Verônica Rodrigues de Souza

           

Com um histórico marcado de exploração do trabalho desde o século XVI o Brasil vem ocupando uma posição nada admirável no índice de escravidão global. Como 94º da lista, revela que ainda não perdermos as amarras coloniais e que essas formas análogas à escravidão nos permeiam no século XXI. Um fato importante a ser analisado é como ocorreu à transição entre a escravidão nos primórdios, para a escravidão na contemporaneidade. Antigamente essa exploração foi mais utilizada na agricultura, realizada principalmente pela mão-de-obra negra (africana) e indígena (brasileira), com o evoluir dos séculos a força de trabalho se tornou a forma básica da acumulação primitiva de capital e essa busca incessante pela concentração de riqueza gerou uma sociedade que exclui, explora e é desigual entre os seus.

A exploração do trabalho no século XXI é o reflexo de uma sociedade banalizada e injustiçada pelos grandes, o poder sempre foi um determinante seletivo, definiu o que é crime, normalidade e pecado e essas definições sempre recaíram sobre os pobres remanescentes do sistema econômico. Esse retrato hoje do poder sobre o inferiorizado está descrito nas inúmeras formas análogas de escravidão, temos a exploração do trabalho infantil, exploração doméstica, exploração na indústria, na construção civil, na agricultura, na pecuária, no tráfico de pessoas e segundo Martins (1997) a escravidão por dívida é a mais realizada, no qual a pessoa se submete a condições deploráveis de sobrevivência que derivam de uma situação globalizada: a pobreza.

Observa-se que ao precisar de uma quantidade de trabalhadores significativa que resultem em uma alta lucratividade essa exploração estará presente. A agricultura é um setor em destaque para o desenvolvimento econômico no Brasil e consequentemente tem os maiores registros de exploração do trabalho, distribuídos entre lavouras de cana-de-açúcar, algodão e soja. São trabalhos de efeito sazonal, ou seja, esses trabalhadores percorrem o Brasil inteiro atrás das safras, em que muitas vezes são mantidos pelo mesmo produtor, que é dono de várias terras em outras regiões.

Outro ponto a destacar é que essa exploração não é determinada pela questão racial como nas colônias e sim social, a má distribuição de renda e a falta de oportunidade em algumas regiões brasileiras, levam essas pessoas a acreditarem em promessas falsas de emprego relacionadas à agricultura. O início do processo dessa exploração se dá pelo aliciamento dessas pessoas e logo após a remoção delas para locais afastados, em que estarão longe de seus familiares e desprotegidos. Chegando ao local descobrem que já estão endividados devido aos gastos com os transportes, para executarem o serviço precisam de equipamentos, logo também são disponibilizados em forma de venda por um preço muito superior do mercado, como consequência mais uma dívida para ser anotada em “caderninhos” pelo gato (homem que executa papel de gerente na fazenda).

As condições em que esses trabalhadores vivem em relação à moradia, alimentação, higiene e saúde são praticamente nulas e estão expostos a violências psicológicas e físicas o que os deixam vulneráveis e que muitas vezes os leva a morte. Semelhante à exploração humana no século XVI, vivemos hoje em retrocesso com o desenvolvimento humano, uma sociedade em que a exploração do outro resulta em benefícios, claro, para apenas um lado, lado esse o do poder, travamos uma luta entre aqueles que têm a indignação sobre essas formas de escravidão e aqueles que querem mais e mais acumular riquezas.

O Brasil começa a se movimentar em relação a esses casos, existem hoje Grupos Móveis de Fiscalização do Ministério do Trabalho, compostos de auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais, que buscam essas denúncias, invadem esses locais apurados e libertam esses trabalhadores, esse tipo de fiscalização é executado sobre qualquer denúncia análoga a escravidão mais a maior incidência de casos, acontecem na zona rural relacionada á agricultura.

Outra forma encontrada para amenizar ou alertar regiões que são muito visadas para essa exploração, é a criação de ONG’S que tem como um dos objetivos levar a informação sobre possíveis ameaças futuras de aliciamento aos trabalhados e explicitar os tipos de exploração que estão sujeitos. Muitos desses trabalhadores se negam a acreditar que estão em situação escravas, pois são tão acostumados ao trabalho árduo que enxergam a situação com naturalidade, por isso a importância dessa informação ser disseminada.

O julgamento para os proprietários dessas terras, novamente é definido pelo poder, geralmente existe alguém que arca com a responsabilidade e limita que os nomes desses produtores sejam expostos, não encontram nenhuma relação proprietário – trabalhador, somente a relação com o encarregado da fazenda que era responsável na obtenção dessas pessoas, os Grupos Móveis de Fiscalização aplicam as multas e esses trabalhadores são indenizados de acordo com o tempo de serviço exercido. Alguns casos viram judiciários, mas na maioria são encobertos e esquecidos na sociedade.

Esses seres humanos são tratados como animais, encurralados, humilhados, oprimidos e ameaçados e o que se vê quando são resgatados, é a dignidade, apesar de tudo do que sofrem, querem apenas trabalhar e honrar suas dívidas, dar uma vida melhor para aqueles que dependem deles, homens de fibra, de garra, verdadeiros brasileiros, não desistem nunca e merecem todo o respeito da sociedade. Por isso ao fazer o mínimo que seja para erradicar essa exploração inadmissível sobre o ser humano, é se tornar humano, com valores que devem ser transpassados para todas as gerações e que no futuro as mesmas repudiem esse desprezo com o próximo.

REFERÊNCIAS

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Ética, cotidiano e corrupção. In: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. 2013. Cap.2, p.53-68. 

MORAIS, Maurício. Brasil é elogiado, mas fica entre 100 piores em ranking de trabalho escravo. 17 out. 2013. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/10/131016_indice_escravidao_global_brasil_mm.shtml>. Acesso em: 15 maio 2014. 

SEM fronteiras. Sim, existe! Junho 1997. In: SEM fronteiras. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2014.