo sapiens", formam uma base constante de comportamento sexual, quer o agente seja uma macaco antropóide, quer seja um ser humano.
A sociedade, com suas leis e regras, exerce sobre o comportamento sexual do homem uma influência maior do que a dos primitivos instintos. No entanto, quer a leis sejam naturais, quer sejam consuetudinárias, variam em função do local e da época.
O terceiro fator que rege o comportamento sexual do homem é a razão. A razão é, com sua força equilibradora, o que leva o indivíduo a aceitar exteriormente as prescrições da sociedade e a agir interiormento de acordo com o seu foro íntimo, que chamamos de moral ou de consciência.
A razão, por conseguinte, equilibra o antagonismo existente entre as prescrições da sociedade e os apelos do instinto. Quando tal não se dá, o erotismo gratuito se desencadeia e a decadência dos costumes e da sociedade processa-se num ritmo acelerado, cujo exemplo mais dramático foi o Império Romano.

Sexo entre os hebreus

Uma tradição judaica dis que, quando um homem e uma mulher se encontram e se amam, os anjos se rejubilam, e que é do encontro desses amantes que se inspiram os cânticos celestiais.
Independentemente de suas finalidades específicas a natureza fez do sexo uma função muito agradável. Qualquer tensão que se acumule no organismo, como sono, fome ou sede causa angústia e o relaxamento desta tensão mediante sua satisfação é sentido como prazer. Isso é muito mais verdadeiro ainda no caso da tensão sexual, cuja satisfação constitui uma das mais prazenteiras atividades do ser humano.
No Velho Testamento, o Cântico dos Cânticos, atribuído ao Rei Salomão, celebra esse prazer através do amor mútuo em que um amado e uma amada se unem, se perdem, se buscam e se encontram. Este livro, sem nenhum plano definido, é uma coleção de poemas unidos pelo mesmo tema, o amor carnal, considerado com um sadio realismo. O Cântico não fala de Deus, emprega a imagem de uma amor apaixonado e segundo alguns estudiosos foi baseado nos cultos de Ishtar e Tammuz, copiados pelos cananeus e praticado nos primórdios do culto de Iaweh.
Embora seja discutível, alguns exegetas pretendem que o Cântico teria sido o ritual expurgado e revisado dos ritos da hierogamia, ou casamento divino, praticado desde o antigo Egito, e cuja cultura teve ponderável influência na formação das tradições judaicas.
Vejamos, para conhecer o estilo e o espírito, alguns trechos do Livro:

Como és bela, minha amada, com és bela
Teus peitos são dois filhotes, filhos gêmeos da gazela,
pastando entre açucenas...
Antes que sopre a brisa e as sombras se debandem
vou ao monte de mirra, à colina do incenso...
Tua boca é um vinho delicioso, que se derrama na minha
molhando-me os lábios e os dentes.
Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim.

O mesmo amor humano é eventualmente tema de outros livros do Antigo Testamento: assim, em relatos do Gênesis, na história de Davi, nos Provérbios e no Eclesiastes, onde ele é tratado de forma e com expressões semelhantes às do Cântico.
A Cabala, como também as demais tradições do Oriente tem um aspecto de erotismo sagrado, em que Adão é simbolizado pelo IUD, letra hebraica de formato semelhante a um apóstrofo, ou a um espermatozóide, e representa o aspecto masculino. Se se acrescentar a essa letra o nome ternário de EVA, obtemos IEVE, o Nome Sagrado. Isso eignifica que desse encontro, dessa relação entre o homem e a mulher nasce o Nome Sagrado de Deus. Abrem-se dessa forma, novas perspectivas de entendimento sobre o amor e o sexo.
Também traz nova visão sobre o antagonismo natural do 1 e 2 e sobre a atração dos contrários.
Assim: ALEF é masculino, homem; BEIT é feminino, mulher.
A é ativo e B é passivo. Na tradição hindu representam o LINGAM e a YONI. Na chinesa o YIN e o YANG.
O princípio ativo busca o princípio passivo. Qual é a natureza do princípio ativo? É propagar. E qual a natureza do princípio passivo? É fecundar. A unidade se exprime pelo binário.
Uma das interpretações da Estrela de David, o "maguen David", é a de que os dois triângulos sobrepostos que formam a figura, um para cima, e outro para baixo, representam o encontro entre o homem é a mulher, a relação fecunda que glorifica o amor e cria a vida.

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SEXO E MISTICISMO: uma abordagem histórica e cultural

Parte 2


O Kama Sutra hindu, os pés chineses,
os pregadores católicos e a poesia árabe.


Na filosofia hindu, outro Livro é consagrado ao mesmo tema e começa assim:
"No início, o Senhor dos Seres criou a humanidade e estabeleceu, em cem mil capítulos, sob a forma de mandamentos, as normas da existência humana, sob as formas de DHARMA ? "aquisição de mérito religioso"; ARTHA ? "aquisição de bens, patrimônio" e KAMA ? "sobre o amor, prazer e satisfação sexual".
DHARMA é a obediência aos mandamentos religiosos, no que concerne às suas práticas, como rituais e sacrifícios.
ARTHA é a aquisição de artes, terras, ouro, gado, amigos, bem como a proteção para o que se adquire e o aumento do que se protege.
KAMA, finalmente, é o que desfrutamos com os cinco sentidos, auxiliados pela mente e pela alma. O ingrediente é o contato íntimo entre os órgãos dos sentidos e o objetivo em mira. A consciência do prazer decorrente desse contato se chama KAMA. Segundo a tradição híndi, os KAMA-SUTRA (aforismos sobre o amor) foram expostos originalmente em mil capítulos por NANDI: este é a imagem do touro sagrado hindu.
O homem deve viver de maneira a harmonizar os fatores, evitando que entrem em conflito.
Na antiga China, devido ao curioso costume chamado de Pés em Lótus, de envolver os pés femininos em fortes ataduras para mantê-los pequeninos, surgiu o fetiche de erotizar os pés. O Pé em Lótus, muito mais do que os genitais, é que era o símbolo do amor erótico, do desejo e servia como acessório à relação sexual e ao orgasmo. E até hoje, milhões de pessoas, especialmente homens, ainda têm o fetiche dos pés.
No entanto, embora todas as grandes correntes filosóficas tenham apresentado o amor carnal como limpo, puro e saudável, tanto naquela época, quanto atualmente, o homem tende a ocultar a sua própria ignorância com preceitos religiosos ou legais, quer forjando rígidas prescrições, quer atribuindo uma origem divina aos seus propósitos.
Dessa forma, graves abusos ou vícios, contrários a vida sexual normal, adquiriram pouco a pouco, ao longo da história, a qualidade de preceitos religiosos ou legais.
Assim, a ignorância e o temor dos povos antigos sobre um evento tão fantástico e misterioso como a concepção e a reprodução, acabaram por transformar o sexo num poço de imundície, preconceito e medo.
São Jerônimo, por volta do ano 400, dizia: "No que tange à esposa de outrem, todo amor é vergonhoso; no que tange a sua própria, vergonhoso é o amor excessivo. O homem sábio deve amar sua mulher com discernimento, não com paixão. Que ele domine o impulso da volúpia e não se deixe levar com precipitação à copula. Nada é mais infame do que amar a esposa como a uma amante"...
E S. Francisco de Assis reforçava o preconceito contra o amor carnal instando os casais a observarem o comportamento dos elefantes: "porque o macho nunca troca de fêmea e ama ternamente aquela que escolheu e com a qual só se acasala a cada três anos e somente por cinco dias e tão secretamente que jamais alguém o viu neste ato. Ele é visto no entanto no sexto dia, quando antes de qualquer coisa, vai diretamente ao rio, lavar todo o corpo, não querendo de modo algum retornar ao seu bando antes de se purificar. Não temos aí belas e honestas disposições?"
Em compensação o ponto de vista dos povos árabes a respeito da sexualidade era muito mais próximo ao dos hebreus e hindus, como prova o Alcorão, que promete aos fiéis mais piedosos, uma cópula para cada dia de jejum observado no Ramadã (9º mês do ano islâmico), ou para cada boa ação, com as "huris", voluptuosas virgens de olhos negros que residem no Paraíso.
O belo poema "O jardim perfumado", atribuído ao Xeique Nefzawi, por volta do ano de 1500 EV, resume a opinião do Povo do Crescente sobre a sexualidade:

A mulher é como a fruta, que só entrega a sua doçura, quando comprimida pelas mãos.
Olha o manjericão: se não espremerdes entre os dedos, não desprenderá nenhum perfume.
Sabes o âmbar, se não for tratado e aquecido, oculta em seus poros o aroma que contém.
Assim é com a mulher...
Se não a animas com entretenimentos, com beijos, carícias e toque, não obterás dela o que desejas.
Não sentirás nenhum prazer em compartilhar o seu leito.
Não despertarás em seu coração nem inclinação, nem afeição e nem amor por ti.
E todas essas qualidades permanecerão ocultas.



A cultura greco-romana e costumes
e símbolos sexuais da antiguidade


A mitologia grega, com seus deuses de paixões e características humanas, apresenta um dos mais ricos repositórios de práticas, costumes e símbolos sexuais que nos foram legados, inclusive o vocabulário.
Por exemplo: "erótico" vem de Eros, o deus do amor, "afrodisíaco" de Afrodite, deusa da beleza, e centenas de outras expressões adotadas pela Medicina e pela Psicologia para denominar os fatores relacionados com o sexo, a emoção e o amor.
Mesmo na mais remota antiguidade, a prostituição de caráter religioso, dita "sagrada", era um instrumento de poder político ou religioso, para manter controlado o "fogo" sexual, e especialmente uma de manifestações mais "perigosas", ou o que imaginava ser um mal maior , a pederastia.
Com efeito, o homossexualismo era parte essencial da vida emocional e cultural da Grécia antiga, especialmente em Atenas e Corinto, durante a época áurea da cultura grega, o século de Péricles, em 5 AEV.
Os helenos acreditavam na natureza bissexual do ser humano, crença aliás antiga e arraigada. Apolo era macho-fêmea, os egípcios acreditavam que alguns de seus deuses eram masculinos pela frente e femininos por detrás, ou as vezes humanos pela frente e animais por detrás. Na Babilônia acredita-se que os primeiros homens criados tinham um corpo e duas cabeças, uma masculina e outra feminina, o que significa que teriam também órgãos de ambos os sexos; Shiva, a semideusa hindu, semi-mulher, era uma divindade duplamente sexuada e uma exegese do Talmud dá a entender que Adão, antes de Eva, seria hermafrodita, ou seja, conteria em si os atributos de ambos os sexos. Foi só quando Deus dividiu simbolicamente o seu corpo, que foram criados o homem e a mulher.
Em função desta crença e de uma característica da cultura grega, na qual a mulher era considerada "res", ou seja, "objeto" e não como parceira ideal de uma relação sexual, proliferou, especialmente entre a elite, a homossexualidade. Hesíodo, em sua "Obras e Dias", adverte: "Não te deixes seduzir por mulher alguma de traseiro atraente que por acaso venha com palavras lisonjeiras, procurar-te um tua cabana" , condenando aquele mesmo atributo com o Príncipe Paris se deleitou ao eleger a deusa da beleza, Afrodite Calipígia, ou "Afrodite das belas nádegas", entre as três candidatas somente após estas terem-lhe exibido o mesmo.
Embora os gregos adorassem deusas e lhes erigissem magníficos tempos, na vida cotidiana as mulheres eram completamente afastadas de atividades comuns a ambos os sexos; eram as casadas, por exemplo, proibidas de assistir aos jogos. Não se tem notícia de uma heroína nacional grega, comum aos costumes judeus e romanos.
Isso não significava que as helênicas fossem indiferentes ao sexo, muito pelo contrário. Hipócrates, o pai da medicina, pontifica que se a "hystera" ou útero de uma mulher não fosse regularmente excitada pelo sêmen de um homem, o sangue afluiria a cabeça da infeliz, enevoando-lhe a mente, causando inquietação e nervosismo, a "histeria", enfim. Durante mais 20 séculos, para os médicos da escola hipocrática, a cura para fenômenos histéricos foi simplesmente uma dose maior de sexo.
Absoluta exceção com relação ao papel da mulher na Hélade eram as prostitutas, conhecidos como "hetairas". Os registros documentais a respeito da presença e da participação das cortesãs na vida grega são infinitamente maiores do que as notícias sobre as mulheres virtuosas. A história registrou entre outras os nomes de Frinéia, modelo das estatuas de Afrodite, de Leontina, culta hetaira de Epicuro e principalmente de Taís, hetaira de Alexandre, o grande, presenteada por este ao general Ptolomeu, que com a morte de Alexandre ascendeu ao trono do Egito. Assim, a cortesã Taís tornou-se a matriarca da linhagem protolomaica, que por mais de 300 anos governou com pompa e circunstância a maior potência do mundo na sua época, encerrando-se a linhagem com Cleópatra, que por sua vez se tornou concubina de Julio César e Marco Antonio.
Ao atingir a puberdade os jovens gregos procuravam um "protetor" entre os adultos ricos e letrados, que se tornaria seu conselheiro e orientador. Admitia-se implicitamente que este relacionamento fosse também sexual, no entanto os rígidos mandamentos sociais exigiam que o rapaz só cedesse à corte após ter certeza das sérias intenções de seu "protetor", principalmente da intenção de educá-lo e fazer dele um bom cidadão.
Os membros das elites gregas consideravam tais relacionamentos afetivos nobres e aristocráticos e lhes davam o nome de "dóricos", significando "de sangue azul".
Tornado adulto esperava-se que ele se tornasse ativo, possuindo moças e rapazes. Se continuasse a se comportar apenas como passivo era tratado com desprezo.
Entre as mulheres o relacionamento homoafetivo também existia embora fosse menos comum. Conta a lenda que a poetisa Safo, que dirigia uma escola para meninas na ilha de Lesbos apaixonou-se por uma de suas alunas e mais tarde pela amiga Féon. Não tendo sido correspondida por nenhuma das duas suicida-se, afogando-se no mar. Da denominação da ilha deriva a palavra "lésbica".
Platão, um dos maiores atletas de sua época (seu nome deriva de "Platos" ? ou seja "ombros largos" e um dos maiores filósofos da história, em sua obra "Simpósio", que é um tratado sobre a homossexualidade, cria um tipo de ideal amoroso, entre homens, livre de luxúria ou contato físico, que passou a ser conhecido como "amor platônico". No entanto, apesar do ideal de Platão, a homossexualidade atingiu tais proporções que Sólon, legislador e filósofo, prescreveu aos atenienses a abertura de bordéis como remédio eficaz contra a sodomia, tendo sido fundado do primeiro bordel estatal de que se tem notícia na história. Embora não tenham sobrevivido documentos oficiais a respeito do assunto, Nicandro de Colofon e Filemon de Siracusa descrevem com minúcias esta atitude do grande estadista.
A despeito das boas intenções de Sólon, a medida deu como único resultado concreto transformar a bela Atenas numa das mais depravadas metrópoles da antiguidade, ponto de partida da decadência daquela grandiosa civilização.
Os romanos, legítimos sucessores da cultura helênica continuaram considerando a homossexualidade como natural e desejável. Julio César era conhecido pelo epíteto de "marido de todas as mulheres e mulher de todos os maridos." Os imperadores Trajano, Augusto, Tibério, Domiciano e Adriano, entre muitos outros, eram notoriamente homossexuais, e Nero e Calígula foram extraordinariamente depravados.
Tem-se notícia de que lesbianismo foi muito mais comum em Roma do que na Grécia, e a não ser em casos onde o amor e o sexo se imiscuíam na política, não gerava maiores escândalos. Muitas das esposas ou matriarcas romanas, esposas de oficiais do exército, devido a longa ausência de seus maridos em distantes guerras, usavam os favores sexuais de escravos ou gladiadores, que quase sempre eram "propriedade" de suas famílias.
Muitos romanos usavam em torno do pescoço um amuleto fálico chamado "fascinium", de onde derivam as palavras "fescenino" e "fascínio". Gravados ou fundidos, em ouro ou chumbo, tem de um lado a representação dos órgãos sexuais masculino e feminino e do outro, uma cruz.
Aliás, a cruz egípcia, ou cruz ansata, o ANKH, que tem a forma de um T, encimado por um oval, representava a imortalidade, porque o oval significava o órgão feminino, por extensão o útero, e a haste do T, obviamente, o pênis.
Em 1955, o Dr. Roger Gronjeam, chefiando uma equipe de arqueólogos da Sociedade Francesa de Estudos pré-históricos, descobriu na Córsega gigantescas figuras datadas de 3.000 AC. Inúmeros destas estátuas tinham a forma de pênis, com cerca de três metros de altura de um lado, e do outro formas humanas como a nuca, omoplatas e a coluna vertebral, ou ainda rostos humanos, ou ainda complementos anatômicos do pênis, como as pregas do prepúcio.
Esculturas semelhantes, ainda maiores e mais rudimentares foram descobertas no Sudão, Argentina, México, Inglaterra e Peru. Na Índia centenas de templos cobertos literalmente por milhares de imagens celebram em cenas vívidas, sem ressalva alguma, o ato sexual.
Alguns antropólogos imaginam que estas obras, criadas desde a Idade do Bronze, são símbolos fálicos em louvor do deus da sexualidade e também um elo simbólico entre a vida e a morte, a procriação e a destruição.
Outros, corajosamente, lançam a discutível teoria de que o cetro e coroa, símbolos da realeza e do poder absoluto, representam simbolicamente os órgãos masculino e feminino, que empunhados e coroados sobre um homem comum significam que lhe foi concedido o poder de criar e que se aproximou da imortalidade.

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SEXO E MISTICISMO: uma abordagem histórica e cultural

Parte 3


O sexo como fator de estabilidade social

Verificamos que, se a sexualidade foi sempre uma das maiores motivações do ser humano, foi também uma das grandes preocupações dos legisladores.
Por sua necessidade com fator de estabilidade social, é que as grandes correntes filosóficas de todas as épocas deram tanta atenção à sexualidade; por esta razão Iaweh, que inspirou todo o Livro Santo, consagra um Cântico ao amor.
E entre as mais importantes regras que procuraram normatizar a sexualidade encontramos o Decálogo, os Dez Mandamentos.
Com efeito, o sétimo mandamento ? não cometerás adultério ? reconhece o matrimônio como base da família, santificando-o dando-lhe o respaldo da religião.
Curiosamente a maior parte dos grandes heróis citados na Bíblia, a começar de Abraão, passando por Salomão, Davi e tantos outros praticavam o adultério. Assim como "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
É, no entanto, no Levítico que o Senhor elenca um rigoroso código de comportamento sexual, moral e religioso, com severíssimas restrições, que se estendem por três capítulos inteiros do Livro, e que, entre outras coisas, determina:
"Não descobrirás a nudez de sua parente próxima, não descobrirás a nudez de teu pai e nem a nudez de tua mãe...e vai aí por diante estabelecendo a expressa proibição de casamentos consangüíneos, do incesto, do adultério ? "não darás teu leito conjugal à mulher de teu próximo, para que não te tornes impuro com ela" ? e condena à morte ambos os adúlteros ou "o homem que se deitar com um animal".
Mas o Senhor não proibiu expressamente a relações com prostitutas estrangeiras e por esta razão, moabitas, sírias e outras tantas viviam ao longo das estradas da Terra Santa, combinando mascateação com prostituição.
Salomão revogou as leis que as mantinham fora dos muros de Jerusalém, e com isso elas se multiplicaram tanto, e tão velozmente, que nos dias do Templo, era acusado pelos macabeus de tê-lo transformado em um "antro de fornicação".
Mas a história registra que a família judaica, ao invés de degenerar, prosperou.
O substrato ético do povo hebreu, aliado à força coercitiva das prescrições divinas, consolidou a família como elemento fundamental do ordenamento social e casos de amor e ternura foram eternizados como os de Isaac por Rebecca ou o de Jacó por Raquel, matéria prima de um dos mais belos sonetos da língua portuguesa, de Luiz Vaz de Camões:

Sete anos de pastor Jacó servia,
a Labão, pai de Raquel, serrana bela,
mas não servia a ele e sim a ela,
que a ela só por premio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel, lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor, que com enganos,
lhe era assim negada a sua pastora,
como se não a tivera merecido,

Começa de servir outros sete anos,
dizendo: - mais servira, se não fora
para tão longo amor, tão curta a vida.

A atividade sexual era escrupulosamente regulamentada pela lei religiosa, que determinada dias, ritos e procedimentos, sem no entanto coibir o prazer. O sexo devia dar satisfação. O legislador hebreu, experiente e realista, admitia ser forçoso administrar aquilo que não se podia combater, porque o ato sexual, com a ampla variedade de sensações agradáveis que proporciona, oblitera o juízo, embota a razão e traz a tona os incontroláveis e primitivos instintos do animal.
A propósito, em 1668, o Dr. Mauriceau, médico e pensador gaulês, escrevia: - "As partes do homem e da mulher que servem à geração, foram dotadas de uma sensibilidade, de uma cócega agradável, um doce formigamento que os incita à ação. Assim não sendo, seria impossível ao homem, esse animal divino, nascido para a contemplação das coisas celestiais, juntar-se à mulher. Se assim não fosse ele fugiria da sujeira e do mau cheiro dessa parte, receptáculo de todas as imundícies do corpo da mulher, e não se resolveria a colocar este membro que lhe é tão querido, a uma dedo da distância do ânus...".
Prossegue o pensador: - "Se a mulher pensasse nos mil incômodos que lhe causa a gravidez, nas dores que sentirá, no perigo de vida a que se pode acrescentar a perda da beleza, o dom mais precioso que ela tem, fugiria do ato. Mas essas reflexões, dele e dela, vêm depois da ação e não contam quando o prazer domina".
Assim podemos entender melhor o Gênese, a tentação de Adão, ao tomar ciência do fato de que a palavra NAHASH, vulgarmente traduzida como serpente, quer na verdade dizer: concupiscência. Essa era a principal paixão no meio de toda a animalidade da natureza elementar que o Senhor criara.
- "Yaweh disse à mulher: - Que fizeste? E a mulher respondeu: a serpente (concupiscência) me seduziu e eu comi (do fruto da árvore).
E foi por esta razão, por força do apelo sexual, que Adão e Eva teriam precipitado a queda da raça humana.

O sagrado sêmen e a masturbação


O legislador de Israel também sacralizou o sêmen, a semente, baseado num texto da Lei, que reza: "Toda a raça humana descende de um único homem. Logo, não apenas um homem tem potencial para reproduzir um mundo inteiro, como, verdadeiramente, cada homem é um mundo inteiro".
Isso significava, no aspecto místico, que a semente, fluido misterioso contido no homem, contém em si uma força emanada diretamente por Deus, e que é a potência de construção da humanidade. É como se o esperma contivesse em si, a geração.
Como tudo o que se referisse à fecundidade e a reprodução tinha caráter misterioso e sagrado, alguns preceitos versavam sobre a menstruação, o parto, a ejaculação, que é considerada uma perda de vitalidade pelo homem, e que, através de certos ritos e práticas deve restabelecer a sua integridade e a sua união com Deus, fonte da vida.
A masturbação, por se tratar de desperdício, ou uma destinação menos nobre do fluido seminal, era interdita. Essa proibição através os séculos tendo sido reforçada pelos pregadores, quer católicos, quer da Reforma, até adquirir verdadeiro caráter de anátema.
O livro "O inimigo rastejante" editado em Estocolmo, em 1887, ensinava que a masturbação transformaria o rapaz em "uma ruína esquálida e devastada, um condenado à morte ou ao asilo, mergulhado na noite escura e sem fim da demência". Provocaria ainda "a interrupção do crescimento, do desenvolvimento do sistema muscular, da puberdade e da barba". Finalmente "destruiria o cérebro, o sistema nervoso, a medula espinhal, a inteligência, a lucidez, a vida sob todos os aspectos".
Infelizmente tais sandices perduram ainda em nosso tempo. É comum se ouvir no interior do Brasil que a masturbação faz crescer pelos nas mãos.

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SEXO E MISTICISMO: uma abordagem histórica e cultural

Parte 4


Sexualidade e amor


Segundo o filósofo Martin Buber, três são as esferas nas quais o mundo das relações se constrói:
A primeira é a vida com a natureza, onde a relação permanece no limiar da linguagem, ou mundo da consistência, chamado COSMOS.
A segunda é a vida com os homens, onde a relação toma forma de linguagem, ou mundo a afetividade, também chamado de EROS.
Finalmente a vida com o espírito, onde a relação, embora sem linguagem, gera linguagem, ou o mundo da validade, ou LOGOS.
Quando o encontro perfeito se realiza, essas três esferas se reúnem num único portal, que é o da VIDA, o da PALAVRA.
Escreve Buber: - "Quando um homem está intimamente unido a sua mulher, estão ambos envolvidos pelo sopro da eternidade". Diz ainda: - "Quando um homem ama uma mulher de tal modo que ele a torna presente em sua vida, a luz do olhar dela lhe permite vislumbrar um clarão da luz divina."
A sexuallidade humana, na verdade, não é apenas biológica, mas deve considerar dimensões teológicas e metafísicas. Assim sendo pode-se iniciar a abordagem deste tema a partir de uma dupla constatação:
1) a sexualidade humana é a expressão carnal de uma realidade espiritual;
2) a sexualidade humana é a expressão carnal do amor pessoal.
Esta é a grande diferença entre a sexualidade animal, originária do instinto, para quem o sexo é apenas uma união fugaz, motivada pelo apelo biológico, e a sexualidade do homem, para quem é a corporificação do amor, ou um sinal sensível de uma realidade afetivo-espiritual.
Se o amor se define como a atração recíproca de uma homem por uma mulher, ou vice-versa, ou até mesmo entre parceiros do mesmo sexo, ele é rigorosamente pessoal e será necessariamente tanto carnal quanto espiritual.
Desta forma, seu amor desembocará inevitavelmente no terreno da sexualidade, onde os parceiros encontrar-se-ão não necessariamente para procriarem, mas para se amarem.
O filósofo Ernesto Sábato afirma que - "o amor entre almas corporificadas é a suprema tentativa de comunhão, e realiza-se mediante a carne, e que, se graças ao amor sabemos quanto de espiritual tem a carne, também é graças a ele que sabemos quanto de carne tem o espírito."
Por esta razão não se pode enquadrar numa categoria o amor espiritual entre parceiros, feito de afeto, carinho, afinidade e companheirismo e noutra categoria, diversa, o amor sexual: - ambos são faces da mesma moeda.
Encerramos este pequeno ensaio com um suave soneto de Hermes Fontes, que contrapõe à imperfeição e fragilidade humanas à sublime perfeição do mais nobre dos sentimentos:

Tanto esforço perdido em ser perfeito!
Em ser supremo, tanto esforço vão!
Sonho enfermo; acordo e junto ao leito,
a mesma inércia, a mesma escuridão.

Vejo, através das sombras, um defeito
Em cada coisa, e as coisas todas são,
para meus olhos rútilos de eleito,
prodígios de impureza e imperfeição.

Fico-me, noite a dentro, insone e mudo,
pensando em ti, que dormes esquecida
do teu amargurado sonhador...

Ah! Mas, se ao menos imperfeito é tudo,
salve-se ás mil imperfeições da vida,
a humilde perfeição do meu amor.


Bibliografia

Centenas de fontes foram compiladas para a elaboração deste ensaio. Listamos as mais importantes:

1) A Bíblia de Jerusalém ? Ed. Paulinas, 1980
2) A Bíblia Hebraica ? Ed. Sefer ? 1998
3) Antologia Nacional ? F. Barreto ? Liv. Francisco Alves - 1965
4) A Cabala ? Samuel Gabirol ? Ed. Record ? 1991
5) As origens da cabala ? Eliphas Levy ? Ed.Pensamento ? 1989
6) As leis morais ? R. Calligaris ? Fed. Espírita Brasileira ? 1967
7) Centaurus ? vol. 1, n° 2 ? 1998
8) Criação ? Gore Vidal ? Ed. Nova Fronteira ? 1981
9) Dicionário Enciclopédico SAV ? Ed. Formação Cultural
10) Enciclopédia Barsa
11) Ensaios e reflexões ? G. Zarsecka ? Ed. da autora - 1989
12) E por falar em amor ? Marina Colassanti ? Círculo do Livro ? 1980
13) Eu e Tu ? Martin Buber ? Cortez e Moraes Ed. ? 1977
14) Fisiologia Sensorial ? vários autores ? USP ? 1980
15) História da prostituição, uma interpretação ? L. Basserman ? Ed. Civ. Brasileira ? 1968
16) Kama Sutra ? Vatsyaayana ? Ed. Skorpios ? 1965
17) O livro dos símbolos ? R. Koch ? Ed. Renes - 1988
18) Orgia Latina ? F. Champsaur ? Ed. Lisboa ? 1911
19) Prazer, uma abordagem criativa da vida ? A. Iowen ? Círculo do Livro - 1990
20) Sciência e Religião na philosophia contemporânea ? Ed. Garnier ? 1924
21) 265 histórias divertidas sobre sexo ? suplemento da revista Nova n° 188
22) Wikipédia e diversos sites na internet