Sensações

 

Noite passada eu tive um sonho muito vívido.

Estava em um lugar onde nunca estive, mas já vi em fotos ou filmes. Era uma igreja majestosa, lugares assim existem na Europa desde sempre.

Eu permanecia parado olhando o teto, era muito alto, não conhecia escada alguma que pudesse chegar até lá.

Ao meu lado havia um espelho, olhei-o. Não podia ver minha pele, estava totalmente coberta por uma armadura pesada. Usava uma capa com um capuz azul, trazia em minha mão esquerda um escudo enorme e em minha mão direita um martelo tão grande quanto.

Hoje tenho essa imagem tatuada em minha perna, não me admira ter sonhado com esta armadura, pois eu a conheço muito bem. Sou desenhista, mas não precisei transcrever a armadura em um desenho para o tatuador, pois o desenho já existe. É uma ilustração que está em capas de CDs de rock, eu até tenho uma camiseta estampada com ela.

Olhando no espelho era notável que eu parecia maior. Eu sou grande e encorpado, sempre fui, mas eu me via com o dobro do meu tamanho. Provavelmente culpa da armadura, e cara, eu fiquei muito bem nela.

Caminhei solitário em direção ao altar, pude ver que havia alguém ali, porém era uma longa distância.

Quando cheguei vi uma pessoa conhecida, um amigo, ele estava de pé em frente ao altar com um sorriso zombeteiro no rosto. Ele é um pouco maior do que eu, da mesma forma que eu parecia maior ele o parecia também, mas só em altura, o que dava a impressão de ser mais magro do que é. Não saberia descreve-lo pois não sou do tipo que fica reparando em homens, o que não me impede de sonhar com eles. É algo normal, fui criado no interior e minha família está lá, moro sozinho e meus amigos se tornaram próximos.

Ele estava diferente, mas sem dúvida era ele, o rosto e a postura eram os dele. Mais tarde, graças à regata que usava, eu veria sua tatuagem nas costas que eu mesmo fiz há alguns meses.

Não estávamos sozinhos, no lugar da cruz com cristo que é comum nas igrejas, havia uma mulher viva pendurada na cruz, com uma serpente em seus ombros. Percebi na mesma hora o que eu vim fazer ali e ao olhar para meu amigo uma ânsia de matar me envolveu.

Como se lesse meus pensamentos ele ficou sério, estendeu a mão direita à frente do corpo com a palma para baixo e uma sombra se formou no chão, dessa sombra surgiu uma espada negra que voou lentamente ao encontro de sua mão. Era magia, ao olhar para meu martelo vi pequenos raios rondando, magia também.

Parti para cima dele e lhe dei um golpe, ele desviou facilmente e me acertou três vezes com a espada. Não senti nada, nem sequer arranhou minha armadura. Então ele se afastou e disse:

- Isso é injusto, você tem muita proteção e eu estou à mercê de sua arma.

Ele tinha razão, aquela espada nunca chegaria ao meu corpo e mesmo que ele usasse minha armadura, um golpe certeiro do martelo quebraria seu crânio.

- Essa armadura não foi feita em você, deve haver alguma fresta onde uma parte encaixa em outra.

Avancei sobre ele outra vez tentando golpeá-lo sem sucesso. Apesar de ter força suficiente para manejar o martelo, o peso dele e da armadura deixam meus movimentos muito lentos. Ele desviou e não fez nada, ficou me observando enquanto fugia de mim.

Muito mais rápido do que eu esperava ele enfiou a espada numa fresta que ficava abaixo do meu abdômen me acertando em cheio. Puxou a espada agora com o negro banhado em vermelho sangue e falou:

- A menos que cuide deste ferimento logo vai morrer, terá pouco tempo para me vencer antes que perca suas forças. E se não conseguia me acertar antes, imagine agora desesperado.

Aquelas palavras me atingiram mais do que a estocada. Perdi o controle dos meus pensamentos, minha respiração perdeu o ritmo e eu fiquei tonto. Sentindo minha vida se esvair pela ferida eu não conseguia me manter em pé, e pro chão fui. Caí de costas e logo pude ver seu rosto acima do meu. Ele colocou a espada entre o elmo e o peitoral da armadura e pude sentir a ponta da espada em meu pescoço. Uma sensação estranha e um medo tremendo tomaram conta de mim. Deve ser a sensação de estar cara a cara com a morte.

- Mate-me. – Foi a única coisa que eu disse.

- Acha que eu não sei que é você que está aí dentro? – Ele disse – Eu nunca te mataria, mas não posso te deixar chegar até ela. Não se preocupe, temos um curandeiro, ele te deixará novo em folha.

Ele saiu do meu campo de visão e em seu lugar surgiu um velho vestido de verde com uma bolsinha de couro nas mãos, de lá ele tirou uma erva vermelha que me colocou na boca, era horrível e amarga, ele me fez mastigá-la.

Senti meus olhos pesarem e percebi um barulho que me fez acordar. Ouvia o rangido do velho ventilador em minha cara e fiquei um minuto pensando. Foi tudo tão real que só percebi que foi um sonho agora. Nunca tinha me acontecido isso antes, sentir todas as sensações e cheiros dentro de um sonho e lembrar de tudo claramente como se tivesse acontecido realmente.

Sentei na cama e senti uma pontada onde houve uma ferida em outra realidade, olhei para minha barriga nua - é impossível dormir de camisa neste calor - não havia marca alguma. Apesar de ter dormido bastante eu acordei muito cansado.

Ainda não sei o que foi aquilo e talvez aqueles para quem contei estejam certos: foi só um sonho.