Segurança alimentar a necessidade de um planejamento estratégico

O título até parece pomposo, mas ao contrário do que se imagina é preocupante esta chamada, relacionada com o que comer em função do que se vai produzir. E neste produzir é que reside o nó górdio da questão relacionada à necessidade urgente de alimentar os nossos patrícios menos favorecidos, mais ou menos favorecidos e os favorecidos pela sorte. É sabido que inúmeros pesquisadores, professores, sociólogos e outros mais, vêm demonstrando uma preocupação constante com a atual situação da SEGURANÇA ALIMENTAR.

Mas esta preocupação antes que acadêmica, é preocupante na essência básica de se buscar a fórmula de como resolver tal situação preocupante. Ademais temos que nos reportar que profeticamente já nos era incumbida a tarefa de produzir, se bem que escamoteada tal profecia, quando o escriba da frota cabralesca informou na sua missiva que nesta terra em tudo se plantando dá. Ora, está implícita nesta informação que o resultado do que em aqui se plantando tudo dá, daria por certo para alimentar o povo descobridor e os que por aqui vieram a permanecer até os dias de hoje.

Deixando de lado a frota cabralesca, voltemos então ao que nos causa preocupação.

As teses defendidas por militantes partidários de ideologias centristas, poderão de ora em diante ser colocadas em prática, e terão então o grande dissabor de notar que tudo aquilo que foi defendido em teoria não o é e nem o será na prática.

O BRASIL é um dos países que mais gasta com campanhas emergenciais de combate à fome, à desnutrição, à má alimentação e etc e tal. São ações tipo Campanha Solidária, Campanha do Herbet de Souza, Campanha do Natal sem Fome e por aí vai. E o que adianta tudo isto? Antes isso do que nada, dirão uns. Graças a DEUS, alguém se preocupa com estes desvalidos pela sorte madrasta e ainda passando fome.

Mas os pesquisadores, os estudiosos e os defensores de teses utópicas e típicas e ou assemelhadas a mimos de equídeos troianos, não são capazes de encontrar a fórmula real, a receita correta para o diagnóstico então feito. Podem até ser partícipes de estudos locais e regionais, levantando dados demográficos sobre as populações famintas de tantas fomes, dentre elas, a fome de comida. Mas são incapazes de dissociar algumas questões como a confusão político-partidária da religiosidade, da linha de pesquisa, da forma de condução deste ou daquele programa e, sobretudo, são incapazes de se abster de um apadrinhamento político.

A SEGURANÇA ALIMENTAR poderá contar com até R$ 2.000.000.000,00, como estão anunciando. Esta quantia de dinheiro estaria rubricada para a aquisição de alimentos, destinados a matar a fome do povo da caatinga, do sertão, dos alagados, das invasões, das favelas e de outros tantos. Só que aqui reside um senão. A SEGURANÇA ALIMENTAR corre o risco de alimentar aquela família da caatinga com leite em pó importado da Holanda, com leite em pó da SANCOR SUNCHALES da Argentina.

Ou alimentar com macarrão, feito com trigo importado do Canadá. Ou quem sabe até com arroz importado do Vietnã, ou no desespero importar "porotos" do México. Ou quem sabe venha a fazer parte desta política alimentícia, a livre escolha de comprar o que bem entender. Democraticamente correto. Inconcebível e irresponsável ao mesmo tempo. Como uma família poderá aquilatar quais as necessidades calóricas, vitamínicas, proteícas e minerais que os "N" membros desta família necessitam, em função da idade, sexo e grau de desnutrição? Será que o cartão magnético irá funcionar lá no Goiás-Minas? Ou no Sítio da Abadia? Ou lá em Santa Maria do Tocantins?

Será que esta família não estará sujeita a comprar um pacote de macarrão e uma lata de extrato de tomate e, assim, comprometer de saída algo como R$ 3,00 de um valor que poderá chegar a R$ 60,00 de crédito?

Do que ainda os teóricos centristas oriundos das universidades ainda não se convenceram é o fato de que dados estatísticos do IBGE são carentes de confrontações reais. Mesmo porque estes cientistas não conhecem sequer o que é a fome capaz de produzir. A fome e a miséria são capazes de produzir um efeito ainda não desvendado. Quanto mais miserável é a família, maior o número de filhos. E este contingente, de 10, 13, 16 filhos, vive de forma sub-humana, comendo palma cozida, alguns preás.

De onde vem esta dinâmica hormonal, em que o nível de aporte alimentar é tão baixo e que ainda permite que uma mulher venha parir um número considerável de filhos que irá engrossar as fileiras dos mais famintos ainda? Os discursos até então existentes, prometidos, falados e planejados, já mataram a fome dos miseráveis umas 3, 4 vezes, beirando o perigo de que os famintos das Guianas, do Suriname venham migrar para o BRASIL para ser alimentados.

A SEGURANÇA ALIMENTAR não é para ser administrada por teóricos paroquianos, por teóricos enclausurados em seus mosteiros, por teóricos acadêmicos que bebem do bom e velho conhaque e comem da boa e macia picanha maturada, servida no Grill Montana em Campinas. A SEGURANÇA ALIMENTAR é missão para quem sabe quanto consome uma criança, um adolescente, um adulto, um idoso, em termos de suas necessidades de ingestão diária. E a partir desta informação, tem início um levantamento demográfico da fome, estratificando-a por macro e micro-regiões destes quase 6.000 municípios brasileiros, analisar a real situação deste povo. É com base na realidade local que se deve iniciar o projeto de fome zero.

Existem condições peculiares regionais, onde o uso do macarrão elaborado com trigo importado do Canadá, não será a solução definitiva para este povo. Primeiro porque não faz parte dos seus hábitos alimentares. Segundo porque estamos introduzindo um tipo de alimento que é caro para a nação. Terceiro porque existem provavelmente situações e condições técnicas de que nestes nichos de fome se consiga produzir alimentos adequados aos hábitos, aos costumes, às condições de clima, solo e topografia. Quarto porque se faz necessário um Resgate de Cidadania destes brasileiros e brasileiras e a melhor forma de um resgate para quem tem fome, é produzir os seus alimentos. Pois é partir deste exemplo que ele passa a valorizar o seu serviço, o serviço comunitário e sobretudo o próprio alimento. A partir de então, se faz presente o consciente coletivo de que se não trabalhar para comer, se não plantar para comer, indubitavelmente, se irá passar fome.

Mesmo porque a sociedade não terá condições de mantê-los ad-infinitun.

É louvável e até necessário que as classes produtoras se antecipem no apoio a esta jornada da SEGURANÇA ALIMENTAR. Arrisco até sugerir que se iniciem estudos técnicos regionalizados, onde a geografia da fome possa informar de maneira clara, qual é a verdadeira situação. Da fome urbana e da fome rural. Dos contingentes urbano e rural, estratificados por sexo e idade. Da real necessidade de consumo de alimentos com potencialidades de serem produzidos localmente. E então de posse destes extratos faminto-alimentares, que a classe produtora rural dedique um espaço de suas terras para produzir estes alimentos, que são plausíveis de serem produzidos, e os venda ao governo, como uma venda normal de mercado. O passeio do feijão produzido em Irati, que irá alimentar o faminto do Vale do Gurguéia, no Piauí, tem um preço muito alto. Porque então não se produzir este ou aquele tipo de feijão nesta região? Outro impedimento: o feijão que é produzido no município de Irati e "exportado", poderá fazer falta para aquele faminto que ali reside.

Portanto, a SEGURANÇA ALIMENTAR é muito mais complexa do que o simples fato de mandar confeccionar cartões magnéticos com o nome e senha das pessoas, para que possam em qualquer bodega, bolicho ou venda comprar um pacote de macarrão fabricado com trigo importado dos Estados Unidos, uma latinha de extrato de tomate produzida por uma transnacional e, quem sabe, um quilo de feijão importado do México. A fome não é diferente daquela família que mora lá no município de Guaraí, divisa com Argentina, da fome da família que mora em Cruzeiro do Sul, no Acre.

A fome é como um vírus que mina as resistências do ser humano. Em um primeiro momento acaba com a resistência orgânica. Em seguida com a resistência moral a tal ponto, que sucumbe por migalhas. Um pai de família sofre por ver que seus filhos não têm o que comer. Uma mãe de família chora lágrimas de sangue porque o leite materno não mais alimenta seu filho. Uma criança chora de fome e não entende porque não tem comida, e cresce com muitas outras fomes. Uma nação com fome e que não resolve esta situação é uma nação perversa. Uma nação com fome e que promete soluções à curto prazo, mediante propostas imediatistas e populistas, é uma nação que fabrica ilusões e uma bomba social de efeito retardado.

Mas para um pai e uma mãe de família, uma criança, uma nação que sabe como e porquê estão passando fome e têm nos seus governantes as maiores esperanças de que a sua fome seja mitigada, ainda lhes resta uma réstia de vontade de viver. Mas se tal não vier a se concretizar a curtíssimo prazo, este povo faminto de comida poderá sentir outro tipo de fome, a fome que gera a revolta e o caos social.

Médico Veterinário Romão Miranda Vidal
CRMV-PR-0039