SERVIÇO DE APOIO AO DESEMPENHO ESCOLAR

                                                                                            Sônia A. Bottini

                                                                                           Luciana B. F. Skowronek         

      

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo entender a causa do baixo desempenho escolar a partir da queixa apresentada pela escola e pais, e intervir junto aos alunos família e escola.  Participaram deste trabalho 25 alunos, do 3º ano do Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio, os quais foram avaliados através de questionário elaborado e adaptado para o mesmo, respondido pelos professores, anamnese com os pais, Escala Wechsler (WISC III), HTP, TDE e RAVEN.

 A análise dos resultados indica que as alterações emocionais interferem no desempenho escolar. Estes resultados poderão contribuir para implantação de um serviço de apoio ao desempenho escolar nas escolas do SESI.

Palavras chave: Desempenho escolar, aluno, professor e alterações emocionais.

INTRODUÇÃO

A educação formal do mundo moderno tem importante valor sociocultural. O bom desempenho escolar é indicativo de futuro sucesso social.

Desde o inicio do século, já havia a preocupação em se entender porque certas crianças tinham dificuldade em aprender. Nos últimos anos, o acesso à escola tornou-se universal e, consequentemente, as queixas de mau desempenho escolar e dificuldade em aprender aumentaram nos consultórios médicos.

Vários estudos mostram que em torno de 15 a 20% das crianças no inicio da escolarização apresentam dificuldade em aprender e, logo, mau desempenho escolar. Estas estimativas podem chegar a 30-50% se forem analisados os primeiros seis anos de escolaridade. (Revista Rev. Ass. Méd. Brás, 2011; pg. 57)

  No Brasil tem sido um grande desafio promover uma educação com qualidade, tendo em vista os problemas políticos, econômicos e sociais.

 Estudos desenvolvidos nesta área têm revelado que a crise relacionada à educação brasileira é marcada pelas desigualdades sócio-econômicas, utilização de metodologias de ensino inadequadas ao contexto, desvalorização dos educadores, falta de investimento/desenvolvimento de tecnologias adequadas à formação de profissionais, etc. (Campos, 1998; Dott, 1995; Novaes, 2000; Patto, 1991; Wernick, 2001; Freller, 1999; Hickel, 1995; Gouvêa, 1991).

O baixo desempenho escolar aparece hoje entre os problemas de nosso sistema educacional mais estudado e discutido. O que ocorre muitas vezes é a busca pelo culpado, mas se a aprendizagem acontece em um vínculo, se ela é um processo que ocorre entre subjetividades, entendemos que há uma questão mais abrangente que desencadearia tal resultado. Desta forma, devemos nos unir em prol de melhorias na aprendizagem escolar. A formação dos educadores, a participação das famílias e a tomada de consciência da sociedade são fatores indispensáveis para reverter este quadro.

Educadores atribuem o mau desempenho do aluno, seu insucesso escolar pela dificuldade de aprender e reter conteúdos. A dificuldade de aprendizagem, portanto, se constitui como um dos principais agravantes pelo baixo desempenho escolar do aluno.

Historicamente, Lefèvre (1975) introduziu o termo distúrbio de aprendizagem no Brasil como sendo “síndrome que se refere à criança de inteligência próxima à média, média ou superior à média, com problemas de aprendizagem e / ou certos distúrbios do comportamento de grau leve a severo, associados a discretos desvios de funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC), que podem ser caracterizados por várias combinações de déficit na percepção, conceituação, linguagem, memória, atenção e na função motora”.

Os termos dificuldades, transtornos, distúrbios ou problemas de aprendizado vêm sendo usados de maneira aleatória nos vários estudos realizados na área. Porém, de acordo com o DSM – IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental), há distinção entre eles:

Transtornos de Aprendizagem são diagnosticados quando os resultados do indivíduo em testes padronizados e individualmente administrados de leitura X matemática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarização e nível de inteligência... (DSM-IV, pg. 44)

Dificuldade de Aprendizagem é uma conceituação heterogênea em que o aluno apresenta baixo rendimento escolar, em qualquer etapa da vida, por falta de interesse, perturbação emocional, inadequação metodológica ou mudança no padrão de exigência da escola, podendo gerar alterações comportamentais ou psíquicas.

Novaes (2000) refere que os problemas de aprendizagem e / ou distúrbios de aprendizagem devem ser entendidos sob um enfoque múltiplo considerando os fatores de ordem psicológica, os quais envolvem níveis maturacionais, habilidade intelectiva, condições psíquicas e ajustamento biológico onde se enquadram as deficiências físicas, distúrbios somáticos, endócrinos e neurológicos, pedagógicos, referente à inoperância metodológica curricular e precariedade do ensino, e por último, social que envolve os contextos familiar, escolar, econômico e cultural.

Fazer a distinção entre Transtornos e Dificuldades de Aprendizagem exige uma troca de informações na busca da compreensão do problema e as condições em que ele ocorre identificando as causas e efeitos bem como buscando soluções.

Para uma intervenção eficaz é necessária uma avaliação intensiva de profissionais especializados, como fonoaudióloga e psicóloga atuando em conjunto com a Equipe Escolar. A participação da assistente social mostra-se primordial já que o desempenho escolar está diretamente relacionado à dinâmica do contexto familiar do aluno.

METODOLOGIA

As atividades foram desenvolvidas por uma equipe interdisciplinar composta por Assistentes Sociais, Psicólogas e Fonoaudiólogas . 

Os docentes e os coordenadores pedagógicos selecionavam os alunos para participarem da avaliação. Após esta etapa, eles encaminhavam aos pais e / ou responsáveis pelos alunos o comunicado sobre a proposta e objetivo desta. Este comunicado visava obter autorização dos pais para a participação dos alunos. No terceiro momento, o docente respondia um questionário elaborado e desenvolvido pela equipe, para ter conhecimento dos fatores observados,  que pudessem interferir no desempenho escolar do aluno.

Segue abaixo um roteiro das atividades desenvolvidas:

-A Assistente Social agendava a entrevista com os pais ou responsáveis, para esclarecer sobre as avaliações, recolher a autorização para o aluno participar do processo e coletar dados referentes à dinâmica familiar e à situações sócio econômica e cultural.

Após este contato iniciava o processo de avaliação psicológica:

-Era realizada Anamnese com os pais com o objetivo de levantar informações sobre os aspectos do desenvolvimento da criança, os antecedentes pessoais, comportamentais, afetivos e familiares, dados sobre a percepção da família frente à queixa escolar.

- Rapport para estabelecer um vínculo positivo com o aluno através de técnica projetiva, HTP (House – Tree – Person), cujo objetivo é estimular a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflito dentro da situação terapêutica, permitindo que eles sejam identificados.

-Escala de Inteligência. WISC-III - Escala de Inteligência Wechsler  para Crianças para avaliar o aluno, identificando o nível de inteligência e aspectos cognitivos.

 -Teste de Matrizes Progressivas Coloridas (RAVEN) para avaliar o processo intelectual através de uma escala não verbal.   

- Teste de Desempenho Escolar (TDE) o qual avalia a capacidade fundamental do desempenho escolar do aluno, especificamente da escrita aritmética e leitura.

O aluno era encaminhado para avaliação fonoaudiológica quando necessário.

 RESULTADOS

A semiologia psicológica de aprendizagem normal baseia-se na premissa de que o desenvolvimento psicológico se constrói, a partir da interação de fatores genéticos, biológicos, orgânicos e ambientais.

Para dar inicio ao processo de avaliação psicológica com o objetivo de compreender os múltiplos e complexos fatores que influenciam no funcionamento emocional e cognitivo da criança, bem como na aprendizagem, foram realizadas 4 sessões. Os procedimentos utilizados foram os seguintes:

1ª sessão - Anamnese com os pais para levantar informações sobre os aspectos do desenvolvimento da criança, os antecedentes pessoais, comportamentais, afetivos e familiares, dados sobre a percepção da família frente à queixa escolar.

2ª sessão - O contato com a criança (rapport) foi estabelecido através de técnica projetiva (HTP) que possibilita entrar em contato com a sua maturação psíquica, emocional e intelectual, que envolve também o seu meio social e cultural, através de uma linguagem lúdica.

3ª e 4ª sessões – Aplicação da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças –(WISC-III).

Análise dos dados:

A partir da anamnese, e dos resultados do WISC, HTP e RAVEN realizamos uma análise qualitativa dos resultados no pré e pós-testes, baseada na classificação dos testes. Para avaliar se foi significativa a diferença entre QIV (QI verbal) e QIE (QI de execução) no WISC III, deve ser considerada uma série de fatores, para o diagnóstico de Distúrbio de Aprendizagem.  A interpretação dessa diferença “inclui a presença de problemas ao nível de linguagem, audição, motricidade, motivação para realização e diferenças lingüísticas ou culturais. Assim, apesar da discrepância QIV-QIE poder ser utilizada para formular hipóteses, a sua presença ou ausência não deve ser encarada de forma conclusiva e sim, investigativa”. (Hynd, Cohen, Riccio & Arceneaux ,1998).

Resultados da Avaliação da Escala Wechsler (WISC III)

 

QI Total

QI Verbal

QI Execução

Abaixo da Média

8

9

7

Média

13

12

15

Acima da Média

4

4

3

 

 

 

 

 

 

QI Total

QI Verbal

QI Execução

Abaixo da Média

32%

36%

28%

Média

52%

48%

60%

Acima da Média

16%

16%

12%

 Tabela de Encaminhamento dos 25 alunos atendidos

 

Neuropsicologia

4

16%

 

Psicopedagogia

5

20%

 

Fonoaudiologia

10

40%

 

Psicoterapia

10

40%

 

Orientação Familiar

9

36%

 

Foi observada, em 20% dos casos, uma discrepância significativa entre o QIV e QIE de mais de 15 pontos, sendo QIV>QIE. Segundo Dalby & Obrutz (1991), os QIE mais baixos podem resultar de déficits ao nível da percepção viso-espacial e/ou rapidez de processamento, o que compromete o desempenho escolar. Encontramos também dificuldade significativa quanto à capacidade de cálculo mental e a compreensão de enunciados verbais de certa complexidade, e a capacidade de raciocínio. É bastante sensível ao déficit de atenção e à falta de controle da impulsividade que esteve presente em torno de 26% dos casos avaliados. Alterações estas que sofrem interferência direta do quadro emocional. Fontaine (1995) assinala que o funcionamento da inteligência e da motivação exige a utilização dos processos cognitivos que são sensíveis a fatores sociais e emocionais. Segundo a mesma autora, a auto percepção influencia a motivação, a escolha de atividades, a quantidade de esforços a ser investida, a tolerância aos obstáculos e a persistência frente às adversidades, promovendo ou não um bom Desempenho Escolar (Fontaine, 2005).

Em 90% dos alunos avaliados, foram observados os seguintes aspectos, do ponto de vista emocional: insegurança, baixa auto-estima, auto controle dos impulsos, retraimento, inibição, auto-conceito negativo e ansiedade. Alguns artigos (Estevão & Almeida, 1999; Urquijo, 2002; Carneiro e cols, 2003; Cunha e cols, 2006; Moraes e Cunha, 2007; Okano e cols 2004), consideram o auto conceito como uma variável multidimensional e multifacetada, ou seja, analisaram a relação entre o desempenho escolar com diferentes formas de auto conceito, considerando suas diferentes dimensões. As primeiras experiências da criança na escola e suas relações sociais influenciarão o seu modo de viver, interferindo na construção do seu auto conceito. Se o fracasso escolar ocorrer e for reforçado pelos colegas, e por uma visão depreciativa do professor, a criança poderá sentir-se frustrada e desencorajada, rebaixando assim seu auto conceito e acentuando ainda mais o seu fracasso escolar.

Com relação à estrutura familiar, observamos em 70% dos casos, uma exigência excessiva quanto ao desempenho escolar, dinâmica familiar conturbada e desorganizada, além de repressão por parte dos pais.

O ambiente familiar, que apresenta práticas de socialização violentas, exposição a modelos adultos agressivos, falta de afeto materno e conflito entre pais, por sua vez estão frequentemente associados a um contexto social adverso, marcado por dificuldade econômica e aspectos psicossociais reincidindo sobre a família, o que compromete o desempenho escolar. (Blauz, Schmidt & Guthen, 1991; Dodge Pettit & Bates, 1994).

CONCLUSÃO

Das avaliações concluídas, pudemos levantar algumas hipóteses acerca deste trabalho. Os pais esperam “soluções mágicas” para as dificuldades dos filhos. De forma geral foram pouco orientados quanto à problemática, não receberam os devidos encaminhamentos, ou quando receberam, relataram não ter procurado auxilio em função de dificuldades financeiras e falta de tempo. Observa-se que os pais valorizam o estudo, mas, na maioria dos casos, não tem disponibilidade para acompanhar efetivamente o desempenho escolar dos filhos e algumas vezes não entendem o conteúdo escolar em função do baixo nível sócio-cultural. Dos alunos com rebaixamento intelectual, aproximadamente 90% tem pais com baixo nível sócio-cultural e econômico. Em 26% dos casos apresentam com HD de Dificuldade de Aprendizagem, com potencial cognitivo. Observamos também uma influência significativa dos aspectos emocionais no desempenho escolar, em torno de 90%. Onde as queixas observadas com frequência relacionam-se à ansiedade, baixa auto-estima, inibição, auto conceito negativo, auto controle dos impulsos, dificuldade de relacionamento com os colegas. Foi observado que em torno de 70% dos casos a dinâmica familiar, apresenta-se conturbada, desorganizada, com uma exigência excessiva em relação ao desempenho escolar, repressão, o que reflete diretamente na criança, comprometendo o processo de aprendizagem.        

CONSIDERAÇÕES FINAIS

                     O período de desenvolvimento intelectual é um período crítico do desenvolvimento das habilidades e conhecimento. A educação na infância tem um papel primordial na integração do individuo na sociedade. Os profissionais de saúde e educação tem que estar habilitados a identificar as crianças de risco para dificuldades em aprender, orientar os familiares e, se necessário, encaminhar para a reabilitação multidisciplinar e buscar um diagnóstico etiológico. Um fator fundamental é a possibilidade de melhora das situações de desvantagem na aprendizagem desde que estratégias oportunas e adequadas sejam executadas precocemente. Tais dificuldades podem ser potencialmente compensadas e, até, superadas. (Mau desempenho escolar: uma visão atual - Cláudia Machado Siqueira, Juliana Giannetti, 2010).

As dificuldades de aprendizagem caracterizam-se por um desempenho acadêmico abaixo do esperado para as condições gerais do aluno sendo consideradas uma síndrome psicossocial que envolve fatores endógenos e exógenos do individuo e que se manifestam, sobretudo, no ambiente escolar (Del Prette & Del Prette , 2003; Feitosa, Matos & Del Prette, 2006; 2007; Marturano, Linhares & Parreira,1993). Efetivamente, há muito existe um relativo consenso de que a origem e/ou a manutenção do baixo desempenho acadêmico ocorre por fatores múltiplos inter-relacionados, tais como: habilidades cognitivas, perceptivas, motoras, lingüísticas, aspectos emocionais, escolares e/ou familiares (Morais, 1992), que são obstáculos para o desempenho bem sucedido no processo de escolarização (Rebelo,1993).

Os dados obtidos nos permitem, ainda, considerar que o papel do professor enquanto identificador dos problemas de aprendizagem foi efetivo, pois os alunos selecionados com baixo desempenho escolar, apresentaram de alguma forma fatores que podem comprometer o processo de aprendizagem. Outro aspecto importante a ser ressaltado é que, quanto mais precoce for a identificação, por parte do professor, das alterações referentes aos atos de ler, escrever e calcular, melhor se estabelecerá sua prática pedagógica, pois questões que permeiam a sala de aula como o fracasso escolar, a repetência, a baixa auto-estima (tanto do professor quanto do aluno) e a evasão escolar podem ser minimizadas, a partir da oportunidade de melhores condições de estabelecimento da relação Desenvolvimento/ Aprendizagem. “Sendo assim, o processo de escolarização que requer uma série de habilidades e competências, que se constituem pré-requisitos para a aprendizagem, se processarão”. (Tonelotto, 2002).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. FEITOSA, Fabio Biasotto (2007). A Identificação de alunos com dificuldade de aprendizagem. Temas Psicologia – Volume 15;

2. MARTURANO, E. M; LINHARES, V. L. C. (1993). Problemas emocionais e comportamentos associados as dificuldades na aprendizagem escolar;

3. Revista da Associação Médica Brasileira (2001). pág. 57;

4. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental (DSM IV). Pág. 44;

5. CIQUEIRA, Claudia Machado; GIANNETTI, Juliana (2010). Mau desempenho escolar: uma visão atual;

6. CRUZ, V. (2005) Problemas de aprendizagem e aspectos da dificuldade de aprendizagem.

7. NOVAES, M. H. (2000). A psicologia e a “crise” na educação. Psicologia escolar e educacional.

8. DEL PRETTE, A. e DEL PRETTE, Z. A. P. (2003). Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem: questões conceituais , avaliação e intervenção.

9. MORAIS, A. M. P. (1992). Distúrbio da aprendizagem: uma abordagem psicopedagógica.

10. REBELO, J. A. S. (1993). Dificuldades da leitura e escrita em alunos do ensino básico.

11. TONELOTTO, J. M. F. (2002). Autopercepção de crianças desatentas no ambiente escolar. Estudos de Psicologia.