"Ser ou não ser? – eis a questão." (William Shakespeare)

Joel Carlos Santana Santos 14/11/2003

Quem, afinal, escolhe o que quer ser? Há pessoas que são; outras que não são. Há aquelas que vêm para um dom; outras a quem o dom não vem. Alguns têm que ser e, em contrapartida, o outrem não tem. Quem tem a obrigação de ser o que não é? Quem tem culpa de ser o que é? Por que se tem que ser como o modelo? Não se pode ser diferente e apenas ser? Uma questão que permeia a mente de gente que sofre e que pratica o preconceito e a discriminação concretiza perfeitamente a angústia e a dúvida humanas: ser ou não ser?

Pais e mães são e querem ver nos seus filhos o reflexo de si mesmos. Tios e tias não são e almejam ver em seus sobrinhos aquilo que desejam que eles sejam. Irmãos querem ser e lutam e insistem e se tornam; e esperam que toda a sua geração seja. É assim: o que a gente é, o vizinho não pode ser porque é inveja. Se o ser é diferente, a gente não pode ser porque é ruim. O que ele é não me serve se não o vejo bem; esse não tem, por isso não é, logo não me convém; visto que aquele faz, é e para conviver comigo não presta.

Há uma fala, que convém agora mencionar, que diz: "Hoje em dia o que vale é o 'ter' e, não, o 'ser'." – as pessoas dizem isso para suscitar a análise de valores que são esquecidos e sobrepostos pelo 'ter' em detrimento do 'ser'. Falam isso na intenção de enfatizar a virtude em vez da posse. Porém as mesmas pessoas que defendem a tese "Virtuosidade sim! Abaixo a ganância!", se contradizem quando vêem alguém que é ou se tornou, e o discriminam com falas, pensamentos e atitudes. Até onde é coerente 'ser' e não querer que os outros sejam ou não ser e achar que quem é merece ser condenado por ser?

A hipocrisia do ser humano é um paradoxo infindável. Onde começa e onde termina nem mesmo o hipócrita sabe. Sentir-se o dono-da-verdade é a arma que pessoas assim usam. Elas se escondem atrás de argumentos cheios de juízos de valor e senso comum. Nada do que falam ou pensam é embasado no científico ou no sensato. Para ele é ser ou não ser (do ponto de vista mais vazio possível). E, se alguém é, logo levantam hipóteses e tiram conclusões; dizem e desdizem; falam e refalam. Indivíduos assim não têm consciência do que são, da importância que têm e difamam o colega, o vizinho, quem conhece; quem não. Para alguém com essa visão tudo deve ser como ele é, tem que ser como ele piamente acha que tudo deve ser. O achismo é sua "virtude" e ser obtuso é seu maior defeito (imperceptível a seu olhos, que cegos pelo senso comum e juízos de valor impregnados, não conseguem ver e só percebem erros no outro. É a alteridade às avessas.). Vê aquilo, conclui isso e condena tudo que não compreende.

Ser, não ser é intrínseco ao ser humano. Porém não lhe é arbítrio. Não lhe cabe decidir nem fazer juízo.

A quem, afinal, cabe o posto de juiz em questões assim? Se não se é, é você (por direito), ela (por dever) ou ele (por ousadia) que vai decidir o que se deve ser ou vice-versa? Estão na natureza humana a insatisfação consigo e com o outro e o senso de "superioridade-intrometida". E são eles a agravante da dúvida 'ser ou não ser' já que escolher não cabe àquele que será e, sim, àquele coexistirá. O que é, muitas vezes não se contenta por ser e se rejeita visto que o preconceito o rodeia e o guia à decisão de não mais querer sê-lo, pois entre o ser e o ter, é melhor abdicar de ambos para não sofrer... nem a discriminação nem o preconceito... e assim mesmo tentar "(co)existir" e tentar SER feliz! E contra isso – pelo menos – espera-se não haver preconceitos.