Klebiana do Nascimento Lima*

RESUMO

O sistema penitenciário brasileiro tem passado por inúmeras transformações, muito embora algumas delas tenham sido referência negativa para a sociedade, onde esta almeja viver com tranquilidade e segurança. De tal modo, o regime prisional coaduna questões de saúde mental, haja vista que o adoecimento psicológico é fato notório dentro das penitenciárias. Diante essa problemática, mister salientar a atuação do psicólogo frente a promoção da saúde mental no ambiente carcerário. Este artigo parte da pesquisa desenvolvida em uma unidade prisional localizada na cidade de Forquilha-CE. Objetivou-se identificar o perfil dos internos que sofrem de sintomas psicológicos na cadeia pública do respectivo Município; analisar o adoecimento psicológico decorrente do encarceramento dos internos; problematizar as políticas de saúde mental implementadas no sistema carcerário. O caráter metodológico desta pesquisa encontra-se embasado na técnica qualitativa, contando com entrevistas e observação participante Os resultados permitiram verificar que os sintomas psicopatológicos estão cada vez mais presente no ambiente carcerário, pois muitos são os gravames que potencializam a ocorrência da desestrutura mental dos integrantes do cárcere. Concluiu-se de tal modo, a existência um certo desinteresse institucional quanto a possível prevenção ou mesmo o acompanhamento de pessoas que por inúmeros motivos tiveram sua estrutura cognitiva abalada pela sistemática do modelo prisional.

INTRODUÇÃO

O sistema penitenciário brasileiro sofre inúmeras dificuldades, dentre elas, estão a falta de estrutura física e equipamentos, limitação de recurso humano, distanciamento por parte da sociedade, dentre outros fatores que acabam por repercutir diretamente no comportamento das pessoas que ali estão para cumprir a pena imposta.

De tal modo, o contexto prisional passa despercebido pelos os olhos de muitos, dado o sentimento de justiça pela falta cometida. Evidente que deva existir punição aos que transgrediram as leis imposta pelo Estado, mas é necessário observância no tocante ao processo de humanização dessas pessoas, pois muito se fala em ressocialização, só que ainda é algo distante da realidade do nosso país.

O desafio para a instituição prisional na atualidade vai além de seu caráter punitivo, visa dignificar, bem como o processo de reintegração social na medida em que o egresso se permite a voltar para a comunidade. A respectiva pesquisa tratará do ambiente prisional no que se refere a sua influência nos aspectos psicológicos dos sujeitos aprisionados, ou seja, objetiva-se a análise de alguns transtornos mentais desenvolvidos durante a privação da liberdade.

Em busca da conceituação de cárcere, vislumbramos a observância de Foucault (1987), os espaços prisionais se definem como “instituições completas e austeras, que ao fazer da detenção a pena por excelência, introduz processos de dominação, característica de um tipo particular de poder”. Na opinião de Guimarães (2004), cárcere é sinônimo de prisão, cadeia, local a que se recolhem delinquentes, indiciados ou suspeitos de crime, ou os que ali devem permanecer como medida de segurança.

Na perspectiva literária, Goffman (2001), a instituição prisional pode ser vista como um local de clausura, fechamento com o mundo externo, portas fechadas, muros altos, arame farpado, dentre outros recursos que limitam o contato dos internos para com a sociedade. O estudioso entende que o preso é apenas mais um no sistema. Cientificamente, Bauman (2005), as prisões podem ser caracterizadas como armazéns de refugo humano, depósitos de vidas desperdiçadas, passando de reciclagem para despejo de lixo de seres vivos.

No que diz respeito ao sistema penitenciário brasileiro, é perceptível a fragilidade estrutural, a falta de investimentos, ausência de efetivo que atenda a demanda, dentre outros problemas É notória a esquiva social do envolvimento com os respectivos estabelecimentos prisionais, seja por receio da periculosidade ou mesmo por rejeição, impugnação àqueles que ali estão depositados. A sociedade exclui tais pessoas e cobra justiça para os transgressores da lei permaneçam trancados recebendo a punição devida, como forma de visualizar o pagamento do crime cometido.

O curso de pós-graduação em Saúde Mental desperta olhares curiosos diante as diversas temáticas sócio-culturais, momento em que pude dedicar o interesse e atenção as problemáticas do sistema penitenciário brasileiro, uma vez que, estou inserida neste respectivo campo, motivo pelo qual despertou-me a escolha e a iniciativa deste estudo.     

Justifica-se esta pesquisa pelo interesse em conhecer melhor questões atinentes ao sistema penitenciário como espaço de privação de liberdade e o que isso implica no adoecimento de seus internos, refletindo sobre as consequências psicológicas sofridas, bem como o enfoque em alguns transtornos mentais desenvolvidos dentro da prisão.

Este trabalho consiste em propor um levantamento de informações no tocante ao cotidiano de pessoas presas em específico no Estado do Ceará, cuja pretensão é analisar os transtornos psicológicos decorrentes do tempo de permanência neste local e como o sistema emocional de tais sujeitos é afetado.

Vale destacar que é oportuno nesta ocasião expor tais informações para estimular os leitores a formarem uma visão crítica acerca do tema, já que poucos são os interessados pela área, haja vista a repugnância e o sentimento de injustiça lançados à prática de crimes que a cada dia ganha proporções alarmantes.

ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A SAÚDE MENTAL NO BRASIL: A REFORMA PSIQUIÁTRICA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DA LOUCURA

Em linhas gerais, a Reforma Psiquiátrica configurou um processo histórico de contribuição para a melhoria da política de humanização no que tange ao atendimento dos usuários da rede de saúde mental. O objetivo da respectiva reforma deu-se pela iniciativa em modificar a forma de tratamento clínico imposta na época, que fugia da normalidade e empregava ações agressivas àqueles considerados loucos e excluídos pela sociedade que não os aceitavam por considerar perigosos ao convívio social.

Consoante às características históricas temos que na Europa, até o Renascimento, os loucos viviam a perambular pelas ruas, sobrevivendo da caridade pública. Durante o Brasil Colônia e até o período imperial, a loucura começou a ser confundida com situação de pobreza, mendicância, vagabundagem e rebeldia social. Para Sampaio (1999), aspectos como comportamento desordeiro e falta de condições financeiras foram os principais motivos alegados para impor as primeiras internações dos considerados doentes mentais nas Santas Casas de Misericórdias das cidades de São João Del Rey, Santos, Rio de Janeiro e Salvador, no início do séc. XIX.

O início da contribuição da Psiquiatria no Brasil deu-se pela inauguração em 1852, do Hospício Pedro II pelo próprio imperador D. Pedro II. Nessa perspectiva, o louco passou a ser considerado doentio e passível de tratamento. Baseado no princípio do isolamento, o citado hospício foi o lugar de exercício da ação terapêutica da recém criada ciência psiquiátrica, daí a sua organização especial, com vigilância, regulação de tempo e repressão. Constituiu-se assim, o Modelo Asilar respaldado na proposta de tratamento moral formulada por Pinel e Esquirol.

O modelo mais adotado para conter a loucura foi a implantação dos asilos. No Brasil a instituição da psiquiatria encontra-se relacionada à vinda da Família Real Portuguesa em 1808. Nesta época foram construídos os primeiros asilos que funcionavam como depósitos de doentes, mendigos, deliquentes e criminosos, removendo-os da sociedade, com o objetivo de colocar ordem na urbanização, disciplinando-a e sendo dessa forma, favorecendo o desenvolvimento mercantil e as novas políticas do século XIX.

De tal modo, a estratégia adotada pela sistemática da época era “higienizar” as ruas, removendo abruptamente as pessoas com transtornos mentais que ocupavam os espaços públicos causando medo e vergonha aos transeuntes urbanos. Com isso, esperava-se o isolamento coercitivo e não o tratamento daqueles considerados loucos, momento em que eram lançados nos hospitais de clausura psiquiátrica, denominados asilos, hospícios e manicômios.

O fim da Segunda Guerra Mundial começa a impulsionar a adoção do modelo manicomial brasileiro, principalmente os manicômios privados. Nos anos 60, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o Estado passa a utilizar os serviços psiquiátricos do setor privado. Dessa forma, cria-se uma “indústria para o enfrentamento da loucura”. O modelo asilar ou hospitalocêntrico continua predominante até o final do primeiro meado do século XX.

Em meados do ano de 1961, o médico italiano Franco assume sua postura crítica com relação à psiquiatria clássica e hospitalar, por esta se centrar no princípio do isolamento do alienado. Ele defendia que o doente mental voltasse a viver com sua família. Sua atitude inicial foi aperfeiçoar a qualidade de hospedaria e o cuidado técnico aos internos no hospital em que dirigia na Itália. Essas normas e o pensamento do respectivo médico influenciaram, entre outros, o Brasil, fazendo ressurgir diversas discussões que tratavam da desinstitucionalização do portador de sofrimento mental e da humanização do tratamento a essas pessoas, com o objetivo de promover a reinserção social.

A partir da década de 70, houve importantes acontecimentos que marcaram a mudança cultural da maneira de lidar com os “loucos”. Podemos destacar o Movimento Brasileiro de Reforma Psiquiátrica (MBPR), compreendido entre as décadas de 1970 e 1990, as Conferências Nacionais de Saúde VIII (1986) e XI (1992), as Conferências Nacionais de Saúde Mental I (1987) e II (1992), a Constituição Federal de 1988, o Projeto de Lei Federal do Deputado Paulo Delgado, a Lei Estadual cearense do Deputado Mário Mamede, a consolidação do SUS, dentre outros.