Segurança Jurídica e Tributação.

            O Princípio da segurança jurídica como princípio constitucional implícito toma forma concreta de matéria tributária.

A nossa Constituição Federal de 1.988 dá as garantias ao contribuinte em relação a suas obrigações tributárias que estes sejam determinados por lei através de norma conhecida como antecedência.Também redefine as espécies tributárias e garante ao contribuinte direitos, principalmente na seara da irretroatividade e da anterioridade.

Nossa doutrina e nossos Tribunais tem encontrado grandes dificuldades em relação aos principais problemas do Direito Tributário que são a justiça e a segurança tributária.Existe uma nova corrente de entendimento quanto ao direito tributário, outrora limitado à teoria do fato gerador, o que até então o torna um sistema extremamente hermético, com uma corrente legalista, sem visão alargada para novos horizontes de pensamento.

Há que se alargar o campo de estudo do tributo, pois este tem prioritariamente uma função social, quiçá deixada em segundo plano, sem essa importante análise prévia tanto material quanto em seus aspectos formais de ideais de justiça e de segurança da sociedade.Há que aprofundar o estudo dos princípios  da isonomia tributária, da capacidade contributiva e o da solidariedade, este último definitivamente relegado a segundo plano e esquecido, quase intocado em sua análise e efeitos.

            Nossa Carta Constitucional garante a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito e suas garantias tributárias da legalidade estrita, da irretroatividade e da anterioridade, com a conseqüente proteção aos contribuintes na instituição e majoração de tributos.A ciência da interpretação e aplicação das garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, nos dá a certeza do direito pelo conhecimento prévio das normas tributárias impositivas, destacando-se neste campo a anterioridade, certeza do direito e garantia tributária.

Fundamentos da Segurança Jurídica

            Seguro é aquilo que está livre de perigo, livre de risco, protegido.

O Direito surge como ciência que organiza a sociedade, suas complexas relações e dá a certeza para esta que existe segurança jurídica sim.

            Portanto, a segurança é o ramo do direito que define normas e condutas tanto nas relações dos indivíduos como destes com o Estado.

            Diz Souto Maior Borges: “A segurança jurídica pode ser visualizada como um valor transcendente ao ordenamento jurídico, no sentido de que a sua investigação não se confine ao sistema jurídico positivo. Antes, inspira normas que no âmbito do Direito positivo, lhe atribuem efetividade.” Já Carmen Lúcia Antunes Rocha afirma: “Direito e segurança andam juntos, o direito põe-se para dar segurança, pois, para se ter insegurança, direito não é necessário.” A questão da Segurança Jurídica põe-se assim principalmente, em face da sucessão de leis e de atos normativos, regrando diferentemente as mesmas matérias e tocando, pois, as expectativas, a confiança e os direitos já constituídos dos titulares de determinadas posições jurídicas.

A Segurança Jurídica como princípio constitucional implícito.

      A Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 garante a inviolabilidade do direito à segurança – “artigo 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”

Nesse quesito, disserta Ricardo Lobo Torres:

“Os valores se concretizam , se atualizam, e se expressam pelos princípios.”

      Já Paulo Barros de Carvalho, enuncia: “A segurança jurídica é efetivada através da leitura dos demais princípios, pela racionalidade gerada pela leitura conjunta de todos estes.” Portanto, pode-se afirmar que a segurança jurídica é um sobre princípio e não regra, claro que derivando-se assim dos princípios da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, dentre outros menos efetivos. Por ora, cabe então definir e aceitar que o princípio da segurança jurídica, apesar de não caracterizado de modo expresso, se apresenta como princípio constitucional implícito em nosso texto constitucional. Sobre isso, disserta Carlos Ari Sundfeld: “Os princípios implícitos são tão importantes quanto os explícitos; constituem, como estes, verdadeiras normas jurídicas.”

      Historicamente, vivemos sempre um estado de sujeição da sociedade para com o Estado, situação esta que teve uma cisão desencadeada, ainda que leve, com os movimentos  revolucionários liberais que acabaram com a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 26 de agosto de 1..776. Foi um início de quebra do jugo estatal, porém sem conseguir acabar de início com o absolutismo instituído e operante. Fato futuro, apenas quando promulgadas constituições e enunciados direitos fundamentais, é que foi então amadurecendo a supremacia do Direito, através do controle de constitucionalidade, que na Europa Continental só se firmou após a Segunda Guerra Mundial.

      A supremacia do direito é hoje, sem dúvida, supremacia da própria Constituição, ou seja, o princípio da legalidade deu lugar ao princípio maior da constitucionalidade, que embasa assim o pilar do respeito ao Estado de Direito.

      Do artigo 1° da Constituição da República Federativa do Brasil, título l(Dos Princípios fundamentais):

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: l-a soberania; ll-a cidadania; lll-a dignidade da pessoa humana; lV-os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V-o pluralismo político.

Estabelece-se assim o Estado Democrático de Direito, consagrado como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, a fim de proteger a liberdade, de imunizar contra a arbitrariedade e de assegurar o acesso ao Judiciário a todos os cidadãos, de maneira isonômica e igualitária, sem distinções e favorecimentos de quaisquer natureza.

      No art. 150 da Constituição Federal, fica estabelecida a legalidade tributária, a isonomia, a irretroatividade, as anterioridades de exercício e nonagesimal mínima, bem como a  vedação do confisco.A segurança jurídica se concretiza também nos direitos e garantias individuais, assumindo grande relevância em nossa Constituição FederaL, colocando a pessoa humana como centro das preocupações do constituinte, objetivando a organização e normatização de uma sociedade organizada, com respeito e voz no Estado democrático de Direito imperante e efetivo. É possível então vislumbrar a segurança jurídica instituída em lei, com respeito às garantias fundamentais das pessoas enquanto contribuintes.

      A identificação dos conteúdos normativos da segurança jurídica requer seja analisado qual o seu alcance efetivo, quais os bens protegidos e quais os requisitos para sua im- plementação a fim de se atingirem os objetivos a que se destina. Sobre isso, manifesta-se Ricardo lobo Torres: “A segurança se afirma contra o Estado, moldando o status negativus dos direitos, mas também depende do Estado, principalmente da proteção do judiciário, que constitui o status positivus libertatis.”

      Há que se delinear então o foco, que pode estar no ordenamento, nos atos e fatos jurídicos e nas pretensões subjetivas das pessoas, conforme os princípios da segurança jurídica a seguir elencados:

1-      Certeza do direito.

2-      Intangibilidade das posições jurídicas.

3-      Estabilidade das situações jurídicas.

4-      Confiança no tráfego jurídico.

5-      Tutela jurisdicional.

Esse conjunto todo de princípios e garantias constitucionais é que dá suporte ao nosso Judiciário acerca de decisões que façam prevalecer a ordem jurídica e o respeito aos direitos positivados ou que venham a ser declarados como tal pelos nossos Tribunais.

A certeza do direito nos leva a crer que o pleno conhecimento da matéria e suas nuances é que estabelece essa garantia real em sua implementação na prática, sendo indispensável o conhecimento da legislação vigente e seus conteúdos, que tem que ser claras para possibilitar às pessoas o correto entendimento tangente ao assunto, dando a certeza plena do direito vigente.

      A decadência é o instrumento jurídico, com seus prazos tendo que ser respeitados para respeito aos direitos, porém a decadência é instrumento para busca da tutela jurisdicional, que no caso do Direito Tributário pode gerar até extinção do crédito tributário.

      A confiança no tráfego jurídico valoriza a boa-fé e suas práticas, buscando suas convicções e fundamentos nos direitos constitucionais ditos fundamentais, tendo uma tênue divisão entre estabilidade e flexibilidade.

      A tutela jurisdicional ocorre se existem meios jurídicos para dar eficácia às normas jurídicas, com o devido respeito ao direito de acesso ao Judiciário, com a efetividade da tutela, do contraditório e da ampla defesa, assumindo neste campo papel fundamental os instrumentos constitucionais do habeas corpus e do mandado de segurança.

      Em matéria tributária, que pretendemos destacar nosso enfoque, após todo esse preâmbulo, necessário para nortear toda a complexidade do tema, que desperta tantas correntes de entendimento por vezes antagônico num campo vasto e até inexplorado, desde a análise do Fato Gerador e o entendimento de todos os princípios já citados e envolvidos diretamente para tentar tornar menos conflituosa a relação sociedade – cidadão – Estado, conforme nos ensina o emérito professor doutor Paulo de Barros Carvalho:

“Todo princípio atua para implantar valores. Há, contudo, conjuntos de princípios que operam para realizar, além dos respectivos conteúdos axiológicos, princípios de maior hierarquia, aos quais chamaremos de sobre princípios. Se num determinado sistema jurídico tributário houver a coalescência de diretrizes como a da legalidade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da jurisdição, da anterioridade, etc...dele diremos que abriga o sobre princípio da segurança jurídica em matéria tributária.”

      A segurança jurídica como matéria do Direito Tributário apresenta algumas peculiaridades, porém sempre sem perder a sua essência primordial qual é estabelecer uma relação harmoniosa entre o Estado e seu direito de tributar para viabilizar o custeio de suas atividades, como garantir ao contribuinte cidadão a preservação da liberdade e da propriedade, para a promoção de valores importantes para a sociedade e resguardo de direitos sociais explícitos e discussão de outros que por ventura ainda sejam objeto de discussão não concretizada e positivada. É fato que a concretização do princípio da segurança jurídica no Direito Tributário estabelece-se de inúmeras maneiras, principalmente na garantia da intangibilidade de posições jurídicas  quanto ao ato jurídico perfeito entre o contribuinte e o ente, com todos os efeitos decorrentes de caráter legal.

      Para exemplificar o parágrafo anterior, podemos citar os artigos 150, 168, 173 e 174 do CTN, bem como o artigo 178 do CTN, este com especial atenção à isenção.

      O art.100 do CTN destaca especial atenção à proteção da boa-fé, protegendo o contribuinte em caso de circulação de bens importados sem o devido pagamento dos tributos. Nessa mesma seara, destaque-se o Decreto 70235/72, que normatiza o processo administrativo fiscal, assegurando ao contribuinte o direito à impugnação e recursos e o artigo 5° da Constituição Federal em seus incisos XXXV, LlV, LV, LVl, LXlX e LXX.

      Nossa Constituição não admite que a instituição ou majoração de tributos ocorram pura e simplesmente por base ou previsão legal e sim por lei formal derivada da noção de reserva absoluta ou legalidade estrita em questão de matéria tributária. A Constituição também nos garante conhecer com antecedência os ônus tributários conseqüentes de atos que venham a ser praticados, caracterizando assim a anterioridade da lei tributária, garantia esta advinda da Constituição Federal de 1.988, e ampliada pela Emenda Constitucional n° 42, de dezembro de 2.003, quanto ao interstício mínimo de noventa dias para quaisquer tributos, na virada do exercício, salvo exceções que a própria constituição prevê. Por isso, em se tratando da legalidade, adota-se a determinabilidade e a eficácia da lei, enquanto que na irretroatividade e anterioridade há que se considerar a deontologia do direito e seus efeitos, analisando a conjuntura dos princípios, buscando assim uma análise equilibrada e justa visando a efetividade da segurança jurídica.

      Nesta visão sistêmica no campo do Direito Tributário, quando da interpretação e da aplicação do ordenamento jurídico, abre-se também uma janela para o questionamento e em alguns casos, superação de teses e conceitos, auferindo-se assim um ganho intelectual e jurídico em análise concreta do tributo, do direito de tributar e, principalmente, nas garantias constitucionais do contribuinte, que limitam o poder de tributar, levando à discussão dos precedentes, seus fundamentos e correção, para que estes não violem nossa Carta Magna, em relação a garantias constitucionais dos contribuintes, e para que, se necessário, sejam revistos e desconsiderados, para que haja saudável renovação nas decisões de nossos Tribunais, estabilizando decisões judiciais, tornando eficaz e atuante o Estado democrático de direito e o princípio maior da Segurança jurídica.

      A legalidade tributária depende dos avanços citos no parágrafo anterior para tornar-se efetivamente instrumento soberano e mediador das relações da sociedade para com o Fisco Tributário, tendo evidentemente esta amplo respaldo na Constituição Federal, principalmente no enunciado maior desta, que diz: Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Nesta análise, a Constituição Federal é, como em todos os ramos do direito, o texto maior a ser considerado nessa análise que envolve o Estado e o contribuinte, passando pela análise constitucional dos direitos e obrigações correlatos, as diversas normas e leis regentes e os princípios maiores que buscam o equilíbrio necessário a tornar efetivos e justos, com o caráter social e de avanço do poder de tributar estatal, com as garantias fundamentais e constitucionais atinentes ao contribuinte.

 

Conclusão

      Conclui-se, portanto, que o Estado de Direito é, por assim dizer, uma referência de segurança, e através de suas normativas, convenções, texto constitucional e decisões colegiadas, resguarda as pessoas do arbítrio que ora possa haver por parte do Estado.

      Esta segurança jurídica nos é dada pela compreensão das garantias dos artigos constitucionais 150, l, a, 150, lll, a,b e c, e 195, parágrafo 6° da CF/88, pertinente à instituição e majoração de tributos.

      Podemos, por assim dizer, que o conteúdo da legalidade tributária supera e em muito o da legalidade geral, pois o primeiro implica em necessária reserva qualificada da lei, sem possibilidade delegativa ao Executivo para este instituir tributo, dizendo, pelo princípio da irretroatividade que os entes políticos não podem instituir tributos em “relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentados.”

      Define-se, portanto, que a irretroatividade assegura a certeza do direito para o contribuinte independentemente do tipo de fato gerador a que se refira a lei nova, considerando-se este conforme artigo 114 do CTN, aspecto material de hipótese de incidência tributária.

      Já para aplicabilidade da anterioridade, esta caracteriza-se por cunho somente tributário, não comparando-se a obrigações outras.

      Procuramos exemplificar de maneira concisa e didática, à luz do texto constitucional e leis ditas extravagantes, o complexo universo que permeia o Direito Tributário, com a aplicabilidade de seus princípios, doutrina pertinente e entendimentos diversos de teses às vezes polêmicas, como uma análise mais específica do Fato Gerador, porém deixando bem claro que não existe tese fechada e matéria de conteúdo tão dinâmico cabe-se atualizar quase que diariamente os efeitos desta sobre nossas vidas .

 

Bibliografia

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FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes . Coordenadora. Constituição e Segurança jurídica: Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2004.