SERVIÇO PÚBLICO E GESTÃO HUMANIZADA

EVANHA MARIA RIBEIRO DA SILVA MESQUITA*

 

 

 

 

 

 

RESUMO

Este estudo pretende discutir a importância do desenvolvimento de pessoas no setor público, no sentido pleno como condição de transformação de um modelo de gestão organizacional tradicional e burocrático. Além disso, será destacado a importância de se buscar um modelo de gestão de pessoas que predomine na sua essência a valorização humana e social como um dos grandes desafios do setor público

Palavras-chave: Humanização; Gestão Pública; Serviço Público.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

Diante das diversas mudanças nos cenários sociais, econômicos, políticos e tecnológicos, as organizações se deparam com a exigência de um alto padrão de competitividade que se estende em nível global.

No caso do setor público, o desafio para enfrentar o contexto de mudanças está  no processo de reforma do aparelho do Estado, no sentido de que esse processo de transformação e consequente modernização, impõe à esfera estatal a necessidade de rever seus papéis, funções e, especialmente, mecanismos de gestão. É cada vez mais consensual no Brasil assim como em outros países, a preocupação com o princípio da participação na gestão pública, onde adotam-se novos métodos de atuação voltados para a cultura do diálogo, de favorecer o trabalho da sociedade sobre ela mesma. Para Perez (2004.p.221) “a administração assume hoje a função de harmonizar o comportamento dos atores sociais procurando ser a mais transparente, distanciando-se dos modelos burocráticos puramente gerenciais e neoliberais.”

Os pressupostos do novo modelo organizacional para o setor público refletem a ênfase na gestão de seus recursos humanos e na adoção de estilos mais democráticos e participativos que desenvolvam as competências, bem como satisfaçam as necessidades do público externo e do servidor público.

Dessa maneira, o novo estilo de gestão decorre da necessidade de rediscutir o papel e as formas de funcionamento do Estado, com intuito ao atendimento das demandas atuais através da implantação de programas voltados para o aumento da eficiência e melhoria da qualidade dos serviços prestados (FERREIRA, 1996). A reforma do aparelho do Estado passa a ser, portanto, orientada pelos valores de uma cultura gerencial e propulsora da nova Administração Pública Gerencial.

Com isso, o propósito deste estudo é identificar, de forma mais específica, quais os impactos da gestão humanizada na satisfação dos funcionários públicos e, conseqüentemente, no desenvolvimento do potencial humano e profissional.

 

 

 

 

 

 

SERVIÇO PÚBLICO E GESTÃO HUMANIZADA

Vários autores apontam importância do desenvolvimento humano nas organizações a fim de promover relações mais saudáveis, ricas e comprometidas, colaborando para o crescimento e sustentabilidade das organizações em face ao mercado globalizado e de rápidas mudanças. Isto ocorre, pois é através do desenvolvimento e valorização das pessoas que a organização propiciará oportunidades de transformação pessoal para que as mesmas tornem-se agentes de inovação e multiplicadores da transformação e excelência organizacional e social (LIMA, 2007). As organizações públicas, com suas devidas peculiaridades, também precisam seguir estas estratégias para cumprirem com seu papel social.

Nesse contexto faz-se necessário caracterizar o perfil do serviço público em que se pretende desenvolver tal gestão democrática. O senso comum tem noção de serviço público como sendo toda atividade desenvolvida pelo Estado em prol da coletividade ou, autorizada por este para que um particular preste o serviço em nome do Estado, representando assim o próprio Estado. Serviço público é toda atividade cujo desempenho deve ser regulado, assegurado e controlado pelos governantes, porque o desempenho dessa atividade é indispensável à realização e ao desenvolvimento da interdependência social, que é de tal natureza que não pode ser assegurada completamente senão mediante a intervenção da força governante. (AGUILLAR, 1999, p. 119). Diante do exposto, constata-se  o entendimento de que atividades ou serviços são considerados públicos se atenderem aos interesses da coletividade, ou seja, eles precisam ser direcionados, de forma geral, para todos. Imprescindível, também, que o desenvolvimento dessa atividade ou serviço seja regulado pelo Estado, isto é, mesmo que a máquina estatal não preste diretamente o serviço, esse só será público quando for por ele regulado.

Observa-se que em todo o mundo, as atribuições do serviço público estão passando por transformações. As tendências que prevaleceram nos anos 80, buscando diminuir o papel do governo em algumas áreas importantes têm contrariamente ao previsto, aumentado a significância crítica do papel do Estado em outras. Isto é especialmente evidente quando se considera as atividades estratégicas, condutoras e reguladoras do Estado, das quais a liberdade política, democracia, justiça social e prosperidade econômica largamente dependem. Tais tarefas devem ser exercidas tanto em nível nacional quanto internacional ou intergovernamental.

Assim, as operações da administração pública devem concentrar seus esforços no sentido de aumentar seu custo-efetividade e transparência. As mudanças devem ajuda-la a funcionar melhor, ao menor custo possível, promovendo um gerenciamento público transparente e profissional, em benefício do cidadão.

Nesse processo de modernização, a busca pela qualidade na prestação do serviço ao público tornou-se um imperativo em face da nova postura adotada pela administração pública, onde o foco direciona-se para o usuário, seu fim e razão de existir, a ele dispensando um atendimento de excelência, que coloque os serviços, rotinas, normas e condutas a seu serviço, de forma transparente, participativa e indutora do controle social.

A organização pública deve seguir então a estratégia do usuário, ou seja, deve priorizar de forma total o usuário-cidadão. Assim, os administradores públicos, como conseqüência, terão de acatar padrões de desempenho que os usuários exigem, principalmente os relativos à transparência e controle.

Os gestores necessitarão então, obter novas competências que dêem prioridade ao diálogo, por meio da construção de sistemas de comunicação, além de se conscientizarem que é preciso aceitar o compartilhamento em sua administração.

Para que as instituições públicas cumpram com sucesso sua identidade social, precisam cada vez mais de funcionários qualificados e com motivação para bem servir. É justificável, então, a execução de uma gestão voltada para as pessoas que desenvolvam as competências, tais como conhecimentos efetivos, habilidades, atitudes de bom senso e direção coerente com os princípios.

Ao analisar a cultura organizacional, orientada e voltada para pessoas, Handy (1994 apud Pantoja, 2005) entende que o treinamento pode influenciá-la “esta cultura é excelente onde o recurso crucial da organização é o talento, ou a habilidade do indivíduo.” O que reforça a importância do envolvimento da pessoa na organização, além da preocupação com o atendimento às necessidades pessoais. Quando os indivíduos estão motivados, se sentem úteis, a produtividade cresce de maneira impressionante. Raramente ocorrem pressões por parte da liderança, pois há uma empatia com a organização, como suas necessidades pessoais são supridas, sentem um desejo espontâneo de contribuir para o crescimento da empresa. O fato de desempenharem funções vinculadas às suas habilidades e preferências faz com que os profissionais se sintam respaldados e livres para cederem seus talentos em prol do crescimento organizacional.

Na concepção de Sovienski, “um fator que ajuda a desenvolver um ambiente mais agradável na instituição é refletir os aspectos estruturais, operacionais e comportamentais que envolvam o gerenciamento de pessoas, isto é compreender a instituição e as pessoas. Outro fator que contribui é instrumentalizar as pessoas para que viabilizem a tomada de decisão mais assertiva, através do desenvolvimento de outras práticas, tais como os valores humanos, moral, ético e a própria solidariedade“. Desse modo pode-se observar que um dos pilares que sustentam a gestão pública de excelência é o envolvimento de todos os servidores na busca do alto desempenho da organização, por meio de estímulo à colaboração e ao compromisso de atingir os seus objetivos. Afinal, o bom clima organizacional tem forte influência sobre os resultados institucionais, isto é, sobre o desempenho da organização, uma vez que está diretamente relacionado com o comprometimento profissional de seus colaboradores, no caso, os servidores públicos. As práticas de gestão de pessoas devem, portanto, garantir um ambiente de trabalho seguro, saudável e propício ao desenvolvimento, ao bem estar, à motivação e à satisfação dos servidores.

Desta perspectiva, vem a necessidade de um novo estilo de administrador com a atenção voltada para as pessoas definidas, dentro de uma administração como integrantes de gestão humanizada. Esta é tida como um significativo apoio para mudanças e inovação nas relações que abrangem trabalho e pessoas. Desse modo nasce a compreensão de que a vida de uma entidade pública é, sem dúvida, a pessoa que trabalha em prol da eficiência.

Segundo COSTA (2002: 21), a humanização no ambiente de trabalho apresenta as relações interpessoais como um dos elementos que contribuem para a formação do relacionamento real na organização: “É mister observar a operação real da organização, aqui incluídas as relações interpessoais, que constituem a sua seiva vital. Os elementos formais (estrutura administrativa) e informais (relacionamento humano, que emerge das experiências do dia-a-dia) integram-se para produzir o padrão real de relacionamento humano na organização: como o trabalho é verdadeiramente executado e quais as regras comportamentais implícitas que governam os contatos entre as pessoas – esta é a estrutura de contatos e comunicações humanas a partir da qual os problemas de política de pessoal e de tomada de decisões podem ser compreendidos e tratados pelos administradores”

Por ‘humanização’ entende-se menos a retomada ou revalorização da imagem idealizada do Homem e mais a incitação a um processo de produção de novos territórios existenciais (Benevides & Passos, 2005a).  Tal afirmação implica que no conceito de ‘humanização’ há uma tomada de posição de que o homem para o qual as ações governamentais são construídas deve ser o homem comum, o homem concreto. Deste modo, o humano é retirado de uma posição-padrão, abstrata e distante das realidades concretas e é tomado em sua singularidade e complexidade. O conceito apresenta na sua gênese, portanto, a fundação de uma concepção de ‘humanização’ crítica à tradicional definição do humano como “bondoso, humanitário” (Dicionário Aurélio). ‘Humanização’, assim, em sua gênese, indica potencialização da capacidade humana de ser autônomo em conexão com o plano coletivo que lhe é adjacente.

A humanização apresenta-se, pois, como um movimento crescente, onde assume diferentes sentidos, de acordo com a proposta de intervenção eleita. Num primeiro momento aparece como a busca de um ideal, surgindo em diferentes frentes de atividades e com significados variados, segundo os seus proponentes, tem representado uma síntese de aspirações genéricas por uma perfeição moral das ações e relações entre sujeitos humanos envolvidos. Cada um desses aspectos classifica um conjunto de questões práticas, teóricas, comportamentais e afetivas gerando uma resultante humanizadora.

Na proposta de humanização, segundo a concepção de Puccini, cresce uma valorização das interrelações humanas, como uma trincheira de resistência contra o avassalador convencimento da superioridade moral do mercado, e eleva-se a um valor superlativo a busca da dignidade humana. Por outro lado, seu desenvolvimento fragmentado, segundo diferentes experiências, e o fato de cada um de seus singulares realizadores tentar explicar as dificuldades do mundo com um horizonte de análise reduzido têm colocado as razões e motivações de tal movimento humanizador em caminhos diferentes e até mesmo conflituosos.

Inserindo esse aspecto da humanização no contexto das organizações públicas, o que se busca é fazer com que tais instituições passem a considerar o homem, também aqui definido cidadão, como parte interessada e essencial ao sucesso da gestão pública e, em função disso, que a avaliação do desempenho institucional seja considerada aceitável se incluir a satisfação do cidadão como item de verificação. (AMBONI, 2002, p. 150).

O processo de implantação do modelo humanizado no setor público, requer o desenvolvimento de múltiplas competências do perfil do funcionalismo, que caracteriza a parte principal de uma instituição que presta serviços. Perfil este que é dinâmico na transformação do servidor em um agente de mudanças para ampliar a arte de atender pessoas, numa mobilização para compor a força para a qualidade dos serviços públicos. Este reposicionamento reflete-se em novas formas de pensar e agir em busca do desenvolvimento de uma nova relação de trabalho. Esta deverá ser baseada na confiança, no respeito e no compartilhamento das decisões, construídos no tempo e no espaço, a fim de todos trabalharem comprometidos e satisfeitos (FERREIRA, 2001, p.155).

Alguns aspectos são considerados básicos para um bom ambiente de trabalho e devem ser fomentados pela gestão de pessoas e desenvolvidas por todos na instituição, segundo Sovienski pode-se citar tais aspectos como sendo: Admitir uma filosofia social de inspiração humanística – “o ser humano é o sujeito, fundamento e fim da vida social”; Reconhecer o potencial humano como o recurso estratégico mais importante para o desenvolvimento e sucesso institucional; Envolver e comprometer todos os servidores no trabalho de melhoria do serviço público, com ênfase na participação dos mesmos no processo de gestão; Reconhecer que é necessário capacitar e profissionalizar o servidor para que desenvolva e utilize seu pleno potencial de modo coerente e convergente com os objetivos estratégicos da instituição; Manter todos os esforços para criar e manter uma cultura organizacional que conduza à excelência do desempenho a ao crescimento individual e institucional; Reconhecer os elementos da sociedade: os cidadãos, considerados individualmente ou em suas entidades associativas, e as instituições de direito público e privado como clientes naturais da instituição; Centrar o foco das atividades das instituições nos cliente, conhecendo-os, relacionando-se com eles, medindo-lhes o nível de satisfação e induzidos ao controle social.

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Diante dessas considerações, podemos perceber então que atualmente há a necessidade de uma gestão que coloque o ser humano e seu desenvolvimento como início, meio e fim dos objetivos e práticas organizacionais, especialmente no setor público, como condição para relações mais humanas, dignas e éticas no ambiente de trabalho. Pois, favorecendo o desenvolvimento de um perfil humano condizente com os padrões do paradigma imergente, estará colaborando para construir as bases para uma organização inteligente e inovadora.

Cabe então às organizações proporcionarem ações e programas de desenvolvimento e aprendizagem voltados para despertar nos funcionários suas capacidades de pensar, sentir e agir com autonomia, criticidade, responsabilidade e ética. Além disso, à medida que os dirigentes e gestores das organizações colocam em foco a dimensão humana, ampliando sua visão sobre significados e comportamentos humanos, tais organizações poderão alcançar melhor eficiência e eficácia no desempenho grupal e, consequentemente, a excelência organizacional, humana e social.

Observa-se ainda que alguns aspectos merecem destaque nessa nova administração pública voltada para a dimensão humana: a qualidade do serviço é medida pela satisfação do cidadão-usuário; os recursos de uma organização devem ser dirigidos por uma ação inovadora, capaz de encontrar soluções que viabilizem a melhoria no serviço público. E, finalmente, o atendimento ao cidadão deve perseguir sempre um diferencial de qualidade, adotando uma cultura de prestação de serviços em um conjunto de estratégias para mudanças, associadas ao poder de escolha dos cidadãos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

AGUILLAR, Fernando Herren. Controle Social de Serviços Públicos.  São Paulo: Max Limonad, 1999.

BENEVIDES, R.; PASSOS, E. A humanização como dimensão publica das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.10.n.3 2005a. p.561-571.

COSTA, W. S. da. Resgate da humanização no ambiente de trabalho. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo: PPGA/FEA/USP, v. 09, n. 2, p. 13-23, abr./jun. 2002.

FERREIRA, Caio Márcio Marini. Crise e reforma do Estado: uma questão de cidadania e valorização do servidor. Revista do Serviço Público. ENAP. Brasília. Ano 47, n. 3. Set-dez 1996

FERREIRA, Sônia Maria Moraes. Liderança no século XXI. Revista do Programa Gestão Participativa. Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público - ISP. Salvador, v. 1, n. 1, set/dez. 2001.

LIMA, Maria Lucileide Mota. Ser aprendiz de si mesmo: reflexões sobre o processo do autoconhecimento para o desenvolvimento humano nas organizações. Salvador: Quarteto. 2007.

PANTOJA, M. J. et al.Valores, suporte psicossocial e impacto do treinamento no trabalho. Estud. Psicol. Natal, v. 10, n. 2, May/Aug 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2005000200013&lng=&nrm=iso&tlng=>. Acesso em: 21 maio 2008.

SOVIENSKI, Fernanda. Recursos Humanos x Gestão de Pessoas.

PUCCINI P.T; CECÍLIO, L.C.O. A humanização dos serviços e o direito à saúde, Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.2, n.5,p.1342-1352, set-out,2004.