1. INTRODUÇÃO;

 

O Serviço Público tanto pode ser centralizado, realizado pela Administração Pública Direta, quanto pode ser descentralizado. Neste caso, abrange dois tipos de relação: outorga, por intermédio da Administração Pública Indireta; delegação, destinada ao particular, que pode optar por três vieses, segundo a doutrina majoritária: ato (autorização), ato ou contrato (permissão) e concessão (contrato). No caso em análise, a administração pública delega, disposto em lei (art. 175 da Constituição Federal de 1988), ao particular, a concessão de serviço público por intermédio de um contrato. Com base no exposto, o presente artigo visa analisar a possibilidade de o fornecedor (art. 3° da Lei 8078/90) interromper o fornecimento dos serviços públicos por ausência de pagamento do usuário (art. 2° da Lei 8078/90) desses serviços.

 

2. DESENVOLVIMENTO;

 

Nos contratos de concessão de Serviço Público, a delegação do serviço é precedida, em regra, por licitação (art. 14 da lei nº 8987/95), devendo-se, pois, seguir os pressupostos estabelecidos no edital. Com a concessão, o particular assume o risco de exploração da obra e serviço por prazo determinado. A polêmica, no caso em tela, é a possibilidade de interromper - se os serviços de água e luz, serviços públicos essenciais (analogia com o art. 10, I da lei nº 7783/89).

            Em relação à interrupção dos serviços públicos de abastecimento de água, há autorização legislativa (art. 40, V da Lei 11445/07), necessitando-se de prévio aviso ao usuário, não inferior a 30 (trinta) dias da data prevista para a suspensão. No caso de serviço de energia elétrica, para consumidor que preste serviço público, a partir de 15 (quinze) dias (art.17 da lei 9427/96). Ademais, continuidade do serviço público significa que o serviço não pode ser paralisado em relação à coletividade, à sociedade. No entanto, se os consumidores não pagam e, ainda assim, o serviço individual for mantido, a continuidade geral (art.6º, § 3 da lei 8987/95), neste caso, estará ameaçada.

             A despeito disso, o Superior Tribunal de Justiça, em quatro situações, posiciona-se no sentido de não admitir a interrupção do serviço público: afetar - se entidades públicas, prestadoras de serviços essenciais; dívidas pretéritas; fraude no medidor apurada de forma unilateral pela concessionária; violação da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, seguem os julgados:

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CORTE. INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7⁄STJ.(...). 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou a orientação de que é ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando: a) a inadimplência do consumidor decorrer de débitos pretéritos; b) o débito originar-se de suposta fraude no medidor de consumo de energia, apurada unilateralmente pela concessionária; e c) inexistente aviso prévio ao consumidor inadimplente. Sobre o tema, confira-se o REsp 1.285.426⁄SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13⁄12⁄2011(...) (AgRg no AREsp 211.514⁄SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 5⁄11⁄2012).

SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE MEDIDA LIMINAR. CORTE DO FORNECIMENTO DE ÁGUA A ÓRGÃOS DE PREFEITURA MUNICIPAL, POR FALTA DE PAGAMENTO. Mesmo quando o consumidor é órgão público, o corte do fornecimento de água está autorizado por lei sempre que resultar da falta injustificada de pagamento, e desde que não afete a prestação de serviços públicos essenciais, v.g., hospitais, postos de saúde, creches, escolas; caso em que só os órgãos burocráticos foram afetados pela medida. Agravo regimental provido. (AgRg na SS 1.764/PB, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 27/11/2008, DJe 16/03/2009).

Sendo assim, o corte do fornecimento de serviços público essenciais deve respeitar tanto a razoabilidade quanto a proporcionalidade. Em relação aos débitos pretéritos, as dívidas são pessoais e intransferíveis. No caso da suposta fraude do medidor, houve violação ao mínimo existencial, por cortar unilateralmente (relação de consumo) o fornecimento do serviço. Já ,quando o consumidor é órgão público, pode-se interromper o fornecimento, mas não de forma indiscriminada. Quanto aos prazos, o aviso prévio, por lei, é a partir de 30 dias (água) e 15 dias (energia elétrica) questionados, sobretudo, com projetos de lei para dilatá-los a 60 dias ou mais (PL495/2011 – 60 dias; PL 5388/2009 – 120 dias).

3. CONCLUSÃO;

Diante do exposto, percebe-se uma corrente minoritária no empenho dos Tribunais e do Congresso Nacional para regulamentar a matéria, com intuito de minimizarem-se abusos e evitarem-se conflitos. Numa espécie de profilaxia, de um lado, juntam-se esforços para apaziguar a ânsia de litigar dos particulares; de outro, enquadrar os serviços públicos de água e energia como atividades essenciais. Por conseguinte, permanece uma “brecha” normativa, variável, a depender do tribunal, quanto à essenciabilidade desses serviços, gerando insegurança jurídica, haja vista os serviços essenciais decorrerem de uma prestação (art. 22 da lei 8078/96), portanto, arrecadados mediante tarifas.

 Ademais, há outro entrave no processo de prestação de serviço, como licitar, condição prévia da concessão, quando apenas uma empresa, em regra, atua nesse seara? Assim, percebe-se uma necessidade de melhores técnicas para as concessões, que ensejem mais segurança quanto à responsabilidade (art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988) das prestadoras e dos entes públicos. Sendo assim, a interrupção dos serviços públicos deve ponderar a dignidade humana com continuidade dos serviços públicos.

4. REFERÊNCIAS;

 

DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. . 1ª Turma Cível.  Agravo de Instrumento 20130020110932AGI. Acórdão nº 689.967. Agravante: CAESB Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal. Agravado: Academia Barros de Melo LTDA. Relator: Desembargador Flavio Rostirola. Brasília (DF), 3 de julho de 2013.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. 3ª Vara Cível – Marília. Apelação com Revisão nº 0011620-64.2011.8.26.0344. Apelante: Ana Cláudia Moraes De Souza. Apelado: Departamento de Água e Esgoto de Marília – DAEM. Relator: Mendes Gomes. São Paulo, 30 de julho de 2012.

 

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 495/2011. Proíbe a interrupção da prestação dos serviços públicos de energia elétrica e de água e esgoto por atraso de até sessenta dias no pagamento das faturas, e dá outras providências. Disponível em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C30FB57735593A9812E75DB109D07F04.node1?codteor=843206&filename=PL+495/2011. Acessado em 16/12/2013.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5388/2009. Altera a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, para determinar o aviso prévio de cento e vinte dias imprescindível à interrupção dos serviços de telefonia, fornecimento de água e de energia elétrica por inadimplemento do usuário, e para proibir expressamente a interrupção dos mesmos serviços quando oferecidos a consumidor que preste serviço público ou essencial à população. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=663432&filename=PL+5388/2009. Acessado em 16/12/2013.