II Guerra Mundial, Globalização e o papel do Direito Internacional

 Por André Boaratti[*]


*original publicado em: http://www.professorboaratti.com.br/#!II-Guerra-Mundial-Globalização-e-o-papel-do-Direito-Internacional/c1jfd/5050EDF6-18F9-4008-8477-8144E27034AD


  • Introdução

O presente artigo pretende investigar de que forma a II Guerra Mundial, como um evento único na história, contribuiu para construir as condições que tornaram possível o surgimento de um novo contexto internacional, a Globalização, e qual o papel do Direito Internacional nesse processo de mudança.

  • Em busca de uma definição para Globalização

Para se definir Globalização, é preciso analisar e levar em conta alguns antecedentes históricos recentes que resultaram na consolidação de um novo contexto mundial. 

Após o fim da bipolaridade entre EUA e ex-URSS na Guerra Fria, o modo de produção capitalista se expande para o restante dos países que ainda não haviam aderido a este sistema. A expansão capitalista facilitou o encaminhamento na construção de regras que norteariam o sistema econômico internacional (processo que se inicia com os Acordos de Bretton Woods)

Outros fatores também foram decisivos para a Globalização: a melhoria e a popularização dos transportes, permitindo uma maior mobilidade além das fronteiras, e as inovações na área da comunicação. Nesse sentido, a definição de Globalização deve levar em conta esses dois aspectos: o econômico e o tecnológico. Porém, para que houvesse um encaminhamento do consenso internacional em torno da criação de regras comuns que regeriam a economia entre as nações, os Estados tiveram que passar por experiências que contribuíram para repensar a postura clássica de se resolver os problemas através do conflito. É sobre esse assunto que o artigo tratará no próximo tópico: a II Guerra e as suas contribuições para a criação de um novo contexto internacional.

  • II Guerra Mundial: um marco nas relações humanas

A globalização, é antes de mais nada, uma teia de relações de naturezas diversas que ultrapassam as fronteiras dos Estados. As relações além fronteira abrangem desde áreas como educação e pesquisa até trocas de mercadorias e serviços. O comércio que se estabelece entre os Estados é um dos principais fios condutores da Globalização. E a base desse comércio, atualmente, é a internet. Mas para que esse processo chegasse nesse ponto, houve uma mudança de postura por parte dos Estados, como foi dito anteriormente.

A II Guerra Mundial é tida como um divisor de águas no que se refere a postura dos Estados nações frente aos conflitos. Qual ou quais foram os eventos que marcaram a II Guerra que repercutiram na política internacional?

O primeiro deles foi a construção dos campos de concentração, e a chamada “Solução Final” por parte da Alemanha nazista de Hitler. O ódio e a discriminação ao diferente, no caso, o judeu, tomou proporções nunca antes vistas, transformando-se em política de Estado. O Totalitarismo foi um tipo de poder baseado no “cientificismo”, ou seja, o discurso científico legitimando as atrocidades contra um povo (a superioridade genética da raça ariana frente as outras raças). Nesse sentido, a aniquilação do povo judeu foi a grande norteadora das decisões do nazismo. Num determinado momento durante o regime totalitário, houve a necessidade de se construir meios cada vez mais eficientes para a eliminação do povo judeu.

A lógica da aniquilação totalitária seguia os mesmos preceitos de uma organização privada capitalista: busca máxima pela eficiência a partir da redução de custos e inovação tecnológica. Esse preceito foi levado à risca por Hitler na organização dos campos de concentração a partir da criação de novos métodos de assassinato em massa, cada vez mais baratos. Nesse contexto, o termo “Indústrias da Morte” se encaixa perfeitamente, pois o processo de “produção” dos campos de concentração visava números: morte aos Judeus e a todos os “impuros” que não pertencem à raça ariana e que não vão contribuir para a construção do III Reich.

Outro fator que marcou a II Guerra como uma experiência única nas relações humanas, foi o uso de armas nucleares de destruição em massa. As duas bombas atômicas lançadas pelos EUA no Japão, alardeou o mundo em torno de que se um outro conflito internacional surgisse, haveria enormes possibilidades do uso de armas atômicas entre os beligerantes, e nesse sentido, a destruição não ficaria restrita apenas entre os integrantes do conflito, e sim, poderia afetar a vida humana na Terra.

Tanto a sofisticação em torno do assassinato em massa, quanto a possibilidade de extinção dos seres humanos com guerras nucleares, foram os principais fatores que influenciaram não apenas nas futuras decisões internacionais, mas fundamentalmente, para uma mudança a nível de postura, de consciência.

O Direito Internacional seria repensado sob novos patamares: as decisões internacionais em torno de regras que evitariam novos conflitos não poderiam ficar restritos apenas na celebração de acordos internacionais. Haveria uma necessidade maior em criar mecanismos para garantir certas regras.

  • Novos atores internacionais: ONU e a cooperação internacional

A grande lição tirada do Totalitarismo foi que o Estado não poderia ser a única fonte da garantia de direitos básicos. Ou seja, o Estado não poderia mais escolher quem poderia ser ou não cidadão. A aplicação do direito, agora, teria outras referências: o Direito Internacional.

Mas o estabelecimento jurídico internacional não se restringia mais a construção de Tratados, e sim, os Estados nações, logo após ao fim da II Guerra Mundial, resolveram criar um novo ator internacional que pudesse estabelecer o intermédio nas relações entre os Estados: a Organização das Nações Unidas.

A principal função da ONU é a defesa do princípio da cooperação internacional por meio da promoção do diálogo como principal forma de resolução dos conflitos. A ONU, é por natureza, uma Organização Multilateral, ou seja, é um espaço entre diferentes, um espaço para o diálogo, para ações pautadas pela busca do entendimento.

A ONU seria a institucionalização dos principais princípios norteadores do Direito Internacional, como a auto determinação dos povos, respeito mútuo à soberania, etc.

Com a criação da ONU, e mais especificamente a partir do ano de 1954, com a aprovação do Estatuto dos Apátridas, todos os Estados que fazem parte da ONU deveriam evitar, no âmbito das suas jurisdições internas, a possibilidade de se criar pessoas não cidadãs, os apátridas. A lição do nazismo por meio dos campos de concentração, em que os Judeus perderam totalmente seus direitos enquanto cidadãos, foi decisiva para o estabelecimento da cidadania como um dos Direitos Humanos.

Com a criação da ONU, as decisões multilaterais foram conquistando mais espaço na Comunidade Internacional, e assim, o princípio da cooperação foi se firmando cada vez mais como um paradigma nas relações internacionais.

O abandono gradual do conflito como forma de resolver pendências, e a expansão do capitalismo somada às inovações tecnológicas na área da informação, foram os principais responsáveis pela criação de mecanismos que pudessem padronizar um único mercado: o mercado global.

Num contexto de guerra, o comércio internacional é praticamente inexistente. Como ocorreu nas duas Guerras Mundiais. Por outro lado, num contexto de cooperação e estabilidade internacional, quem mais ganha são as relações comerciais. Ou seja, a estabilidade internacional (fruto da instalação do princípio da cooperação, da expansão do capitalismo e das inovações tecnológicas) criou as condições propícias a um comércio internacional cada vez mais global.

A participação dos países no comércio internacional tem aumentado significativamente nos últimos 20 (vinte) anos. A Globalização é resultado dessas relações comerciais transnacionais que contribuem para aproximar povos e culturas diferentes.

  • Conclusão:

A Globalização deve ser entendida como o resultado de um longo processo desencadeado a partir das experiências vivenciadas na II Guerra Mundial, que repercutiram fundamentalmente para a alteração da postura dos Estados em criar mecanismos institucionais que garantissem a estabilidade internacional.

Essa estabilidade foi decisiva para a criação de um ambiente propício às relações comerciais internacionais: só há comércio num contexto de paz e estabilidade. Nesse sentido, o próprio comércio contribui para afastar cada vez mais a possibilidade de futuros conflitos, pois parceiros comerciais não se atacam.

É justamente nesse contexto, de estabilidade e desenvolvimento comercial, que a Globalização se consolida gradativamente como um paradigma nas relações internacionais. A Globalização, como um mercado único, o mercado global de trocas e serviços, se impõe cada vez mais nas realidades nacionais, pressionando as empresas, indivíduos, entidades públicas, a repensarem a sua forma de atuação: o local deixa cada vez mais de ser uma realidade palpável para dar lugar a uma realidade transitória, dinâmica, baseada na comunicação livre e irrestrita.

Logo, se faz necessário buscar conhecer as novas tendências criadas a partir desse novo modelo para que a atuação, tanto das organizações, quanto dos indivíduos, possam levar em conta os novos desafios impostos por essa realidade contemporânea marcada pela livre circulação de pessoas, bens e principalmente, de conhecimento e informação.

O mercado global está colocando em cheque todos os velhos paradigmas da política e economia internacional a partir de novas formas de relações que se estabelecem de diversas maneiras, em diferentes partes do globo, envolvendo múltiplos interesses. Como as organizações devem se posicionar frente aos novos desafios? Quais são os elementos mais marcantes desse novo contexto que criam novas tendências a cada dia? Essas e outras questões calcadas na preocupação de se buscar compreender a realidade do mundo contemporâneo serão abordadas num outro artigo.

[*] Bacharel em Relações Internacionais, especialista em Filosofia Política e Mestre em Comunicação Social com ênfase em Mídia e Cidadania. Professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da Faculdade Evangélica de Goianésia, professor de Sociologia na Faculdade Delta e Faculdade Objetivo.