Conheci Sebastião Tolentino Di Lascio na empresa Unipar Química em Santo André, onde era diretor industrial. Era uma pessoa simpática, acessível e carismática, que gostava de falar sobre qualquer assunto. Era muito bem informado, principalmente em se tratando de política e meio ambiente. Com poucos dias na empresa, bem depois do final do expediente, eu estava saindo na portaria quando ele me deteve solicitando uma carona, pois seu motorista havia se complicado no trânsito. E lá fomos nós no meu fusquinha da época, ano 1978. No caminho comecei a reclamar das condições da pista da avenida que liga Capuava a Santo André. “Foi construída na minha gestão como secretário de obras, disse ele orgulhoso”. Preferi então mudar de assunto para evitar alguma gafe. E fomos jogando conversa fora durante o trajeto. Ele pediu que eu não saísse do meu caminho, mas por gentileza o deixei em frente ao prédio onde ele morava.

Na empresa contavam muitas histórias sobre o Doutor Di Lascio. Todos acreditavam que ele era engenheiro, mas pelas informações que tive, não havia feito o curso. Trabalhou quando jovem como jornalista, escrevendo artigos e revisando textos, logo que chegou do interior, e, talvez por isso tenha desenvolvido sua grande capacidade de articulação em vários assuntos, inclusive engenharia. Também pelo fato de ter ocupado a Secretaria de Obras de Santo André ficou a idéia de que fosse mesmo engenheiro civil.  Mesmo não tendo formação, discutia tecnicamente os problemas da fábrica com sua equipe com muita segurança e competência, coisas que cheguei a testemunhar. Foi também dele a proposta de adoção de uma estratégia de diversificação das atividades da empresa para aproveitamento da matéria-prima utilizada na produção de um produto, cuja comercialização foi proibida por problemas ambientais.  Di Lascio concluiu o curso de direito, fazendo jus, assim, ao doutor, que por tradição são chamados todos os advogados do Brasil, com doutorado estrito senso ou não.

Entre as histórias que se contavam na empresa, há uma lendária, em que ele foi abordado no meio da fábrica por um grupo de operários insatisfeitos com os salários pagos. O representante do grupo disse, muito respeitosamente: “Doutor Sebastião, o senhor vai nos desculpar, mas nós estamos ganhando pouco”. Ele respondeu prontamente: “Estão todos desculpados e podem voltar a trabalhar”. A frase virou folclore e por isso ninguém mais ousou abordá-lo para pedir aumento de salário.

Outra característica dele era o policiamento da língua pátria, a qual conhecia muito bem. Não tinha pudores em corrigir seus gerentes, engenheiros e outros funcionários, mesmo publicamente. Numa reunião, um gerente chamado a dar a sua opinião sobre um problema sério da fábrica, assim se manifestou: “Diante da gravidez do problema...”. Ele foi imediatamente corrigido: “Gravidez não, pois ninguém aqui está grávido a não ser a senhora sua esposa. Estamos falando da gravidade da situação e não de gravidez”. Todos caíram na gargalhada, inclusive ele e a reunião ficou para outro dia.

Gostava de falar de literatura, o que não era comum para um executivo como ele, sempre ocupado com problemas de produção, manutenção, qualidade, funcionários e atividades associativas e cargos honoríficos, que ele desenvolvia além das atividades na empresa. Tempos depois conheci sua esposa, dona Glaucia, uma culta professora de língua portuguesa com quem provavelmente ele tinha longas conversas sobre os bons autores da língua de Camões.

A empresa sofreu profundas mudanças e o Di Lascio, sempre muito hábil e político, acabou assumindo a presidência até a sua aposentadoria. Mas a política sempre foi a sua grande paixão. Gostava de manter contatos com prefeitos e políticos da região, sempre numa tentativa de articulação de interesses sociais, econômicos e ambientais do Grande ABC. Um dos assuntos que o apaixonava era o problema da água, que ainda nos anos 80 ele já via com um dos grandes desafios da sociedade brasileira. “Estamos buscando água cada vez mais longe e isso não é bom. As nossas necessidades estão aumentando e dentro de pouco tempo precisaremos buscar água na bacia do Rio Grande, na divisa com Minas”, disse ele numa entrevista para o informativo da empresa que eu coordenava.

Era um ambientalista por convicção, antes de virar moda e já defendia uma visão sustentável para a economia nos anos 80.  Na empresa exigia rigor no tratamento de efluentes líquidos e gasosos para evitar danos ambientais. A fábrica era um jardim que florescia em meio a torres de destilação e tanques de armazenamento.

               Aposentado, imaginei que fosse retornar às atividades políticas, mas o Brasil mudou muito e sua saúde também não deve ter permitido que abraçasse novas atividades. Sebastião Tolentino Di lascio despediu-se da vida praticamente esquecido, conforme comentou um colega da época que esteve presente no velório. Por ter sido um político militante e um ativo defensor de causas ambientais merecia da sua cidade, uma justa homenagem.